Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Vacinação, voz e a impossibilidade de saída na pandemia https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/06/09/vacinacao-voz-e-a-impossibilidade-de-saida-na-pandemia/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/06/09/vacinacao-voz-e-a-impossibilidade-de-saida-na-pandemia/#respond Wed, 09 Jun 2021 10:00:52 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/img20201218103533331-768x512-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=409 Agatha Eleone e Arthur Aguillar

 

A lentidão do processo de vacinação e a recente segunda onda da Covid-19 no Brasil tem criado uma série de questões sociais. Empresários buscam adquirir vacinas para si, suas famílias e seus empregados. Para esses últimos, o objetivo é possibilitar a retomada econômica o quanto antes. Uma parte considerável da elite já está voando para Miami, agora que o governo norte-americano anunciou a vacinação de turistas. Não é para menos: em um mundo com uma prevalência desigual da doença, a vacina funciona como um novo seguro de saúde que nos permitirá dormir em paz, sabendo que nem nós, nem os nossos perecerão. Para além disso, será também um passaporte para a realização de muitos desejos reprimidos: viagens, festas, idas a restaurantes e a casas noturnas voltam a ser uma possibilidade, já muito ansiada após quase um ano e meio dentro de casa – para aqueles que tiveram o privilégio de poder se proteger da doença através do isolamento. 

A possibilidade de buscar uma via privada para adquirir vacinas e proteger-se da Covid-19 é o que o falecido economista Albert Hirschman, um tipo de patrono dos economistas que se arriscam na interdisciplinaridade, chamaria de “saída”. Ao analisar a dinâmica entre a qualidade entre trens e rodovias na Nigéria, Hirschman criou uma tipologia para entender a dinâmica de qualidade e eficácia de serviços públicos. 

Diante de um serviço público considerado ruim, como o caso dos trens na Nigéria dos anos 1970, um beneficiário deste serviço (por exemplo, um grande produtor de biscoitos, como o pai da protagonista do livro Hibisco Roxo, da escritora Chimamanda Ngozi Adichie) tem, usualmente, duas opções. Ele pode simplesmente deixar de usar o serviço de trens (saída) e começar a usar caminhões para escoar sua produção. Alternativamente, ele pode também reclamar do serviço (voz), exercendo a ação coletiva através de reclamações formais e informais, protestos e ativação da mídia, criticando a qualidade dos serviços. Hirschman nos mostra em seu livro Saída, Voz e Lealdade que ainda que um produtor de biscoitos possa deixar de usar o trem (sair) para usar as rodovias, ele não pode optar por sair de ambos os serviços, pois afinal, ainda precisa de um meio para escoar a sua produção. Nesse exemplo, os empresários locais possuem, portanto, a opção de saída do serviço. A teoria levantada por Hirschman propõe que, quanto maior a possibilidade de saída do sistema público, menos provável que as elites locais utilizem sua voz e conexões políticas para exigir a melhora de um serviço.

Hirschman, um cidadão do mundo que sempre esteve em contato com os maiores desafios do seu tempo, seja ajudando judeus a fugirem da Europa ocupada pelos nazistas, contribuindo como economista no Plano Marshall ou mesmo enquanto participante da primeira missão do Banco Mundial em um país em desenvolvimento, certamente se interessaria pela dinâmica entre voz e saída dos sistemas públicos de saúde em face da pandemia de Covid-19.

A primeira conclusão a que chegamos a partir do arcabouço de Saída, Voz e Lealdade é que o processo de contornar o SUS para se vacinar contra a Covid-19 encarna um desejo humano natural que só pode ser exercido pelas camadas mais ricas da população diante de um serviço público de qualidade insatisfatória: se possível, sair. O exercício deste desejo, no entanto, tem consequências sociais óbvias, já que os mais ricos são justamente o grupo social com a maior capacidade de ação coletiva e mobilização (voz). Quando aqueles capazes de cobrar a gestão pública (seja por doarem grandes somas às campanhas eleitorais, possuírem espaço na mídia ou qualquer outra forma de influência) deixam de fazê-lo em função da opção de saída, todos os beneficiários do serviço perdem.

A segunda conclusão é que no caso da pandemia da Covid-19 — e de maneira geral, na maioria dos desafios de saúde coletiva –, a saída, na verdade, é uma impossibilidade lógica. Isso acontece porque em um evento desse tipo, a saúde do indivíduo não depende apenas de suas ações individuais, mas possui uma relação de interdependência com as ações de todos os outros indivíduos que compõem uma sociedade: mesmo que um empresário consiga tomar a vacina, isso não altera de maneira significativa a transmissibilidade e a vulnerabilidade associada à Covid-19: grande parte da força de trabalho ainda estará impedida de realizar suas atividades; medidas restritivas de ordem coletiva ainda serão necessárias para frear a doença; e a vulnerabilidade social e insegurança alimentar que decorrem da paralisação econômica continuarão a demandar um papel ativo do estado no fortalecimento das redes de proteção social.

Se estamos convencidos que a saída é uma impossibilidade lógica, resta exercer a voz. Aqui, temos muito o que fazer: é possível propor parcerias eficazes entre entidades privadas e serviço público. No nível da opinião pública existe um longo caminho a ser percorrido na comunicação de risco com a população, na disseminação de informações confiáveis sobre a pandemia e no combate às fake news. No nível da gestão pública, nossos municípios precisam de ajuda com a aquisição de insumos, transporte e armazenamento de vacinas, assim como na vigilância epidemiológica, tarefa complexa que muitas cidades pequenas não têm escala para executar. E no nível macro, é necessário responsabilizar o governo federal por sua omissão e negligência tanto na tomada de medidas restritivas quanto no processo de compra e aquisição de vacinas.

Hirschman, um economista que gostava de palíndromos e outros jogos de palavras (chegando a partir deles a importantes hipóteses sobre a inter-relação de forças políticas e forças econômicas), possivelmente notaria a ironia intrínseca ao momento presente. A pandemia trouxe à tona o que há muito não víamos no contexto da saúde brasileira: “obrigou os produtores de biscoitos a usar o trem”. É possível voar para os EUA para vacinar a si e os mais chegados gastando 450 mil reais (o suficiente para comprar 45 mil doses de Coronavac), como fez recentemente um empresário. Mas não dá pra levar a empresa no bagageiro do avião. Para aqueles que não têm acesso à saída (hoje, o conjunto total de pessoas que vivem no Brasil), resta apenas a voz.

 

Agatha Eleone, Pesquisadora de Políticas Públicas do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS).

Arthur Aguillar, Coordenador de Políticas Públicas do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS).

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A hora e a vez da parceria: onde a academia, o terceiro setor e os problemas da vida real se encontram https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/11/03/a-hora-e-a-vez-da-parceria-onde-a-academia-o-terceiro-setor-e-os-problemas-da-vida-real-se-encontram/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/11/03/a-hora-e-a-vez-da-parceria-onde-a-academia-o-terceiro-setor-e-os-problemas-da-vida-real-se-encontram/#respond Tue, 03 Nov 2020 11:00:58 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/connect-20333_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=309 Helyn Thami, Natália Sabat, Ana Lucia Sartori, Darley Maria Oliveira e Neiva Pereira Paim

A crise sanitária e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus escancarou feridas antigas e, possivelmente, criou algumas novas. Dentro do primeiro grupo, podemos citar o grau de desconexão entre a atuação de diversos setores da sociedade no apoio ao enfrentamento dos problemas da vida real.

Por exemplo, é problemático ter muitos cérebros a pesquisar sem que os resultados da pesquisas sejam transformados em legados para aqueles que, através do pagamento de seus impostos, financiam boa parte da pesquisa acadêmica no Brasil. Outro exemplo é atuação pontual do terceiro setor na solução de problemáticas muito complexas e que exigem uma visão menos assistencialista e mais de construção de um legado de capacidades para a boa execução de políticas públicas.

Experiência recente, contudo, foi capaz de mostrar que uma Academia engajada e o terceiro setor podem trabalhar juntos, com êxito, para solucionar problemas que acometem a população e interferem na resposta do setor público aos desafios atuais.

O palco dessa experiência foi a cidade de Sinop, no Mato Grosso, com seus cerca de 150 mil habitantes. O campus da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT Sinop), localizado na cidade, tomou a iniciativa, por meio de projetos de extensão, de conceber e operacionalizar os serviços de monitoramento remoto dos casos de Covid-19, bem como pela organização de uma central telefônica para dúvidas, situada no Instituto de Ciências da Saúde do campus, que funcionava por demanda espontânea dos cidadãos.  Os alunos e professores dos cursos de enfermagem e medicina ficaram responsáveis pelo contato direto com a população (atendendo munícipes de Sinop e de outras cidades próximas, de menor porte), contando com a coordenação e supervisão das professoras Ana Lucia Sartori, Darley Maria Oliveira e Neiva Pereira Paim. O planejamento e implementação das operações teve o apoio da plataforma CoronaCidades, que oferece apoio técnico gratuito aos municípios no enfrentamento da crise e é resultado da parceria de três organizações do terceiro setor: o IEPS, a Impulso e o Instituto Arapyaú. Os projetos, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, realizou mais de 6.000 atendimentos de monitoramento e atendeu aproximadamente 650 pessoas com dúvidas ou sintomas (não somente relacionados à Covid-19) para orientações ou referenciamento aos serviços de saúde públicos ou privados. Recentemente, a iniciativa foi reconhecida com uma Moção de Aplauso pelo Conselho de Saúde local.

O valor desse serviço ultrapassa sua contribuição na resposta à crise, por algumas razões. Primeiro, porque alunos e professores tiveram a chance de estreitar suas relações com a comunidade onde se inserem e com a sociedade em geral. Essa é uma crítica frequentemente feita por alguns setores quando o assunto é integração entre instituições de ensino e tudo aquilo que as cerca – pessoas, problemas, territórios. A universidade não deve ser uma “bolha”.

Em segundo lugar, é possível afirmar que os alunos tiveram uma oportunidade prática de aprendizagem sem igual em tópicos bastante complexos da atuação em Saúde, que são a teleorientação e a telemedicina. É importante ressaltar, nesse caso, que existem dificuldades – impostas pela atuação não-presencial –, o que torna esses tópicos pouco óbvios. Ao mesmo tempo, contudo, a telemedicina é uma ferramenta que deve se expandir no dia a dia dos profissionais de saúde e se tornar cada vez mais relevante para o mercado de trabalho, como uma consequência da própria pandemia. Certamente, essa experiência tornou o corpo discente mais preparados para o exercício da profissão no cenário da vida como ela é (ou como ela está se tornando).

A maioria dos problemas sociais que enfrentamos neste século são complexos e não aceitam respostas simplistas ou reducionistas. Logo, as soluções podem e devem ser pensadas e implementadas por conjuntos de atores sociais, através de visões programáticas e valores comuns. Se rios divididos ainda podem se encontrar no mar, as águas são mais fortes quando correm juntas por todo o seu curso.

 

Helyn Thami é pesquisadora do IEPS

Natália Sabat é gestora de projetos na Impulso

Ana Lucia Sartori é enfermeira e professora adjunta do curso de Enfermagem da UFMT Sinop

Darley Maria Oliveira é enfermeira e professora adjunta do curso de Medicina da UFMT Sinop

Neiva Pereira Paim é médica e coordenadora do curso de Medicina da UFMT Sinop

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Uma proposta de agenda para o SUS https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/31/uma-proposta-de-agenda-para-o-sus/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/31/uma-proposta-de-agenda-para-o-sus/#respond Mon, 31 Aug 2020 23:16:58 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Samu_em_Ibotirama_2011-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=264  

Ricardo de Oliveira

A pandemia da Covid-19 jogou uma luz forte sobre a importância do SUS na proteção à saúde da população e da necessidade do seu aperfeiçoamento. O desafio é complexo, mas o setor saúde tem profissionais e organizações qualificadas capazes de ajudar o país a superá-lo, conforme observamos no enfrentamento da atual pandemia.

Para superar esse desafio é necessário estabelecer uma agenda que oriente os debates sobre como melhorar a prestação de serviços do SUS.

Essa agenda deve contemplar as várias dimensões que impactam a prestação dos serviços de saúde, conforme abaixo relacionado:

  1. REORGANIZAÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE

Essa agenda se impõe, especialmente pela atual transição demográfica que indica um envelhecimento da população e consequente predomínio das doenças crônicas. O novo modelo deve superar a atual fragmentação do sistema de saúde, de modo a promover maior articulação e coordenação entre os vários níveis de atenção (primária, ambulatorial especializada e hospitalar) e, assim, organizar melhor o fluxo dos usuários dentro do sistema. É necessário, também, promover os conceitos de vida saudável (alimentação e exercício físico), do auto cuidado e implantar as Redes de Atenção à Saúde. É fundamental o fortalecimento da atenção primária como porta de entrada nas redes de assistência e coordenadora do processo de atendimento. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) desenvolve dois importantes projetos para reorganizar o modelo de atenção à saúde: a planificação da atenção primária e da ambulatorial especializada.

  1. FINANCIAMENTO

Os aportes financeiros ao SUS são baixos, se comparados aos exemplos internacionais. O Brasil se encontra muito aquém do nível de gasto público necessário para financiar um sistema público e universal de saúde. O país tem um gasto público que corresponde a 47% do gasto total em saúde (público e privado), enquanto nos outros países, com sistema universal, está em torno de 70%. O nosso gasto público em saúde corresponde a 3,8% do PIB enquanto no Reino Unido é de 7,9%. No entanto, quando consideramos o gasto total, em relação ao PIB, constatamos que os nossos gastos são semelhantes aos desses países. O Brasil gasta 8,9% do PIB e o Reino Unido, considerado o melhor sistema público do mundo 9,9%.

  1. REGIONALIZAÇÃO

Um dos problemas que impactam a gestão do SUS é a excessiva municipalização dos serviços de saúde, sem que exista escala que viabilize a prestação desses serviços. A consequência é a pulverização de recursos, contribuindo para a ineficiência do sistema e prejudicando a qualidade do atendimento aos usuários do SUS. É preciso, portanto, desenvolver uma lógica política baseada em uma visão regional de assistência à saúde que promova cooperação entre os vários níveis de governo por região.

  1. REVISÃO DO MODELO DE GESTÃO

A revisão do modelo de gestão do SUS é importante para que possamos transformar os recursos disponíveis em serviços eficientes e de qualidade à população. Para tanto, o setor público de saúde deveria ter regras de gestão específicas por tratar de questões relacionadas com a qualidade e a manutenção da vida.

Relaciono a seguir, as questões que considero relevantes que interferem no ambiente de gestão do SUS:

– O atual marco regulatório administrativo e de controle do setor público que prioriza os processos ao invés dos resultados no atendimento.

– A atuação dos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos que dificultam a formação de equipes técnicas e gerenciais em função de um temor generalizado em assinar documentos ou decidir sobre processos em andamento.

– Os sistemas de informação devem ser aprimorados, inclusive para viabilizar a implantação do cartão SUS e o prontuário eletrônico.

– As dificuldades na coordenação dos vários atores políticos e institucionais que fazem parte do sistema de governança do SUS. Além do sistema tripartite, temos o Judiciário, Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, os Conselhos Profissionais, dentre outros.

– A cultura política marcada por práticas clientelistas, patrimonialistas e corporativas na relação do Estado com a sociedade que provoca ineficiências e favorece a corrupção. Essas práticas induzem à descontinuidade administrativa sobretudo pela falta de profissionalização nos órgãos públicos e a frequente troca de gestores.

  1. JUDICIALIZAÇÃO

O crescimento exponencial da judicialização da saúde é um fenômeno recente e tem sérias consequências na execução da política pública de saúde. Ela está criando outra porta de entrada no SUS, comprometendo a equidade no acesso aos serviços e mobilizando vultuosos recursos. Convém ressaltar que o acesso à justiça faz parte do Estado democrático de direito, porém, precisamos debater com urgência as razões do seu crescimento excessivo.

A justiça tem responsabilizado o gestor criando um clima que impacta fortemente o desempenho gerencial. Cada dia torna-se mais difícil selecionar profissionais para assumir cargos de chefia, uma vez que o risco de serem culpabilizados pessoalmente cresce com o aumento da judicialização. É necessário estabelecer, com urgência, um ambiente de segurança jurídica que afaste o risco dos profissionais serem responsabilizados pelas deficiências de atendimento na prestação de serviços de saúde por obrigações do Estado.

  1. COMPLEXO INDUSTRIAL, CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA SAÚDE

A pandemia do Covid-19 mostrou que o país possui uma boa infraestrutura de ciência e tecnologia e profissionais capacitados e, a necessidade de aumentar o investimento na área. Contudo, foi possível identificar deficiências que devem ser corrigidas. Precisamos, por exemplo, aumentar e qualificar nossa capacidade laboratorial e reduzir a dependência externa em relação a insumos de proteção individual dos profissionais (EPIs) e na produção de medicamentos. Essas demandas específicas e outras, podem alavancar o nosso parque industrial na internalização de tecnologias estratégicas para atender às necessidades da saúde. Uma das preocupações da política de saúde tem sido a relação com o setor produtivo para suprir as necessidades do país e deve ser fortalecida.

  1. PARCERIA COM O SETOR PRIVADO FILANTRÓPICO, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE E EMPRESAS PRIVADAS

O SUS compra serviços e produtos de vários parceiros do setor privado, como as organizações filantrópicas, as organizações sociais de saúde e as empresas privadas, uma vez que não tem estrutura suficiente para prestação de todos os serviços, tampouco produz tudo que precisa. O funcionamento adequado dessas parcerias depende fundamentalmente da capacidade do poder público de selecionar bons fornecedores, fiscalizar a aplicação dos recursos e a qualidade do atendimento aos usuários.

Uma questão importante na política de saúde é estabelecer um diálogo com as operadoras de seguro saúde com objetivo de buscar acordo sobre sua área de atuação, financiamento e sua relação complementar com o SUS na prestação de serviços. A falta de uma visão consensuada tem gerado um conflito dentro do setor saúde que provoca ineficiências.

É preciso utilizar com eficiência todos os recursos disponíveis na área de saúde, público e privado, para atendimento à população, obedecendo os mandamentos constitucionais.

Por fim, é preciso construir uma unidade política com todos os atores envolvidos, tendo como objetivo defender os interesses dos usuários do SUS. É preciso reconhecer que o SUS é fruto de uma obra coletiva, que envolve toda a população e várias instituições, perpassa vários governos e, precisa de continuidade nas suas políticas, como forma de garantir o direito à saúde. Há uma frase muito utilizada pelo CONASS que sintetiza esse diagnóstico: “O SUS não é um problema sem solução, é uma solução com problemas”.

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, consultor em gestão pública e palestrante. Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor do livro Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012. 

 

 

 

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O “remédio mais caro do mundo” e os dilemas para o SUS e o STF https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/26/o-remedio-mais-caro-do-mundo-e-os-dilemas-para-o-sus-e-o-stf/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/26/o-remedio-mais-caro-do-mundo-e-os-dilemas-para-o-sus-e-o-stf/#respond Wed, 26 Aug 2020 11:00:17 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Supremo_Tribunal_Federal_-_vista-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=256 Daniel Wei Liang Wang
Luís Correia
Adriano Massuda
Ana Carolina Morozowski

A ANVISA recentemente aprovou o registro do medicamento Zolgensma para o tratamento da atrofia muscular espinhal (AME), doença rara que causa paralisia muscular progressiva. Embora mais estudos sejam necessários, inclusive para atestar seus efeitos a longo prazo, o registro foi concedido em caráter excepcional pela gravidade da doença, pela ausência de alternativa terapêutica e porque as pesquisas existentes apontam para maior sobrevida, redução da necessidade de auxílio de aparelhos para respirar e melhora no desenvolvimento motor dos pacientes com o medicamento.

O fato de um tratamento tão promissor estar disponível é uma excelente notícia que traz uma preocupação. Ainda não se sabe o preço do tratamento no Brasil, mas nos EUA ele custa US$2,1 milhões (R$12 milhões) por paciente. Isso torna impossível a sua aquisição por famílias e cria um dilema para o SUS.

Registro na ANVISA não significa a incorporação pelo SUS para distribuição gratuita. A concessão do registro é apenas a autorização para que o produto entre no mercado nacional. A incorporação passa por outro processo, que considera diversos fatores, incluindo custo. Nem sempre se quer falar em dinheiro quando se discute saúde, mas como o orçamento é limitado e há mais necessidades que recursos, eventual incorporação de um tratamento tão caro inevitavelmente retirará recursos de outras políticas de saúde.

Se, por ano, há 3 milhões de nascimento no Brasil, e 1 a cada 10.000 crianças nascem com AME, então 300 crianças por ano nascem com AME no Brasil. Considerando que metade delas terão AME do tipo 1, para o qual Zolgensma foi aprovado, e que esse é um tratamento ministrado em dose única, então o custo do seu fornecimento universal pelo SUS ao preço praticado nos EUA seria de R$1,8 bilhões por ano. Isso é 10% do gasto anual de União, Estados e Municípios com todos os quase mil tratamentos da relação de medicamentos do SUS, o dobro do gasto anual com drogas para DST/AIDS e três vezes o valor acordado pelo governo brasileiro para produzir 30,5 milhões de doses de vacina para Covid-19 atualmente em teste.

Zolgensma está longe de ser um caso isolado. O SUS já tem fornecido, via judicialização ou incorporação, tratamentos de altíssimo custo como o Soliris e o Spinraza. Muitos outros tratamentos com preços elevados logo entrarão no mercado. O FDA, órgão regulador americano correspondente à ANVISA, prevê que até 2025 aprovará de 10 a 20 terapias gênicas, como o Zolgensma, por ano.

Portanto, é preciso que como sociedade tenhamos uma discussão muito séria sobre o financiamento do SUS, quanto estamos dispostos a gastar com inovações em saúde e quais as consequências distributivas de nossas escolhas. Por isso, mais do que nunca, é necessário que se atente à economia da saúde para decidir quais tecnologias serão custeadas.

Existem alguns métodos para guiar essa discussão. Um deles é a análise de custo-efetividade, que avalia a relação entre o benefício trazido por um novo tratamento e o seu custo. Tratamentos cujos ganhos em saúde não justificam o seu preço muito elevado não são incorporados porque consomem recursos que poderiam ser empregados em intervenções que trazem grandes ganhos a baixo custo. Outro é a análise de impacto orçamentário, em que se estabelece um limite para o custo total que o sistema de saúde aceita gastar com um tratamento para evitar que a sua incorporação inviabilize outras políticas de saúde.

Análises de custo-efetividade e de impacto orçamentário já são previstas em lei e aplicadas pelo Ministério da Saúde, mas precisam ser melhor conhecidas e compreendidas pela sociedade. Assim, poderão ser aprimoradas, aplicadas com mais consistência e respaldadas pela opinião pública e tomadores de decisão, mesmo quando os resultados são frustrantes para pacientes.

A análise econômica pode levar à difícil decisão de não fornecer um tratamento. Contudo, a experiência internacional mostra que mais comumente ela é utilizada para dar a sistemas de saúde poder de barganha na negociação de preços e condições com a indústria farmacêutica, o que certamente será necessário no caso de tratamentos como o Zolgensma.

Porém, esse tipo de análise pode ser seriamente dificultado a depender do resultado de um julgamento que será concluído pelo STF ainda esta semana. Trata-se da decisão que fixará a Tese de Repercussão Geral do Tema 6, que definirá quando pacientes terão o direito de receber tratamentos não incorporados pelo SUS. Duas teses estão em disputa no STF.

Uma, defendida pelo Ministro Marco Aurélio, entende que pacientes terão o direito de receber um tratamento não incorporado sempre que conseguirem comprovar a sua necessidade perante um juiz. Ou seja, a necessidade individual que chegou ao Judiciário deve ser atendida independentemente do impacto sobre o sistema de saúde e outros usuários.

A outra, defendida pelos ministros Alexandre de Moraes e Luís Barroso, dá ao SUS o poder de definir quais tratamentos devem ser custeados pelo Estado. Portanto, não há a obrigação de se fornecer um tratamento que os órgãos técnicos do SUS decidiram não incorporar após uma análise de evidência científica, custo-efetividade e impacto orçamentário. Ao Judiciário fica a tarefa de garantir o fornecimento dos tratamentos já incorporados e de decidir excepcionalmente na ausência de uma decisão do próprio SUS.

Se prevalecer a primeira tese, a judicialização tirará do SUS instrumentos importantes para evitar que a introdução de tecnologias de alto custo criem inequidades e ameacem a sua sustentabilidade. O resultado será um SUS que gasta cada vez mais para beneficiar um número cada vez menor de pessoas, provavelmente em prejuízo daqueles com menos voz e das políticas com pouca visibilidade mas não menos importantes (como atenção primária e preventiva). Isso manterá e agravará o cenário de um sistema de saúde no qual a oferta de tratamento de altíssimo custo convive com desabastecimentos, filas de espera, deterioramento de serviço e a dificuldade do sistema de se expandir e de reduzir desigualdades.

 

Daniel Wei Liang Wang é professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas – SP

Luís Correia é professor Adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Adriano Massuda é professor da Fundação Getúlio Vargas – SP. Foi Secretário de Saúde de Curitiba e Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde

Ana Carolina Morozowski é juíza da 3ª Vara Federal de Curitiba, com competência especializada em saúde

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Bom para a saúde, bom para a economia https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/26/236/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/26/236/#respond Sun, 26 Jul 2020 21:28:51 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/man-smoke-beer-wheat-preview-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=236  

Paula Johns

 

Estamos no meio de uma pandemia de saúde pública e iniciando as discussões sobre a reforma tributária, uma oportunidade para tratamos do tema saúde e economia com um olhar mais global sobre ambos os termos, onde a dicotomia não existe. A Organização Mundial da Saúde define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Portanto, cuidar e promover a saúde não pode ou deve significar um gasto e sim um investimento.

Existe uma certa ilusão sobre a ideia de mercado livre quando defendemos medidas regulatórias, emergindo um pressuposto de que a regulação da livre iniciativa seria um entrave ao crescimento da economia e ao desenvolvimento. Até mesmo nos países mais liberais do mundo não existe um mercado verdadeiramente livre. Tanto o mercado como a economia funcionam inseridos numa série de regras, que por sua vez foram criadas em contextos sociais regidos por relações de poder que refletem as assimetrias econômicas e iniquidades da sociedade. Na maioria dos casos, poder econômico se traduz em poder político e no fator determinante das regras de funcionamento do mercado e da sociedade.

A necessidade de se fazer uma reforma tributária no Brasil é um tema em que há uma concordância entre todos os matizes ideológicos e, portanto, é importante que seja amplamente debatido do ponto de vista da eficiência econômica e da redução das iniquidades tributárias existentes no Brasil. Alcançar mais financiamento para a saúde é também prioritário.

Como representantes de uma organização que atua no campo da saúde pública, ouvimos que determinadas atividades econômicas poderiam até não ser boas para saúde, mas boas para economia. Esse argumento foi repetido por décadas em relação ao tabaco. Na medida em que as evidências sobre os malefícios do cigarro se acumulavam, aumentava a quantidade de argumentos relativos ao número de empregos gerados e ao desastre econômico que aconteceria caso adotássemos medidas regulatórias de controle do tabagismo. Em especial a tributação majorada com objetivo de redução de consumo de cigarros.

A história se repete em relação ao álcool e à categoria de alimentos ultraprocessados. Onde existe o reconhecimento de que determinados produtos são nocivos à saúde, prospera a argumentação de que o caminho para alcançar a redução de consumo não é a tributação e que o melhor a fazer seria educar crianças e adultos sobre os malefícios e estes, num cenário de suposta plena informação, fariam as melhores escolhas. Lamentavelmente não é assim que funciona na vida real.

Hoje, é sabido e comprovado que as medidas regulatórias de controle do tabagismo vêm sendo responsáveis pela redução expressiva de consumo de cigarros onde são adotadas, sendo o Brasil um desses países. Dentre as quatro principais políticas, restrição de publicidade, ambientes livres de fumo, advertências nos rótulos e tributação, a mais efetiva para redução de consumo é tributação, de acordo com o Banco Mundial e outros estudos.

Levantamento de uma Força-Tarefa de especialistas internacionais sobre políticas fiscais de saúde, feito em 2018,  chegou à conclusão que estas têm um papel fundamental nos debates sobre desenvolvimento, saúde e arrecadação em nível nacional. Impostos altos sobre consumo de tabaco, álcool e bebidas adoçadas são ferramentas essenciais para que os países consigam atingir a Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, garantir a saúde, acabar com a pobreza e promover empregos.  Conforme destacado na Agenda de Ação de Adis Abeba, a partir do caso do tabaco, impostos sobre esta categoria de produtos aumentam a arrecadação, que por sua vez pode ser investida na saúde.

Este relatório conclui que as mortes prematuras associadas ao consumo de tabaco, álcool e bebidas adoçadas, que chegam à cifra de 10 milhões anuais, poderiam ser prevenidas. De acordo com o documento, se todos os países aumentarem seus impostos para elevar os preços de tabaco, álcool e bebidas açucaradas em 50%, mais de 50 milhões de mortes prematuras podem ser evitadas em todo o mundo nos próximos 50 anos, arrecadando mais de US$ 20 trilhões em receitas adicionais.

A resistência dos governos para elevar tributos que podem salvar vidas, como indica o título do relatório, vem impacto na saúde, levantam dúvidas sobre a eficácia da medida, superestimam os dados de emprego, comércio ilícito e que afetarão desproporcionalmente os pobres. No entanto, as evidências demonstram que esses argumentos não justificam a inação, além de serem falsos ou exagerados. dos fabricantes e de seus aliados que se beneficiam economicamente da venda desses produtos. Como é mais difícil refutar os argumentos relativos aoMuito pelo contrário, elevar impostos de produtos que geram enormes danos e custos à saúde e ao planeta e perda de produtividade é uma forma de minimizar o custo das externalidades que hoje não compõem o preço final destes produtos.

Nesse sentido, as recomendações do relatório clamam aos países e à comunidade internacional para agir e adotar essa ferramenta subutilizada para reduzir o que devemos consumir menos para melhorar a nossa saúde e para aumentar a arrecadação, rumo a um mundo mais saudável e sustentável para todos.

Portanto, é mais do que oportuno trazer esse tema para os debates em torno da reforma tributária no Brasil.

 

Paula Johns é diretora geral da ACT Promoção da Saúde

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O retorno às aulas em meio à pandemia https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/o-retorno-as-aulas-em-meio-a-pandemia/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/o-retorno-as-aulas-em-meio-a-pandemia/#respond Wed, 22 Jul 2020 11:00:28 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/kansai-university-84363_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=229 Claudia Costin , Helyn Thami  e Miguel Lago 

Essa semana, grandes cidades brasileiras como Manaus e Duque de Caxias autorizaram a volta às aulas de escolas particulares. Outras capitais estão negociando com instituições privadas uma data de volta já nas próximas semanas. O prefeito Marcelo Crivella confirmará hoje se a volta às aulas se dará na semana que vem. As decisões de prefeituras chamaram a atenção da mídia internacional, como mais um episódio inusitado da maneira pouco séria em como o país conduz a resposta à pandemia. 

O principal argumento usado para a defesa da volta às aulas é a menor taxa de transmissão do novo coronavírus entre crianças, que de fato está embasado em evidências. No entanto, as mesmas pesquisas científicas não apontam inequivocamente para uma taxa significativamente menor de transmissão entre crianças e adultos. Mais do que isso, grandes estudos divulgados na última semana mostram que a faixa etária de 10 a 19 anos transmite o vírus tanto quanto os adultos. Ora, dentro das escolas, adultos e crianças convivem com difícil grau de separação. No caso das creches – aquelas que trabalham com crianças de zero a dois anos, sobretudo -, a proximidade física inerente ao cuidado (dentre outros fatores) contraindica o retorno, mesmo em um cenário de decréscimo da curva. Recomenda-se que estas não retornem no ano de 2020. 

É preciso lembrar que a comunidade escolar movimenta um ecossistema de famílias, professores, pessoal auxiliar, gestores escolares e, ainda, uma vasta gama de profissionais formais e informais que dependem das escolas, que também sairão às ruas. Isso impõe, como consequência óbvia, a redução do isolamento social.O ciclo escolar gera aglomerações em diversos momentos: no transporte casa-escola, nas entradas e saídas de escolas, dentro das escolas e daí em diante. Crianças, pais e funcionários se tornam potenciais vetores de contágio.  Vale enfatizar que o isolamento social é fator preponderante na determinação do ritmo de contágio pelo novo coronavírus – muito mais do que a idade ou qualquer outro aspecto.

Outro argumento vocalizado em defesa da reabertura das escolas é o de que, sob aplicação de protocolos de prevenção, seria absolutamente seguro retornar. Essa afirmação parte da falsa premissa de que as escolas têm condições de assegurar infraestrutura mínima para a execução impecável desses protocolos. Nesse sentido, é imperioso memorar que não são raras as denúncias de falta de material básico como sabonete e papel higiênico em algumas escolas, além do número grande de alunos por turma no contexto brasileiro. Pairam, então, as dúvidas sobre a capacidade de implementação efetiva desses protocolos, em tão curto espaço de tempo. Na prática, a teoria é outra.

Se de um lado o resultado da decisão poderá transformar as escolas em usinas de transmissão, por outro, o processo foi excludente. Professores e profissionais de educação não foram devidamente consultados,  e vieram a público manifestar suas inseguranças e seu repúdio. Na crise, a criação de consensos e a discussão ampla entre todos os atores envolvidos é crucial para garantir uma ação pública robusta e que engaje a todos na formulação e implementação de protocolos.

Soa muitíssimo grave, também, a dissonância entre orientações aos setores público e privado, em que o último está sendo autorizado a reabrir, via de regra, antes do primeiro.  As abissais desigualdades educacionais no país foram amplificadas desde o início da pandemia. Enquanto as escolas particulares conseguiram rapidamente se adaptar a um formato de educação à distância, as públicas não tiveram o mesmo êxito. A reabertura prévia de escolas particulares seria mais um passo nessa direção.  Convém que haja maior coordenação entre esses setores, para traçar um plano integrado e normatizar critérios de modo universal, tornando ambos responsáveis e garantindo, ao mesmo tempo, a segurança de todos. A retomada, neste momento, não é segura pra ninguém, independente da estrutura física e disponibilidade de recursos.

Ainda no tema desigualdade, é preciso reforçar – com ênfase – a necessidade de garantir a aprendizagem efetiva por parte dos alunos, após o retorno. Se as recomendações sanitárias forem seguidas a contento, poderá haver rodízio entre grupos de estudantes, alternando aulas remotas e presenciais, para reduzir a densidade de pessoas no espaço físico das escolas. Isso requererá um acompanhamento criterioso do processo de aprendizado em ambos os modelos, evitando-se, assim, prejuízos no aprendizado, mormente no modelo de aulas à distância.

Além disso, é preciso, ainda, combater energicamente o senso de tranquilidade que tem se tornado evidente entre a população. A Organização Mundial da Saúde e setores da academia concordam em pontuar uma tendência de estabilização de casos em nível nacional, mas não há, ainda, tendência de declínio da curva nem tampouco uma verdade única que se aplique homogeneamente ao país inteiro – em algumas regiões do interior, ainda há franca ascensão da curva. Não se pode normalizar os mais de mil óbitos sendo registrados a cada vinte e quatro horas.

Um bom uso do tempo disponível – até que se atinja um limiar realmente seguro para retomar atividades educacionais presenciais – é, justamente, planejar quanto à  infraestrutura e garantir que os envolvidos se sintam (e de fato estejam) protegidos e seguros. Isso não é pouca coisa. Dada a incerteza do cenário, é possível que erremos e tenhamos que voltar atrás em algumas decisões. Isso, contudo, não exime os gestores da Educação de um boa preparação inicial para dar o primeiro passo. Os dados, assim como o senso de preocupação entre os membros da comunidade escolar, são eloquentes: é cedo para retomar, mas já estamos atrasados quanto ao dever de casa.

 

Claudia Costin é Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial

Helyn Thami é especialista em Gestão de Saúde do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 

Miguel Lago é Diretor Executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 

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Covid-19 põe as cartas na mesa e exige revisão do sistema e investimentos em saúde https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/22/covid-19-poe-as-cartas-na-mesa-e-exige-revisao-do-sistema-e-investimentos-em-saude/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/22/covid-19-poe-as-cartas-na-mesa-e-exige-revisao-do-sistema-e-investimentos-em-saude/#respond Mon, 22 Jun 2020 11:07:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/mri-2815637_1920.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=205 Rodrigo Guerra

 

A pandemia da Covid-19 se tornou uma lupa sobre o modus operandi do sistema de Saúde brasileiro. A maneira como enfrentamos o vírus e suas consequências deixou evidentes gargalos e limitações antigas, mas também colocou luz sobre pontos fortes e oportunidades. E a principal delas diz respeito à transformação da Saúde. Se estamos, de fato, dispostos a realizá-la, devemos pensar desde já nos investimentos fundamentais para o pós-pandemia.

 

Aos que julgam essa reflexão precipitada, enfatizo que o momento de reação e adaptação já passou. Os últimos dois meses, ainda que bastante atribulados e preocupantes, foram mais que suficientes para reestruturar operações e colocar as unidades de Saúde em condições de atender os pacientes. E ainda que a calmaria não esteja em um horizonte próximo, não dá para deixar de lado a tarefa de pensar em como serão estruturadas as instituições de agora em diante.

 

A primeira abordagem é, ao mesmo tempo, filosófica e prática: o conceito de eficiência na Saúde vai mudar. Até pouco tempo atrás, eficiente era o hospital ou clínica que fazia mais com menos – o que pautava a administração era basicamente uma relação direta entre preços e custos. Agora entram outros elementos, muitos deles inéditos. O mais importante deles é a capacidade do setor em reagir prontamente a eventos inusitados. Epidemias e pandemias passam, definitivamente, a estar no radar de todas as empresas, de qualquer ramo, e na Saúde passam a ser prioridade.

 

Toda instituição de Saúde, seja ela privada ou pública, deverá traçar cenários de crise em seu planejamento, precisará entender o peso da capacidade de resposta imediata e oferecer segurança aos pacientes e às suas equipes de uma maneira muito mais profunda que antes. Constatamos, da forma mais dramática possível, quão alto é o custo do despreparo, seja em termos financeiros ou humanos, e não podemos deixar que isso se repita.

 

Uma segunda abordagem do planejamento pós-pandemia é a revisão da remuneração dos profissionais, que não se limita aos médicos, mas abrange todos os agentes da Saúde, em especial enfermeiros e técnicos de enfermagem. Que eles recebam aplausos e menções públicas é meritório e louvável, mas esses profissionais dependem de formas de reconhecimento mais palpáveis e de uma valorização à altura do risco e da fidelidade que vivenciam no cumprimento de suas funções.

 

Com essas abordagens em mente, podemos considerar três frentes de investimento fundamentais no pós-pandemia:

 

  • Estruturação e capacidade instalada;
  • Reorganização da cadeia de insumos, quebrando a superdependência das importações;
  • Conscientização do público, de forma aplicada, sobre a atenção integral à saúde.

 

Todos esses investimentos necessitam, claro, de recursos. Para garanti-los, o caminho mais imediato é combater o desperdício por meio de uma gestão mais racional. Já a longo prazo, devemos disseminar a atenção integral à saúde, o que constitui toda uma mudança cultural não só dos agentes do sistema, mas também da sociedade. Hoje ainda nos encontramos presos a uma “medicalização” excessiva, com usuários que entendem acesso à saúde de qualidade como disponibilidade de medicamentos -e organizações que se propõem a atender a esse anseio. Migrar para a mentalidade de que a qualidade existe quando não se adoece é um caminho sem volta não só para a sustentabilidade do setor no pós-pandemia, mas também para que a população brasileira tenha mais qualidade de vida.

 

Mas é preciso dizer que, enquanto insistirmos nesse modelo de remunerar por quantidade de atendimentos, e não por qualidade, favorecemos mais uma prática equivocada da medicina que um cuidado de referência.

 

Acredito que todos os players da Saúde estão agora mais sensíveis e propensos para enfrentamentos que eram há muito postergados. E é nosso papel, como gestores, estar à frente de todos os agentes, hospitais e operadoras de Saúde para promover uma mudança no modelo de remuneração baseado no resultado do atendimento em saúde.

 

Para isso, é crucial implementar indicativos de qualidade e eficiência que possibilitem tirar essa premissa do papel. A exemplo de parâmetros, o tempo em que o indivíduo passa em leito hospitalar e a taxa de reinternação são pontos para os quais podemos olhar como um indicativo de sucesso do trabalho desempenhado por aquele médico e serviço. É dever do gestor internalizar e aplicar esse raciocínio para que esse calor da mudança não “esfrie” no retorno a uma aparente normalidade -que de normal promete não ter nada.

 

Em relação às instituições governamentais, acredito que o mundo deve caminhar para uma nova perspectiva sobre o papel do Estado. Ele passará a desempenhar outras funções, estará mais presente, e os cidadãos irão exigir um outro nível de investimentos em Saúde, similar ao disponibilizado hoje na área de defesa, por exemplo. Os bilhões que o mundo gasta em armamentos carregam a lógica de que são usados para combater inimigos potenciais. Agora os inimigos são outros, invisíveis, e pedem outro tipo de combate, deixando claro que se queremos construir um mundo diferente no pós-pandemia, precisamos começar pela saúde -essa com caixa baixa mesmo, que vai muito além de um setor.

 

Rodrigo Guerra é Superintendente Executivo da Central Nacional Unimed.

 

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Informação e transparência como ferramenta de prevenção e controle da Covid-19 e outras doenças https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/20/informacao-e-transparencia-como-ferramenta-de-prevencao-e-controle-da-covid-19-e-outras-doencas/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/20/informacao-e-transparencia-como-ferramenta-de-prevencao-e-controle-da-covid-19-e-outras-doencas/#respond Sat, 20 Jun 2020 23:00:09 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/system-web-digitization-technology-digital-communication.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=208  

 

Roberta Costa Marques

 

Desde o início da pandemia, a ausência de uma diretriz nacional de enfrentamento à Covid-19 é agravada pelo reduzido número de testes, gerando deficiência de registros que impossibilitam desde a organização planejada do Sistema Único de Saúde até a retomada gradual das atividades econômicas e sociais em segurança. Não bastassem os parcos avanços na testagem, fomos mais uma vez pegos de surpresa pelo Ministério da Saúde, que deixou de divulgar os casos e mortes acumulados, comunicando uma nova metodologia de cálculo e causando indignação da sociedade civil e de autoridades em meio ao caos sanitário. Sem informações transparentes, não é possível saber ao certo quantas pessoas morreram, quantas estão infectadas, em que direção e com que velocidade a doença se propaga – informações epidemiológicas imprescindíveis para governos realizarem ações de vigilância e controle de doenças e prevenir futuras ocorrências.

 

Diante desse cenário, rapidamente, algumas organizações se uniram para cobrir esta lacuna, como foi o caso do consórcio inédito criado por veículos de comunicação e também o portal do Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde), que reúne informações estaduais atualizadas diariamente, além de outras importantes iniciativas. No entanto, ainda que essas iniciativas cumpram papel fundamental na garantia do direito à informação, o país continua sem uma fonte oficial única de dados consolidados para direcionar ações de enfrentamento ao novo vírus e gerar confiança e adesão da população a essas políticas.

 

Infelizmente, a dificuldade para acessar dados com a pandemia do coronavírus, embora por razões diferentes, não é algo novo no campo da saúde pública. A epidemiologia é uma ciência pouco valorizada e utilizada para o planejamento e a tomada de decisão dos gestores públicos, quando diversas outras doenças se beneficiariam da vigilância epidemiológica rigorosa e permanente, como é o caso das doenças pediátricas.

 

O Brasil tem vivenciado mudança do perfil epidemiológico das doenças que acometem crianças e adolescentes, com queda acentuada da mortalidade por doenças transmissíveis e aumento das doenças crônicas não transmissíveis. Isso ocorreu quando doenças infecciosas associadas à pobreza foram controladas com vacinas e acesso à saúde básica, fazendo com que, por exemplo, o câncer tenha se tornado a primeira causa de morte por doença na faixa etária de 1 a 19 anos. Uma mudança dessa natureza só foi perceptível graças à vigilância epidemiológica, que subsidia o planejamento e a organização da rede de atenção por parte dos gestores públicos, direcionando a assistência para o controle do câncer infantil como, por exemplo, na promoção do diagnóstico precoce e do acesso rápido ao tratamento especializado de qualidade.

 

Outro exemplo é a obesidade infantil, uma epidemia mundial e silenciosa que acomete 1 a cada 3 crianças atendidas pelo SUS no Brasil e que é fator de risco para diversas doenças crônicas, além de causar uma série de complicações ainda na infância. Qualificar, ampliar e dar transparência ao Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), por onde é possível monitorar o peso, altura e consumo alimentar de crianças e adolescentes, é fundamental para o controle da obesidade infantil.

 

O Instituto Desiderata monitora a situação do câncer e da obesidade em crianças e adolescentes do Rio de Janeiro e publica panoramas anuais que reúnem essas informações, com o objetivo de chamar atenção para essas questões e contribuir para o seu enfrentamento. A partir desse trabalho, podemos dizer que os sistemas de registro avançaram nos últimos cinco anos, mas estão ainda muito aquém do esperado para o controle dessas doenças.

 

Os últimos Registros Hospitalares de Câncer completos disponíveis oficialmente são do ano de 2013, quando o atraso máximo recomendado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) é de até dois anos. Além disso, algumas variáveis são preenchidas inadequadamente, como é o caso da informação sobre o estadiamento dos tumores, ausente em 40% dos casos registrados. Sem essas informações, não é possível saber a extensão da doença, seu nível de gravidade e quais as chances de cura, e, portanto, fazer seu controle. Em relação ao SISVAN, a cobertura de aferição do estado nutricional ainda é baixa, cerca de 15,7%, e o monitoramento de peso, altura e consumo alimentar de crianças e adolescentes não é uma rotina na atenção básica, diante da invisibilidade do problema e do foco no tratamento de doenças, em detrimento da prevenção. Apesar dos desafios e limitações ainda encontrados nessas bases de dados, esses são sistemas nacionais e oficiais que norteiam as pesquisas e as políticas públicas para prevenção e controle de doenças e é preciso que sejam cada vez mais aprimorados e utilizados.

 

No caso da Covid-19, infelizmente, o que tem sido produzido até aqui é uma chuva de mensagens contraditórias, pouca transparência dos poucos dados existentes e muitas barreiras para a produção de registros, gerando muita incerteza e impedindo um enfrentamento estratégico à pandemia.

 

A implementação qualificada e disponibilização regular dos sistemas de informação em saúde demanda ações integradas, tais como capacitação de registradores, infraestrutura adequada, e, sobretudo a sensibilização dos diversos níveis de gestão para a importância da transparência e do registro como ferramentas de planejamento, prevenção e controle de doenças.

 

Informação transparente é base para o desenho e a implementação de políticas públicas. Que a experiência que estamos vivenciando com o novo coronavírus traga aprendizados concretos e mobilize a sociedade e gestores para a importância do uso de informações confiáveis para fortalecer o sistema público e melhorar a saúde das pessoas.

 

 

Roberta Costa Marques é Diretora Executiva do Instituto Desiderata e membro do Global Advocacy Consulting Group da União Internacional de Controle do Câncer.

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Diplomacia da Saúde: Rumo à Cobertura Universal https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/12/diplomacia-da-saude-rumo-a-cobertura-universal/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/12/diplomacia-da-saude-rumo-a-cobertura-universal/#respond Fri, 12 Jun 2020 11:58:48 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/International_conference_on_Primary_Health_Care_-_Conferencia_Internacional_sobre_Atención_Primaria_de_Salud_-_Almaty_-1978.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=200 Marcelo Costa

Marise Nogueira

 

Nas últimas décadas, as implicações políticas, sociais e econômicas de temas sanitários têm exigido a participação cada vez maior de diplomatas em negociações sobre saúde internacional e de especialistas em saúde pública no universo diplomático, como tem ficado mais evidente no atual contexto de resposta global à pandemia de Covid-19.  A interação entre essas duas áreas de conhecimento propiciou a criação de um novo campo de atuação profissional e acadêmica -a diplomacia da saúde. Desde a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários à Saúde de Alma-Ata, em 1978, que consagrou o lema “Saúde para Todos”, uma das principais frentes da diplomacia da saúde é a Cobertura Universal de Saúde.

Atualmente metade da população mundial não dispõe de cobertura completa de serviços essenciais de saúde. Além disso, a cada ano, cerca de 100 milhões de pessoas no mundo são levadas à situação de extrema pobreza em função de gastos com saúde.  Tendo em conta essa desafiadora realidade, uma das metas estabelecidas na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU visa a “atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos”.

Com a adoção, em 2015, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em particular do ODS 3 (assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades), a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), principal foro político multilateral, reafirmou o elevado interesse da comunidade internacional pelos  temas de saúde. Vale recordar, nesse sentido, o papel do Brasil como um dos sete membros fundadores do grupo “Política Externa e Saúde Global” -iniciativa propulsora da agenda de saúde no âmbito da ONU, o que confere ao país reconhecida legitimidade nos debates da área.

Desde então, a AGNU, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) – face mais visível da complexa rede de instituições e organismos que integram o campo da diplomacia da saúde –, vem intensificando sua atuação na área da saúde. Nesse sentido, foram realizadas, nos últimos anos, cinco reuniões de alto nível político (com a participação de chefes de estado e governo), que resultaram em compromissos comuns,  objeto de longa negociação entre os países, sobre assuntos como HIV/Aids; doenças não transmissíveis; resistência antimicrobiana; tuberculose; e, mais recentemente, em setembro de 2019, cobertura universal de saúde.

Na ocasião, os 193 estados-membros da ONU aprovaram a Declaração Política intitulada “Caminhando Juntos Para Construir um Mundo Mais Saudável”, considerada pelo secretário-geral da organização, António Guterres, o acordo mais abrangente já alcançado sobre saúde global.  Trata-se, de fato, do mais significativo chamado à ação feito por líderes mundiais sobre a necessidade de fortalecer as capacidades dos sistemas nacionais de saúde, o que, por sua vez, viria a constituir fundamental contribuição ao objetivo de se cumprir o lema da Agenda 2030 “de não deixar ninguém para trás”.

A Declaração estimula a cooperação entre governos, sociedade civil, academia e setor privado, tanto no plano nacional quanto global, com o objetivo de acelerar a implementação da cobertura universal de saúde nos próximos anos com foco em temas fundamentais para o avanço dessa agenda, como, entre outros, a democratização do acesso a medicamentos e vacinas; a expansão da atenção primária; a capacitação dos trabalhadores da área; o incremento do financiamento de políticas de saúde pública; e o reforço de ações de prevenção e controle de pandemias.

A atual pandemia de Covid-19 veio recordar que as doenças não respeitam fronteiras, podendo, como temos observado, acarretar graves danos para a saúde pública, o bem-estar da população e a economia de países dos mais variados níveis de renda e desenvolvimento. Nesse contexto, tornam-se ainda mais importantes ações que, por um lado, fortaleçam os sistemas nacionais de saúde – o SUS no caso brasileiro, e, por outro, que valorizem mecanismos diplomáticos regionais e multilaterais, a fim de intensificar a cooperação internacional com vistas à busca de soluções comuns. Em ambos os casos, a diplomacia da saúde tem papel decisivo a desempenhar.

Marcelo Costa, formado em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba, é diplomata de carreira. Foi assessor para temas de saúde global da 73a Presidente da Assembleia Geral da ONU. 

Marise Nogueira, formada em Medicina pela Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), Mestre em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é diplomata de carreira.

(Este artigo foi escrito a título pessoal, não refletindo posições oficiais do Ministério das Relações Exteriores)

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Combate à pandemia do coronavírus em defesa da vida no interior do Amazonas https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/01/combate-a-pandemia-do-coronavirus-em-defesa-da-vida-no-interior-do-amazonas/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/01/combate-a-pandemia-do-coronavirus-em-defesa-da-vida-no-interior-do-amazonas/#respond Mon, 01 Jun 2020 11:00:19 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/slum-houses-3323885_1920.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=181 Januário C. Neto

Atualmente, a maior parte dos municípios do Amazonas encontra-se atuando de forma isolada no combate ao Coronavírus. Não há um plano de contingência geral que seja de conhecimento dos municípios e, por essa razão, é possível afirmar que ele não existe, ou, se existe, não está sendo executado.

A situação da COVID-19 no Estado do Amazonas é extremamente crítica, até o dia 15/05 foram confirmados oficialmente 18.392 casos com 1.331 óbitos. Dos 18.392 casos, 8.679 são nos municípios do interior. Dos óbitos, 443 aconteceram no interior do estado do Amazonas.

Os Secretários Municipais de Saúde do Amazonas, solidários às autoridades do nosso estado e do nosso país, mas, sobretudo, à sociedade, reuniram-se virtualmente, para tratar da pandemia do Coronavírus e o cenário para o seu enfrentamento. Pelo Simples fato de termos sido preteridos na formulação do planejamento estadual e federal, sem consultas formais ou participação de autoridade sanitária do interior do estado do Amazonas

Foi avaliada a situação dos municípios, apresentadas as demandas e discutidas possíveis soluções para enfrentar a pandemia de COVID-19 que atinge as nossas cidades. Além da percepção clara de alguns problemas nevrálgicos, que historicamente tem se tornado limitações incapazes de tornar municípios do interior eficazes no tratamento de qualquer mal que seja.

Encontramos em ações do Governo Federal e do Estado do Amazonas uma desorganização sistêmica, com a realização de ações isoladas. O Governo do Estado do Amazonas não inseriu os municípios nos debates acerca da definição das estratégias de combate à COVID-19 no interior, restando aos mesmos apenas o papel de ouvintes.

Tal lógica gera uma atuação sem integração. Por exemplo, os municípios elaboraram seus planos de contenção da COVID-19 e enviaram ao Governo do Estado. Este, por sua vez, em nenhum momento esboçou uma resposta no sentido de realizar ações integradas de combate à doença, o que resultaria em maior controle da contaminação, organização dos trabalhos e economia aos cofres públicos. Vale destacar que, até o momento, os municípios não possuem conhecimento sobre qualquer plano de contenção do próprio Estado.

Entre os efeitos desse macroproblema, estão a inexistência de fluxo de remoções entre municípios e Estado, o descontrole de informações sobre casos e óbitos, a realização de compras isoladas e a insuficiência financeira.

Por fim, a desorganização sistêmica faz com que os pacientes dos municípios não possuam garantia de internação em Manaus para casos mais graves de COVID-19 ou mesmo para enfermidades graves de outra natureza. Padecemos com clientes aguardando remoções, que infelizmente o Estado não é capaz de resolver, por problemas relacionados ao número muito baixo de leitos de UTI, centralizados na capital.

Outro problema que é imperativo é a baixa disponibilidade crônica de médicos no interior, que nos atinge agudamente durante a pandemia do Coronavírus. Além de existirem poucos recursos financeiros para a contratação dos mesmos pelos municípios, muitos se formaram no exterior e não possuem seus diplomas validados.

Devemos destacar que o COSEMS/AM impetrou ação na justiça federal para revalidação temporária dos diplomas de médicos emitidos no exterior, conforme legislação vigente. Estamos no aguardo de um desfecho positivo para o caso.

Sofremos também com a escassez de equipamentos, EPI’s e insumos em geral. Os que foram repassados pelo Governo Federal/Estado aos municípios até o momento são insuficientes. Há uma grande escassez de respiradores e outros equipamentos fundamentais ao atendimento dos pacientes. Além disso, foi estabelecido que os municípios considerados polo de saúde no Estado possuiriam salas de estabilização. Por enquanto, apenas alguns poucos municípios foram contemplados. É importante afirmar que mesmo os testes rápidos chegaram em quantidade insuficiente.

Tivemos um incremento financeiro com o destaque de emendas parlamentares estaduais e federais para os municípios, entretanto neste momento, apenas ter financiamento incrementado não resolve. O mercado está atuando de forma agressiva, a oferta é muito inferior à procura, o que deixa os insumos e produtos para o combate ao coronavírus muito mais caros que o de costume. O governo deveria atuar frente ao controle e regulação do mercado, ajudaria muito os municípios.

O interior do Estado do Amazonas encontra-se praticamente isolado em termos de logística durante a pandemia do Coronavírus. Se o isolamento social impede o transporte de passageiros, os insumos diversos também deixam de ser transportados. Por outro lado, a centralização da análise dos exames em Manaus cria dois efeitos indesejáveis: atraso na identificação de casos e dificuldade para envio do material coletado à capital.

Aliás, sobre esse tema, municípios estão precisando recorrer à Justiça para assegurar o transporte da carga por parte das empresas que se recusam a fazê-lo.

Em todas as constatações foram apresentadas propostas ao Governo do Estado e Ministério da Saúde, estamos aguardando avaliação e retorno

É importante salientar que todo esforço voltado para o combate ao coronavírus tem se tornado válido – atitudes salvam vidas!

 

Januário C. Neto é  secretário municipal de saúde de Tapauá, Amazonas e presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Amazonas COSEMS-AM

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