Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município do Rio de Janeiro https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/implantacao-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra-no-municipio-do-rio-de-janeiro/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/implantacao-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra-no-municipio-do-rio-de-janeiro/#respond Wed, 13 Oct 2021 10:00:28 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/750_racismo-estrutural-populacao-negra-covid19-pandemia-coronavirus_20201117154514-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=547 Monique Miranda, Louise Mara S. Silva e Michele Gonçalves da Costa

 

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), publicada pela Portaria GM/MS nº 992, de 13 de maio de 2009, pelo Ministério da Saúde (MS), apresenta como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com o objetivo de promover a equidade em saúde. Os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população, segundo a Comissão Nacional de Determinantes Sociais em Saúde (CNDSS).

Políticas de equidade no Brasil, convenções e tratados internacionais demonstram que as desigualdades de raça e gênero determinam oportunidades de trabalho e renda, acesso a recursos institucionais, condições de moradia, vulnerabilidades e exposição à violência. Entretanto, o gênero e, em especial, a variável raça/cor, ainda são insuficientemente incorporados no desenho de políticas, programas e serviços das instituições públicas e privadas.

A PNSIPN endossa e correlaciona-se com outros marcos legais: a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Decreto nº 4.886 de 20 de novembro de 2003), a Regulação do Sistema Único de Saúde-SUS (Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990), o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010), a Política Nacional de Promoção da Saúde (Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006), a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas (Durban 2001), a Década Internacional de Afrodescendentes, proclamada pela Assembleia Geral da ONU (Resolução 68/237, para o período entre 2015 e 2024). Por fim, destaca-se o artigo 196 da Constituição Federal de 1988: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e 207 econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 50,7% da população brasileira é composta por pessoas negras (somatório de autodeclarados pretos e pardos), correspondendo a 96,7 milhões de indivíduos. Na cidade do Rio de Janeiro os dados epidemiológicos apontam maior vulnerabilidade de cidadãos pretos e pardos aos agravos à saúde, embasando a necessidade de se priorizar a implantação de uma política específica de equidade racial da população negra em nossa cidade. Análises dos sistemas de informação em saúde demonstram maior mortalidade infantil da população negra em comparação com a branca; maior risco de morte entre os jovens da população negra em comparação com os jovens brancos; maior mortalidade materna das mulheres negras quando comparadas com as mulheres brancas.  Da mesma forma, a ocorrência de doenças tais como hipertensão, diabetes, tuberculose dentre outras também são prevalentes entre pretos e pardos, inclui-se ainda nesse  padrão os óbitos por Covid-19.

O marco fundamental para o combate às desigualdades étnico-raciais em saúde na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro foi a realização do “II Seminário de Promoção da Saúde: Equidade em Saúde da População Negra”, em dezembro de 2006. Este evento foi organizado pela então Assessoria de Promoção da Saúde em parceria com a ONG de mulheres negras, a Criola.  O seminário teve como intuito sensibilizar profissionais, gestores da saúde e definir estratégias para a implantação da PNSIPN na cidade. Estavam presentes aproximadamente 300 participantes: gestores e profissionais de saúde, ativistas do movimento negro e de mulheres negras, sociedade civil, lideranças comunitárias e representantes das religiões afro-brasileiras. Para o fomentar e articular o processo de implantação da política foram deliberadas as seguintes propostas no evento:

  • criação de um Comitê Técnico de Saúde da População Negra;
  • implantação do registro da variável raça/cor nos impressos oficiais da SMS;
  • diagnóstico epidemiológico da saúde da população negra;
  • formulação e estabelecimento de indicadores;
  • enfrentamento ao racismo institucional;
  • valorização das religiões de matriz africana;
  • institucionalização de recursos financeiros para a implantação da política;
  • fomento da participação do controle social e o fortalecimento de articulações intersetoriais.

No ano de 2007 foi criado o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, por meio da  Resolução SMS Nº 1298/2007, antes mesmo da promulgação da PNSIPN. O referido Comitê Técnico tem como atribuições:

I – sistematizar propostas que visem à promoção da equidade racial na atenção à saúde da população negra;

II – apresentar subsídios técnicos e políticos voltados à melhoria da atenção à saúde da população negra;

III – elaborar e implementar um plano de ação e monitoramento para intervenção pelas diversas instâncias e órgãos do Sistema Único de Saúde;

IV – fomentar e participar de iniciativas intersetoriais relacionadas com a saúde da população negra;

V – atuar na implantação, acompanhamento e avaliação das ações programáticas e políticas referentes à promoção da equidade em saúde da população negra na SMS/Rio, em consonância com as normativas do SUS.

O Comitê é composto por profissionais da gestão da SMS-Rio e de suas áreas técnicas, assim como  pelas representações da  sociedade civil, como universidades, ONGs , coletivos e outas instâncias,  em especial dos movimento negros e do movimento de mulheres.  Desta forma o CTSPN tem tido ao longo desses anos papel fundamental no impulso e acompanhamento da implantação da PNSIPN,  além de ser a instância de permeabilização do diálogo da SMS-Rio com a sociedade civil e na construção conjunta de ações para a redução das desigualdade étnico-raciais.

A mudança do panorama das graves iniquidades que atingem a população negra  requer o reconhecimento da sua situação de saúde. Para isso, é necessário que a variável raça/cor seja incluída em todos os sistemas de informação , formulários, cadastros, prontuários , impressos. Destacamos que um  dos objetivos específicos da PNSIPN é a inclusão do quesito cor em todos os instrumentos de coleta de dados adotados pelos serviços públicos, conveniados ou contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe destacar que o Rio de Janeiro instituiu desde 2008, pela Lei n.º 4.930/08 a inclusão obrigatória do quesito raça em todos formulários de informações em saúde do Município.

É fundamental  que as desigualdades étnico-raciais sejam monitoradas por dados, indicadores e informação em saúde  desagregados  por raça/cor. Embora na SMS-Rio o início da implantação da PNSIPN tenha completado pouco mais de uma década e exista atualmente um bom preenchimento da variável raça/cor , ainda é  incipiente  e descontínua sua utilização  na análise,  planejamento e  tomada de decisões nas  políticas e ações de saúde, assim como no investimento de recursos. Além disso, é necessário que os dados  por raça/cor sejam divulgados e disponibilizados de forma ampla, sistemática e transparente através dos canais de informação da prefeitura e junto  a sociedade civil e a população em geral.

As informações com os dados desagregados por cor ou raça são relevantes para atender ao princípio da equidade do SUS, ao reconhecer as diferenças nas condições de vida e saúde, oferecendo atendimento de acordo com as necessidades das populações, o que pode contribuir na redução do impacto dos determinantes sociais de saúde aos quais estão submetidas. São os dados desagregados por raça/cor que nos permitem confirmar o racismo como determinante social em saúde em um município como o Rio de Janeiro, onde segundo os dados do Instituto Pereira Passos (órgão responsável pela sistematização dos dados demográficos da cidade) a população em 2010 era composta por 51,3% brancos e 11,2% pretos; 36,7% pardos, configurando em 47,9% o quantitativo populacional negro.

Uma multiplicidade de pesquisas e estudos no campo da saúde coletiva expõe através de indicadores de morbimortalidade a grave situação de iniquidade sofrida pela população negra e indígena. Pesquisas qualitativas demonstram que o racismo institucional dificulta o acesso de pessoas pretas, pardas e indígenas aos serviços de saúde, influencia na qualidade da atenção à saúde prestada pelos profissionais e também  agrava a violência institucional  como no atendimento ao parto das mulheres negras.

Reconhecer que as práticas racistas também estão dentro do modelo de atenção à saúde e buscar a transformação desse cenário deve ser um objetivo de todos que estejam envolvidos com o cuidado em saúde e com as instâncias de gestão.  Os indicadores em saúde espelham a realidade da discriminação e desigualdade racial, embasando  a necessidade de se intensificar e ampliar a implantação da PNSIPN. Infelizmente o  racismo institucional na estrutura e entre os agentes públicos  da Prefeitura-Rio pouco mudou, decorrendo então que graves iniquidades raciais em saúde persistem na cidade do Rio de Janeiro.

A PNSIPN (2009) e a  Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas (2002)  são marcos no reconhecimento de diferenças e especificidade étnico-raciais na população brasileira. Essas políticas , em especial a primeira, trazem para a área de atuação dos gestores e profissionais de saúde as questões  da identidade racial e das desigualdades étnico-raciais, demandando para a sua implantação  um intenso e contínuo trabalho de combate ao racismo institucional  e estrutural.

A ampliação do acesso ao SUS e a integralidade das ações de saúde, assim como a transformação das graves desigualdades étnico-raciais demandam que profissionais, gestores e sociedade civil reconheçam o racismo institucional, comprometendo-se para o desafio cotidiano da desconstrução da ideologia racista existente em  nossa sociedade.

 

Monique Miranda é enfermeira, mestre em Saúde Pública/ENSP-Fiocruz e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

Louise Mara S. Silva é enfermeira e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

Michele Gonçalves da Costa é sanitarista, especialista em saúde coletiva, mestranda em Saúde Pública/ENSP-Fiocruz e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

]]>
0
A privatização da formação em saúde no Brasil: tendências e desafios https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/a-privatizacao-da-formacao-em-saude-no-brasil-tendencias-e-desafios/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/a-privatizacao-da-formacao-em-saude-no-brasil-tendencias-e-desafios/#respond Wed, 29 Sep 2021 10:00:27 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/4bb6474b-8770-41fe-ae8d-8c6ec626fa89_1140x641-compressed-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=536 Mario Roberto Dal Poz e Leila Senna Maia

 

Nunca foi tão necessário e crítico refletir sobre os desafios do processo de formação e educação das profissões em saúde no Brasil, em especial na medicina, enfermagem e odontologia, dadas as recentes tendências de mudança verificadas nesse campo, e impulsionadas pela privatização do setor.

Nas últimas décadas, o crescimento global das Instituições de Ensino Superior Privadas (IESP), sobretudo aquelas com fins lucrativos, ampliou o debate sobre a natureza dos bens públicos e privados na educação superior, especialmente sobre o papel do setor privado e o seu impacto na formação acadêmica. O sistema educacional responde tanto às exigências do sistema de saúde quanto à dinâmica do mercado de trabalho, cruciais na transformação do sistema de saúde e no desenvolvimento econômico e social.

No Brasil, os cursos da área da saúde acompanharam de forma geral a tendência do ensino superior, tanto em relação ao aumento de matrículas quanto no crescimento da participação das instituições privadas na oferta de cursos e de matrículas efetivas. Entre os anos de 1991 e 2014, a proporção de cursos privados na área da saúde passou de 51% para 72% e o número de vagas foi de 61% para 91%.

O fenômeno da privatização na educação superior em saúde tem se caracterizado pelo crescimento dinâmico e acelerado. Suas tendências de expansão estão relacionadas, especialmente, às políticas públicas, que influenciam, e mesmo favorecem, o aumento dessas instituições. 

A expansão do ensino superior privado no Brasil, em número de instituições, vagas e cursos, foi justificada pela ampliação e democratização do acesso ao ensino superior e fortalecida pelo arcabouço político, jurídico e institucional. Somaram-se ao cenário incentivos, imunidades e isenções fiscais; repasses estatais ao setor privado, com a implantação de políticas de financiamento e bolsas estudantis e linhas de crédito, a exemplo dos Programas de Melhoria Institucional implementados pelo BNDES.

Políticas e programas governamentais contribuíram, a partir de 1999, para o crescimento do setor privado de ensino por meio de aporte de recursos governamentais, isenção fiscal e redução de até 90% do valor da dívida ativa com a União em troca da oferta de bolsas parciais ou integrais a estudantes das instituições participantes. 

Os principais programas e políticas que auxiliaram na retenção de estudantes, na redução de vagas ociosas e das taxas de evasão e de inadimplência foram o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) instituído pela Lei nº 10.260/01 27; o Programa Universidade para Todos (PROUNI), instituído pela Lei n° 11.096/2005 28, e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), instituído pela Lei no. 12.688/2012, 29.

No caso específico das escolas médicas, além do Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o governo federal disponibilizou ainda o FIESmed, um programa específico instituído por meio da Lei n° 12.202/2010, para abatimento mensal de 1% do saldo devedor, incluídos os juros devidos no período, da dívida dos médicos que financiaram seu curso pelo Fies. A condição é que estes passassem a atuar em Estratégia de Saúde da Família (ESF) em municípios definidos como prioritários pelo Ministério da Saúde (MS) ou que fossem médicos residentes matriculados em programa credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica e  cursando uma das 19 especialidades prioritárias para o SUS. O FIESmed previa ainda a extensão da carência de pagamento.

Em 2013 foi instituído o Programa Mais Médicos (PMM) que, além do recrutamento emergencial de médicos para atenção assistencial em regiões prioritárias do país por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), autorizou a expansão da oferta de cursos e vagas de medicina em instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas. Dois anos após a promulgação dessa Lei foram criadas 5.300 novas vagas para a graduação em medicina — 68% em instituições privadas. O aumento no número de cursos privados de medicina de 2000 a 2017 foi de 200%.

No entanto, o número limitado de estudos e evidências sobre a dinâmica dos mercados educacional e de trabalho em saúde nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento dificulta compreender as suas relações com os sistemas de saúde. Recentemente, o grupo de pesquisadores sobre saúde global e força de trabalho em saúde publicou três estudos buscando demonstrar a pertinência e a abrangência do processo de privatização das escolas de medicina , odontologia e enfermagem, fazendo uma reflexão sobre as implicações desse processo no atendimento das demandas do sistema de saúde no Brasil.

Em agosto de 2021, o Brasil dispunha de 372 cursos de medicina públicos e privados que, juntos, ofertam 39.636 vagas. Destes, 228 cursos foram oferecidos por instituições privadas responsáveis por 27.785 (70%) do total das vagas disponíveis. No mesmo período, o país contava com um total de 579 cursos de odontologia que juntos dispunham de 79.737 vagas anuais das quais 93% (74.434) eram de responsabilidade de 511 IESP.  No caso da enfermagem, foram oferecidas 211.466 vagas presenciais por meio de 178 cursos públicos e 1.193 privados. Estes últimos responsáveis por 94% (199.682) da oferta anual deste tipo de vagas. Na modalidade a distância 12 cursos privados de enfermagem disponibilizaram um total de 112.860 vagas distribuídas nacionalmente em 1.557 polos educacionais.

Em relação ao total de vagas há claramente uma tendência à concentração do setor educacional brasileiro para a formação em saúde em alguns grupos educacionais, e mais especificamente das IESP com cursos de medicina.

A expansão global dos cursos privados de medicina representa um grande desafio: como expandir o número de vagas e ao mesmo tempo garantir qualidade e acesso democrático a essa forma de educação. Por isso é relevante a constituição de uma agenda de pesquisa em âmbitos nacional e internacional que permita acompanhar os processos de reconfiguração empresarial do setor, além de  investigar as relações entre os mercados público e privado de formação, assim como a empregabilidade dos profissionais médicos pelos sistemas nacionais de saúde, correlacionando esses fatores com as necessidades assistenciais das populações. 

Como os indicadores de qualidade e desempenho do setor privado tem ficado aquém daqueles do  ensino público, é necessário realizar mais estudos sobre as avaliações realizadas pelo Ministério da Educação, bem como implantar novos procedimentos e mecanismos de avaliação, como testes de progresso aplicados pelas próprias instituições, avaliações externas para estudantes de graduação  ou credenciamento de escolas e métodos de avaliação de estudantes mais adequados às mudanças no currículo dos cursos de graduação.

Pesquisas avaliativas poderiam monitorar ou medir a implementação das propostas educacionais formuladas pela primeira vez quando as escolas são credenciadas, para verificar se as escolas e faculdades possuem a infra-estrutura mínima necessária, incluindo laboratórios e biblioteca, se estão de fato integradas ao sistema de saúde local e regional, se trabalham em conjunto com hospitais de ensino ou unidades públicas de saúde capazes de fornecer residências e experiência prática para os estudantes, e se existe um corpo docente estabelecido, com professores experientes e qualificados trabalhando exclusivamente ou prioritariamente na escola.  

Há necessidade de analisar quaisquer obstáculos para identificar novos mecanismos de democratização do acesso ao ensino superior. No caso da medicina, mesmo com os novos cursos e as novas vagas oferecidas, os procedimentos de admissão –que para as universidades públicas envolvem exames extremamente competitivos — e as altas taxas cobradas pelos cursos particulares, tendem a fomentar a desigualdade de acesso, pois favorecem os estudantes de origens mais abastadas. Como os cursos de medicina são mais competitivos e caros, poucos estudantes receberam incentivos do programa Universidade para Todos (Prouni), do Fundo de Empréstimos para Estudantes de Ensino Superior (Fies), e de programas específicos de inclusão, cotas e ações afirmativas.  

 

Mario Roberto Dal Poz é professor titular no Instituto de Medicina Social da UERJ.

Leila Senna Maia é pesquisadora no Instituto de Medicina Social da UERJ.

]]>
0
Recursos humanos e doenças crônicas no Brasil https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/06/22/recursos-humanos-e-doencas-cronicas-no-brasil-2/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/06/22/recursos-humanos-e-doencas-cronicas-no-brasil-2/#respond Tue, 22 Jun 2021 10:00:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/20200826185253802642o-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=426 Agatha Eleone e Helyn Thami

 

É em países de renda baixa ou média, caso do Brasil, que ocorrem 80% das mortes por doenças crônicas, segundo a Organização Panamericana de Saúde.  Nesses países, 30% das mortes ocorrem prematuramente –abaixo dos 60 anos de idade. As doenças crônicas são um grande fator de estresse para os sistemas de saúde e para o desenvolvimento econômico. A literatura é contundente ao mostrar, também, a importância das áreas de recursos humanos (RH) no desempenho do cuidado oferecido aos portadores de doenças crônicas.

Apesar da relevância do tema, o Brasil parece caminhar na contramão dos fatos. Recentemente, com o lançamento do Previne Brasil, o novo modelo de financiamento da APS (Atenção Primária em Saúde), o Nasf-AB (Núcleo Ampliado de Saúde da Família), e que complementava as equipes da Atenção Primária com profissionais de diversas categorias, teve seu financiamento suspenso. Assim, municípios e estados que quiserem manter o provimento dessas equipes multidisciplinares terão de custeá-las com recursos próprios, uma opção complexa em meio à crise vivida pelos entes subnacionais. 

Se existe espaço para se discutir os desafios de gestão e provisão dessas equipes multidisciplinares no contexto brasileiro, é um risco não termos direcionamento e coordenação nacionais para garantir que categorias profissionais diversas integrem permanentemente o sistema. O cuidado não-multiprofissional para as condições crônicas é um cuidado falho –e esse último impede o uso eficiente dos recursos disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde). 

Ademais, há um outro desafio: o manejo adequado das doenças crônicas no sistema público requer conhecimento sobre as diretrizes, princípios, protocolos e políticas setoriais do tema do próprio SUS, o que ainda é um gargalo no Brasil. Os modelos predominantes de disseminação de novos protocolos parecem não levar em conta a complexidade de se alterar comportamentos de profissionais de saúde de modo eficaz. O compartilhamento de novos guias clínicos por e-mail ou aplicativos de mensagens instantâneas, por exemplo, não é suficiente para garantir adesão aos procedimentos-padrão. 

Estudos mostram que os verdadeiros fatores que determinam a consolidação de diretrizes clínicas são experiência clínica pessoal e preferências pessoais (no nível individual) e participação no desenho do protocolo, treinamento e existência de mecanismos de controle (no nível organizacional). Considerando o exposto, é crucial que municípios desenvolvam metodologias mais ativas, bem como mecanismos de controle, para garantir a correta adesão aos protocolos preconizados. 

Em relação à dificuldade dos entes públicos em garantir implantação e permanência de profissionais (principalmente médicos) nos serviços, pode-se dizer que os principais motivos de desinteresse pelas áreas de Saúde da Família e Atenção Primária — que são de suma importância na prevenção a fatores de risco e doenças crônicas — têm sido relacionados frequentemente à baixa remuneração e às oportunidades de carreira e de formação oferecidas. Há uma intensa desmotivação e “desprestígio” vinculados a essa área de atuação, que resultam do modelo de atuação que enaltece o acompanhamento de doenças isoladas ao invés de sujeitos complexos. 

Tal modelo opera na lógica da chamada ‘queixa-conduta’, preconizando a execução de procedimentos, diagnósticos e prescrições, em detrimento do acolhimento e do cuidado para a promoção da saúde. Ainda, leva profissionais da saúde à percepção (equivocada) de que o perfil técnico científico de outras especialidades é maior ou superior que o da APS e retarda o aprimoramento dos currículos dos cursos nas áreas da saúde do brasil, que até hoje pouco estimulam o interesse e conhecimento nas áreas de saúde pública e saúde coletiva.

Outro gargalo para o bom cuidado aos portadores(as) de condições crônicas é a atuação integrada de uma rede variada de serviços de saúde. Para que essa rede opere em harmonia, existem fatores ligados aos Recursos Humanos que não podem ser ignorados. Um exemplo é o desenvolvimento de “lideranças de integração” — figuras que estudam liderança na perspectiva de unir e pactuar conjuntamente metas de resultados para um conjunto de serviços diferentes –, que recebe pouca ênfase no contexto brasileiro, mas que se provou relevante em sistemas de saúde mundo afora.

As condições crônicas permanecem sem resposta adequada pelo fato de os sistemas de saúde operarem de modo fragmentado e voltado para as condições agudas ou agudizadas de condições crônicas, isto é, para doenças já em estágio de agravamento ocasionados por ausência ou falha no cuidado preventivo. Atrelados a isso, existem problemas estruturais de interlocução da rede que contribuem ainda mais para essa fragmentação e que, se executada da forma adequada, favoreceria o trânsito do usuário dos serviços de saúde e garantiria a continuidade das ações e serviços. Na prática, um cidadão adequadamente referenciado ou que foi buscado ativamente por atores dos serviços estaria menos propenso a padecer por condições crônicas de saúde.

A disponibilidade de equipes de saúde que contem com profissionais de formação adequada para atuar na APS é um dos principais fatores para garantir o cumprimento das diretrizes do SUS. Dessa maneira, é preciso que o setor público se planeje para lidar com os desafios de um mundo onde a longevidade aumenta, juntamente com a prevalência desse tipo de condição, e isso passa por repensar diversos pontos da gestão de RH. É necessário, portanto, formular estratégias inovadoras para captação e capacitação, executando um plano robusto e sustentável de formação voltada para a APS, além de pensar em ações que possibilitem maior interesse pela área e a consequente implantação de profissionais em territórios vulnerabilizados, reduzindo as barreiras de acesso aos serviços de saúde.

 

Agatha Eleone e Helyn Thami são pesquisadoras de políticas públicas do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS).

 

]]>
0
Nada a comemorar: o Dia Mundial da Saúde e a necessidade de um lockdown https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/08/nada-a-comemorar-o-dia-mundial-da-saude-e-a-necessidade-de-um-lockdown/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/08/nada-a-comemorar-o-dia-mundial-da-saude-e-a-necessidade-de-um-lockdown/#respond Thu, 08 Apr 2021 17:35:37 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/corona-4959447_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=362 Arthur Aguillar, Helyn Thami e Rebeca Freitas

Na véspera da comemoração do Dia Mundial da Saúde (7 de abril), batemos a marca recorde de 4.211 mortos por Covid-19 em 24 horas. Os dados não mentem: estamos diante de uma aceleração da pandemia inédita no Brasil. Recentemente publicamos uma Nota Técnica mostrando que, em relação a 2020, tivemos uma aceleração da média móvel de óbitos da ordem de 84%. Diante dessa tragédia humanitária, não há dúvida: é necessária a implementação de um lockdown em todos os estados brasileiros. 

Precisamos de um lockdown pois estamos no momento mais crítico já vivenciado: não existe, na história brasileira, evento comparável em número de mortos. São mais de 340 mil pessoas que já perderam a vida pela Covid-19. A dimensão do período que atravessamos não é só sentida por todas as famílias que viveram na pele a dor da perda, mas se reflete nos números atualizados dia após dia: em apenas 1 mês (de 6 de março a 6 de abril), dobramos o recorde de óbitos diários, passando de 1.840 vidas interrompidas para mais de 4 mil. Além disso, a pior semana epidemiológica do ano de 2021 registrou uma média móvel que foi mais que o dobro daquela observada na pior semana epidemiológica de 2020. 

Com a disseminação de novas variantes e o risco de que novas ainda possam surgir diante do descontrole de transmissão, o Brasil se tornou uma bomba-relógio. O número de infectados no país corresponde a 10% do número de casos registrados no mundo(1). Atualmente, o Brasil registra o segundo maior número de óbitos por Covid no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e superou o total de óbitos registrados na Ásia, o maior continente do mundo. O descontrole do número de óbitos se evidencia também nas projeções de cientistas para o mês de abril, que apontam para a possibilidade de atingirmos a marca de 5 mil óbitos por dia, caso não haja lockdown. Tudo isso se soma ao avanço das novas variantes e estudos da Fiocruz comprovam que estamos vivendo uma nova fase da pandemia, tendo as mortes por Covid-19 aumentado em 352,62% na faixa etária de 30 e 39 anos entre janeiro e março deste ano. 

E não se trata somente das mortes. O nosso sistema de saúde se vê estrangulado. Somos um país em que 72% das regiões de saúde apresentam menos leitos de UTI do que o mínimo preconizado pelas normativas vigentes. Isso significa que 61% de toda a população que depende do SUS já convivia com a baixa oferta de cuidados intensivos antes da pandemia. Mesmo nas regiões que cumprem tais normativas, o cenário é de falta de leitos e insumos. Não há parâmetro técnico capaz de fazer jus ao contágio desenfreado que testemunhamos neste momento. No dia 4 de abril, 16 estados e o Distrito Federal apresentavam mais de 90% de ocupação de leitos de UTI. Enquanto isso, as filas de regulação crescem e famílias precisam implorar pela garantia do direito constitucional à saúde – muitas vezes sem sucesso. Só em março no estado de São Paulo, pelo menos 496 pessoas com Covid-19 ou com suspeita da doença morreram à espera de um leito de UTI.

Engana-se quem pensa se tratar de um colapso apenas do SUS. A saúde privada está igualmente estrangulada, vivenciando falta de insumos e de vagas e, em alguns casos, recorrendo ao sistema público para conseguir mais leitos, como ocorreu, por exemplo, em São Paulo, a maior cidade do país. O colapso é uma realidade dada ou iminente na saúde como um todo, sem distinção entre quem pode ou não pagar por um plano privado. Expandir a capacidade instalada de leitos é uma necessidade, mas não é uma solução que possa ser aplicada ad infinitum. É preciso realizar o lockdown para frear a circulação do vírus paralelamente ao esforço de vacinação, que por sua vez só deve mostrar efeitos mais expressivos no número de mortes no fim do primeiro semestre. 

O que seria um lockdown? Nossos governantes precisam implementar 5 medidas: o fechamento completo de estabelecimentos que não configuram serviço essencial; de vias e estradas a indivíduos que não sejam trabalhadores essenciais;  fechamento total ou parcial de aeroportos e rodoviárias e outros polos de transporte; banimento de eventos presenciais de qualquer espécie, incluindo religiosos; proibição do uso coletivo do espaço público a qualquer hora do dia.

Precisamos de um lockdown porque, em meio à magnitude do número de mortes, , é a coisa certa a fazer. Trata-se de uma política pública de eficácia comprovada: experiências internacionais e nacionais mostram que o lockdown funciona. Em Araraquara, após um mês de implementação da medida, viu-se uma redução de 39% no número de mortes e de 57,5% nos casos, além de 13 dias sem apresentar fila de espera para leitos de UTI. Em Paris, o Rt, número de reprodução da doença, reduziu de 3,18 para 0,68 após o lockdown (2), caso semelhante ao que ocorreu na Itália onde o Rt atingiu faixas entre 0,4 e 0,7 após 14 dias do decreto de fechamento completo de atividades não essenciais (3). Na China (Wuhan), o lockdown teve o efeito de curto prazo de aumentar o intervalo necessário para os casos dobrarem (de 2 para 4 dias) (4). Após 76 dias, a cidade chinesa se viu livre de novos surtos desde 8 de abril de 2020. Hoje, a cidade voltou à normalidade e não registra novos casos desde maio de 2020. 

Sabemos que essa recomendação é politicamente sensível e administrativamente complexa. Esperamos, no entanto, que nossos governantes tomem essa decisão com base no presente e no futuro – no nosso e no deles. A dinâmica política da pandemia não se restringe ao hoje. No longo prazo, todos aqueles que não fizeram o máximo possível para reverter a atual tragédia e o maior colapso sanitário e hospitalar da nossa história serão cobrados. Do lado da implementação, esperamos que nossa tradição na saúde pública prevaleça: que as ações de nossos governantes ecoem a coragem de líderes passados, que combateram a AIDS, a meningite, diversas síndromes gripais e outras doenças infecciosas que já assolaram nosso país.

 

Referências:

 1) Cálculo feito pelos autores com base nos dados do Ministério da Saúde e do Our World In Data.

2) Di Domenico, L., Pullano, G., Sabbatini, C.E., Boëlle, P.Y. and Colizza, V., 2020. Impact of lockdown on COVID-19 epidemic in Île-de-France and possible exit strategies. BMC medicine, 18(1), pp.1-13

3) Guzzetta, G., Riccardo, F., Marziano, V., Poletti, P., Trentini, F., Bella, A., Andrianou, X., Del Manso, M., Fabiani, M., Bellino, S. and Boros, S., 2020. The impact of a nation-wide lockdown on COVID-19 transmissibility in Italy. arXiv preprint arXiv:2004.12338

4) Lau, H., Khosrawipour, V., Kocbach, P., Mikolajczyk, A., Schubert, J., Bania, J. and Khosrawipour, T., 2020. The positive impact of lockdown in Wuhan on containing the COVID-19 outbreak in China. Journal of travel medicine, 27(3), p. 37.

Arthur Aguillar é coordenador de Políticas Públicas do IEPS 

Helyn Thami e Rebeca Freitas são pesquisadoras de Políticas Públicas do IEPS

]]>
0
Combatendo os efeitos colaterais da pandemia: como uma ideia do Chile pode ajudar a reduzir a obesidade infantil https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/05/combatendo-os-efeitos-colaterais-da-pandemia-como-uma-ideia-do-chile-pode-ajudar-a-reduzir-a-obesidade-infantil/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/05/combatendo-os-efeitos-colaterais-da-pandemia-como-uma-ideia-do-chile-pode-ajudar-a-reduzir-a-obesidade-infantil/#respond Mon, 05 Apr 2021 10:00:49 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/unnamed-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=348 Macarena Carranza, Carolina Morais Araujo e Arthur Aguillar

 

Se a obesidade infantil já era um dos maiores desafios de saúde pública antes da pandemia – em 2019, mais de 338 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar apresentavam sobrepeso, segundo a OMS -, as restrições sociais e a degradação econômica decorrentes da COVID-19 devem agravar o problema. 

Estudos recentes mostram que a suspensão das escolas tem levado à diminuição da atividade física e ao aumento do consumo de alimentos ultraprocessados entre crianças e adolescentes. Diante da pandemia, a Organização Mundial da Saúde aumentou a quantidade de exercícios físicos sugerida para um indivíduo manter-se saudável, de 150 para 300 minutos.

A obesidade infantil também tem crescido no Brasil nas últimas décadas. Segundo o SUS (Sistema Único de Saúde), 28,1% das crianças entre 5 e 9 anos acompanhadas pela Atenção Primária à Saúde em 2019 tinham excesso de peso. Dessas, 13,2% apresentavam obesidade. 

Como enfrentar este problema? No Brasil, há avanços importantes, como o Guia Alimentar para a População Brasileira, que se tornou referência mundial. No ano passado, o senador Jaques Wagner (PT-BA) também apresentou um projeto de lei que proíbe a venda de alimentos e bebidas ultraprocessados em escolas. 

Santiago, capital do Chile, tem testado o jogo como solução. Desde 2017, uma competição amigável entre escolas encoraja crianças e adolescentes a adotar atividades físicas e comer alimentos saudáveis.     

O Chile tem uma das maiores taxas de obesidade do planeta. Mais da metade das crianças em Santiago é obesa ou tem sobrepeso, e apenas 20% das crianças chilenas entre 9 e 11 anos são fisicamente ativas. Famílias de baixa renda, com menor acesso à alimentação saudável e a espaços adequados para a prática de atividades físicas, são as mais afetadas. 

Em 2018, a cidade lançou o projeto Juntos Santiago. Turmas de estudantes entre 10 e 12 anos participam de uma espécie de jogo de tabuleiro em uma plataforma online, em que visitam pontos turísticos e culturais da cidade e participam de competições para adotar hábitos mais saudáveis. Os desafios incluem jogos coletivos para estimular a atividade física, inclusão de alimentos saudáveis nas lancheiras e propostas de atividades em família nos finais de semana. 

As turmas somam pontos, passam de fase e, no final do ano, as escolas mais engajadas recebem prêmios, como mesas de pingue-pongue, paredes de escalada ou equipamentos esportivos. Com esta ideia, Santiago foi uma das cinco cidades latino-americanas ganhadoras em 2016 do prêmio Mayors Challenge, da Bloomberg Philanthropies, uma competição entre governos municipais para apoiar cidades a desenvolver ideias ambiciosas e replicáveis para enfrentar os desafios urbanos.

Participantes de Juntos Santiago em atividade do projeto em 2019 (Fonte: Bloomberg Philanthropies)

Até o início da pandemia, quase 7 mil estudantes de 49 escolas já haviam participado do projeto Juntos Santiago. “Eu emagreci, antes estava com sobrepeso. Agora estou muito envolvido com esportes e como muito mais salada”, diz o estudante Angel Barrientos, 11 anos. Sua mãe, Melvy Cardoso, notou a mudança dos hábitos de toda a família. “Como família, estamos mais unidos em torno da comida saudável e da atividade física. Ele pedala de bicicleta, eu vou atrás.” 

Os resultados positivos do projeto também foram comprovados em uma avaliação de impacto, realizada em 2018 com mais de 2.000 estudantes. Segundo o estudo, os participantes reduziram seu IMC (Índice de Massa Corporal) em 0.42 kg/M2, em média. A quantidade de alimentos saudáveis que os estudantes levaram à escola aumentou 24 pontos percentuais, e a atividade física cresceu 4%. Em média, o programa preveniu um ganho de peso de 860g por participante.

Com a pandemia e o fechamento das escolas, o projeto migrou para a internet. Em 2020, a Universidade San Sebastián, parceira de Juntos Santiago, desenvolveu a plataforma “Juntos Santiago Em Casa”, aberta à comunidade escolar, com vídeos, jogos e atividades para fomentar autocuidado, saúde mental, atividade física, higiene e alimentação saudável durante o confinamento. Quando as escolas reabrirem, o projeto será retomado de maneira híbrida, com atividades on-line e presenciais.

Plataforma “Juntos Santiago Em Casa”, desenvolvida durante a pandemia (Fonte: Universidade San Sebastián

A iniciativa de Santiago é um exemplo da mudança de olhar que todos os governos que vivem a transição epidemiológica para uma maior incidência de doenças crônicas precisam realizar: cuidar da saúde e não da doença, e prevenir antes de remediar. 

 

Macarena Carranza é diretora do projeto Juntos Santiago e professora da Faculdade de Ciências para o Cuidado da Saúde da Universidade San Sebastián, no Chile

Carolina Morais Araujo é consultora de gestão pública da Delivery Associates

Arthur Aguillar é coordenador de políticas públicas do IEPS

 

*Caso tenha interesse em saber mais sobre o projeto Juntos Santiago, acesse juntossantiago.cl ou encasa.juntosstgouss.cl/ e escreva para macarena.carranza@uss.cl  

]]>
0
A experiência do estado do Espírito Santo na gestão da saúde – 2015/ 2018 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/a-experiencia-do-estado-do-espirito-santo-na-gestao-da-saude-2015-2018/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/a-experiencia-do-estado-do-espirito-santo-na-gestao-da-saude-2015-2018/#respond Tue, 02 Mar 2021 10:30:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/gear-1015715_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=338 Ricardo de Oliveira

O objetivo desse artigo é registrar a experiência de quatro anos na implantação da política pública de saúde no Estado do Espírito Santo e, assim, contribuir para o debate sobre formas de melhorar o atendimento de saúde no nosso país. A principal conclusão é que o SUS funciona, embora precise de melhorias. O atual enfrentamento da pandemia do coronavírus pelo SUS provou a todos a enorme vantagem de um país possuir um sistema público e universal de saúde como o nosso.

O SUS enfrenta hoje desafios de financiamento, de reformulação de seu modelo de atenção à saúde e de reorganização da sua gestão. Apresento a seguir um resumo do nosso planejamento, das estratégias e dos projetos que desenvolvemos nesse período para enfrentar esses problemas.

A primeira providência foi realizar o planejamento da secretaria iniciando com um diagnóstico da situação assistencial, financeira e organizacional. Identificados os problemas principais, formulamos as estratégias e os projetos necessários para implantá-las. É importante ressaltar que, apesar da enorme crise financeira, foi definida prioridade para a saúde de forma que essa área teve o maior orçamento, entre todas as secretarias, nesse período de governo.

Considerando o diagnóstico da prestação de serviços de saúde, o planejamento definiu três objetivos estratégicos para melhorar a prestação desses serviços: acesso aos serviços, qualidade dos serviços e qualificação da gestão.

O objetivo era ampliar o acesso, qualificar o atendimento e a gestão, sendo a qualificação da gestão a garantia para que se mantenha uma permanente melhoria na prestação de serviços de saúde para a população e o fortalecimento do papel de liderança da Secretaria Estadual de Saúde (SESA) no SUS estadual.

Para alcançar esses objetivos, foram definidas sete estratégias finalísticas e de gestão:
1 – Ampliar a oferta por meio de novos serviços e do aumento da eficiência dos atuais: “mais leitos, mais consultas e exames”;

2 – Aprimorar a qualidade do atendimento assistencial com maior transparência na regulação do acesso;

3 – Melhorar o conforto dos cidadãos no acesso aos serviços de saúde: perto de casa, humanizado, redução do prazo para atendimento, e ambiente adequado;

4 – Melhorar a resolutividade da Atenção Primária à Saúde (APS) e da Atenção Ambulatorial Especializada (AAE);

5 – Integrar os 3 níveis de atenção à saúde: APS, AAE e Atenção Hospitalar;

6 – Aumentar o protagonismo do cidadão nos cuidados com a própria saúde;

7 – Fortalecer a capacidade de planejamento, gestão e controle da Secretaria estadual de saúde.

Para alcançar os objetivos e implementar as estratégias, foram definidos dois projetos estruturantes: a Rede Cuidar, para reorganizar a política assistencial do SUS, e a qualificação da gestão, para reorganizar a gestão da SESA.

 

A Rede Cuidar

O desafio da SESA no período de governo (2015/2018) foi o de superar um modelo de atenção centrado na assistência hospitalar e reverter a lógica fragmentada do sistema de saúde capixaba, reestruturando-o a partir do conceito de redes de atenção regionalizadas.

Essa perspectiva de funcionamento pressupõe uma definição clara sobre as funções essenciais de cada unidade assistencial, seja no âmbito da atenção primária, secundária ou terciária, dentro de um sistema de saúde que tenha como premissas básicas: a eficiência alocativa de recursos humanos, tecnológicos e financeiros; e o atendimento humanizado, resolutivo, de qualidade e em tempo oportuno.

A reorganização da política assistencial (atenção primária, ambulatorial especializada e hospitalar), foi feita considerando as redes de atenção à saúde, as regiões de saúde e a descentralização da gestão para essas regiões. O objetivo foi fazer com que o usuário fosse atendido na sua própria região de saúde, evitando longos deslocamentos pelas estradas para ter acesso aos serviços de saúde. E, também, que a região de saúde se organizasse para administrar, em conjunto com a SESA, a prestação de serviços de saúde na região, gerando economia de escala e escopo e ganhos de governabilidade política e de regulação.

Neste contexto, a SESA coordenou a implementação de uma mudança estrutural nos processos de trabalho que se iniciam desde o primeiro atendimento do paciente na unidade de saúde mais próxima da casa do cidadão até o serviço especializado, garantindo um fluxo mais adequado e a integralidade do cuidado. Isso possibilitou a redução dos encaminhamentos desnecessários à média complexidade com redução nas filas de espera, a priorização dos pacientes que realmente necessitam do atendimento especializado e maior eficiência alocativa de recursos.

Uma ação importante foi a regionalização dos serviços de saúde, pois permite ganhos de eficiência na prestação de serviços, ao propiciar um esforço conjunto dos municípios participantes da região e da SESA na organização da prestação dos serviços públicos de saúde.

Essa ação conjunta, entre Secretaria de Saúde Estadual e municípios, é a única maneira de melhorar a prestação dos serviços de saúde, a qual é dependente, também, da articulação e coordenação dos três níveis de governo, aí incluído o Ministério da Saúde.

A Rede Cuidar é a expressão concreta deste projeto de reorganização da atenção à saúde, consolidada pela Lei estadual n° 10.733 de 19 de setembro de 2017. Para a sua implantação foi realizado um conjunto de intervenções voltadas para a integração entre a APS (Atenção Primária à Saúde), a AAE (Atenção Ambulatorial Especializada) e a atenção hospitalar.

Destaca-se aqui a Planificação da Atenção à Saúde, para capacitar inicialmente a APS e a AAE, e a abertura das Unidades Cuidar. Estas unidades são ambulatórios especializados, com foco no atendimento a portadores de condições crônicas de saúde por equipes multiprofissionais, cujo acesso é definido por meio da estratificação de risco pela APS. Elas não atendem apenas aos portadores de condições crônicas, mas a outras necessidades regionais de atenção especializada.

A intervenção assistencial é conduzida a partir da elaboração de um Plano de Cuidados na Unidade Cuidar, a ser utilizado para gestão clínica dos usuários tanto na própria Unidade, quanto na APS. Cinco unidades foram construídas para atender o estado, e quatro delas iniciaram o atendimento até 2018. A ordenação do fluxo, na Rede de Atenção à Saúde, é realizada a partir da atenção primária, com estratificação de risco das gestantes, crianças, hipertensos e diabéticos.

A implantação da educação permanente dos profissionais, de forma integrada, entre a APS e AAE é uma inovação que tem como objetivo superar a fragmentação existente entre esses dois níveis de atenção à saúde. Implantamos o bloco de horas para dar o conforto de hora marcada para atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e na Unidade Cuidar; incentivamos o autocuidado, prática fundamental para controlar as doenças crônicas; orientamos sobre alimentação e exercícios físicos; e humanizamos o atendimento. Foi desenvolvido um sistema de informação para suportar esse novo modelo de atendimento e a relação entre as unidades de saúde e o atendimento especializado nas unidades da Rede Cuidar.

 

Qualificação da gestão

A reorganização da gestão da SESA teve por objetivos: garantir a boa aplicação dos recursos do SUS, no interesse dos usuários; dar sustentabilidade ao processo de melhoria contínua da prestação de serviços de saúde, ao longo do tempo; garantir a legalidade dos atos de gestão; combater a ineficiência, o desperdício, o clientelismo, o corporativismo e o desvio de recursos públicos das suas finalidades.

Para alcançar esses objetivos, capacitamos lideranças, iniciamos a implantação da gestão por resultados (estabelecimento de indicadores e metas para áreas estratégicas, e monitoramento periódico através da central de resultados), aumentamos a transparência e aperfeiçoamos os controles, com a implantação de vários sistemas de informação (custos, controle dos indicadores hospitalares, prestação de contas dos prestadores contratualizados, regulação de consultas e exames, portal do SUS, sistema integrado de gestão administrativa-SIGA), e fortalecemos o controle social com a nova lei do conselho estadual de saúde, que democratizou o acesso das organizações da sociedade civil ao conselho e ampliou sua autonomia política.

Promovemos a modernização da gestão hospitalar através das organizações sociais – entidades sem fins lucrativos –, que assumem a gestão dos hospitais públicos após processo seletivo público e a assinatura de contrato de gestão com a secretaria, onde são estabelecidas metas de melhoria da eficiência e do atendimento aos usuários.

O Estado do Espírito Santo conta hoje com quatro hospitais geridos por organizações sociais. Organizamos, na secretaria, uma estrutura destinada ao controle dessas organizações, medida fundamental para o funcionamento adequado desse modelo de gestão hospitalar. Hoje, a relação contratual da secretaria com as organizações sociais é pautada por um adequado nível de transparência e controle.

O nosso objetivo com esse projeto foi construir uma burocracia de estado eficiente, profissionalizada, transparente, que respeite a legalidade, comprometida com os usuários do SUS, e subordinada ao poder político.

Os resultados alcançados mostraram que a política pública de saúde estava no rumo certo. O IBGE divulgou, em 2018, que o ES alcançou a menor taxa de mortalidade infantil do país e a segunda expectativa de vida ao nascer, sendo que para quem atingiu 60 anos ou mais, o ES alcançou o primeiro lugar. Todavia, ainda persistem desafios que precisam de tempo, continuidade das políticas públicas, e persistência nos objetivos para superá-los.

 

Ricardo de Oliveira, engenheiro de produção, foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES em 2015 a 2018. Autor dos livros: Gestão Pública – Democracia e Eficiência (FGV/2012), e Gestão Pública e Saúde (FGV/2020)

]]>
0
Do combate à convivência: respostas de municípios à pandemia de Covid-19 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/12/21/do-combate-a-convivencia-respostas-de-municipios-a-pandemia-de-covid-19/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/12/21/do-combate-a-convivencia-respostas-de-municipios-a-pandemia-de-covid-19/#respond Mon, 21 Dec 2020 13:29:09 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/corona-4959447_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=334 Arthur Aguillar, Gabriella Lotta, Helyn Thami e Matheus Nunes

 

Nos últimos meses, os países do Atlântico Norte estão vivendo uma segunda onda da pandemia de Covid-19: após uma queda drástica nos casos desde meados de maio, os governos de países como Espanha, Inglaterra e Itália tentam responder ao aumento de casos impondo um novo conjunto de medidas de isolamento social. Nestes países, a pandemia, da mesma forma que a vida no poema Dia da Criação, de Vinicius de Moraes, vem em ondas. No Brasil, contudo, a pandemia não vem em ondas, mas se apresenta em um sinistro platô de mortes, e, nas últimas semanas, vem ainda acelerando. Quais as implicações de tal fato para o enfrentamento da pandemia? Em especial, como as pequenas cidades de um país que nunca foi para principiantes,  caracterizado por sua descentralização administrativa, desigualdades regionais e pela capacidade de estado local heterogênea, lidam com um evento de tamanha gravidade como a pandemia da Covid-19?

Na nota técnica “Do combate à convivência: respostas de municípios à pandemia de Covid-19” , que lançamos hoje, fruto da parceria entre o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Núcleo de Estudos das Burocracias (NEB/FGV), tentamos responder a essa pergunta. Para tal, acompanhamos 31 pequenos municípios do Norte e Nordeste do Brasil ao longo de 3 meses, para compreender as respostas à pandemia. As análises mostram que encontramos uma dinâmica pautada por dois momentos: a crise e a convivência. Esses dois momentos são bastante distintos, e o Brasil, junto talvez aos Estados Unidos, possui essa chamada jabuticaba que é a convivência com uma pandemia. Mas, antes, falemos da crise.

O momento da crise é bastante parecido no Brasil e no resto do mundo, e corresponde ao período entre o primeiro óbito e o ponto onde a média móvel de óbito atingiu seu máximo em meados do ano. A análise das respostas municipais mostra que este período foi marcado por medidas draconianas de isolamento social e sobrecarga das redes de saúde, seja no âmbito da assistência direta, seja na capacidade de testar e diagnosticar a doença em tempo oportuno. Talvez devido à novidade e complexidade do desafio, é também um período caracterizado por diversos erros de gestão: municípios fecharam algumas das Unidades Básicas de Saúde e tiveram dificuldades em implementar estratégias epidemiológicas como barreiras sanitárias, testagem e políticas de rastreamento de contatos. Os desafios enfrentados pelos municípios nessa fase se parecem muito com o que foi visto no início da pandemia na Europa e, durante um período maior, no resto da América Latina.

Já o convívio é coisa nossa, de alguns países da América Latina e, em algum grau, dos Estado Unidos, que também observaram taxas altas de infecção ao longo de todo o ano. Se a Europa foi caracterizada por rápidos períodos de pico com uma redução drástica da quantidade de casos entre os picos, isso simplesmente não ocorreu no Brasil: desde que a pandemia começou, seguimos tendo altas taxas de contaminação e óbitos sem uma redução drasticamente diferente do pico. Daí o resultado: não tivemos outra opção senão conviver com a pandemia. E a ideia de convivência é o que marca as respostas encontradas nos municípios no segundo período analisado, correspondente a setembro e outubro. Convivência significou reabertura total ou parcial dos estabelecimentos; significou uma amenização dos conflitos entre os prefeitos e outros atores locais; significou reorganização de alguns serviços de saúde; e significou, acima de tudo, uma gestão mais baseada em aprendizados. Foi neste período, por exemplo, que as prefeituras reabriram as Unidades Básicas de Saúde e começaram a utilizar os profissionais de forma mais estratégica. Também foi neste período que a sobrecarga da rede assistencial e os déficits de insumos diminuíram significativamente.

Se por um lado a passagem de tempo favoreceu a reposição de insumos que escassearam durante os primeiros meses e semanas de pandemia, essa mesma passagem do tempo e dos acontecimentos – mortes, casos, colapsos do sistema de saúde – também mostrou um agir do estado que denota um  “novo normal” mesmo sem uma trajetória descendente na curva.

O convívio nos mostra uma dinâmica conhecida no Brasil: a convivência perene da Sociedade e do Estado com problemas absurdos, seja a violência urbana e as altas taxas de homicídio, sejam os bolsões onde a incidência de doenças infecciosas que a ciência conhece há muitas décadas, como sífilis, dengue e tuberculose, é rotineiramente elevada.

Os aprendizados – adquiridos em tempo recorde pelos gestores e gestoras – se configuram como potenciais legados para muito além da pandemia. Revisão e redimensionamento da força de trabalho, reativação de capacidade instalada ociosa, aumento rápido de capacidade instalada, mais intimidade com a coleta e análise de dados, implementação ágil de políticas relativamente novas (como a telemedicina), diversidade de atores considerados na tomada de decisão são apenas alguns deles. A resiliência dos gestores públicos foi posta à prova pela crise sanitária e o grau de maturidade da ação mostrou, em alguma medida,  a capacidade de reação destes.

Por outro lado, permanece o desafio de criar resiliência e estratégias de vigilância sistemáticas que permitam uma resposta rápida porém menos reativa às emergências de saúde pública. O SUS (e seus gestores e gestoras), cujo valor está mais claro do que nunca, somam, portanto, dois desafios: conviver com a pandemia até que proporção suficiente de brasileiros estejam vacinados e ampliar a resiliência do sistema para enfrentar outras problemáticas sanitárias – por vezes amenizadas pelo costume da convivência – com as quais lidaremos por ainda mais tempo.

Gabriella Lotta é Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB/FGV)

Arthur Aguillar e Helyn Thami são pesquisadores do IEPS 

Matheus Nunes é mestrando em Administração Pública pela Fundação Getútlio Vargas (FGV)

]]>
0
Em busca de lanternas no apagão dos dados da pandemia https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/12/08/em-busca-de-lanternas-no-apagao-dos-dados-da-pandemia/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/12/08/em-busca-de-lanternas-no-apagao-dos-dados-da-pandemia/#respond Tue, 08 Dec 2020 10:00:27 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/istockphoto-1050260814-612x612-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=322 Pedro de Paula e Renato Teixeira

 

Imagine que você está dirigindo um carro em uma noite chuvosa. Após uma curva fechada, depois de cruzar com um caminhão no sentido contrário que por pouco não acertou seu carro, seus faróis subitamente se apagam. Qual é a sensação de estar nessa situação?

É mais ou menos assim que os gestores públicos podem se sentir ao liderar a resposta à maior pandemia de nossas gerações quando há um apagão nos dados da saúde. Devemos manter as escolas abertas ou fechá-las? Reduzir ou aumentar as restrições às interações sociais? Ampliar a capacidade das UTIs ou desativar hospitais de campanha? Essas decisões podem ser tomadas rápida e eficientemente, mas somente com os dados corretos. Os gestores precisam saber o número de casos, hospitalizações, mortes e, talvez o mais importante, se esses números estão aumentando ou diminuindo. Para que a resposta do setor público à COVID-19 seja ágil, as informações disponíveis também devem ser atuais.

A COVID-19 deixou muitos no escuro, mas também proporcionou uma oportunidade para explorar novas fontes de dados e os resultados têm sido surpreendentes. Muitos termos e informações importantes que antes não eram familiares ao público em geral tornaram-se amplamente conhecidos: número e porcentagens de testes positivos, total de internações, porcentagem de leitos de UTI ocupados, e total de mortes por COVID-19. Um número crítico é o excesso de mortalidade – o número total de mortes de todas as causas que excede o número esperado de mortes com base em médias históricas. Além destas informações essenciais, também é crucial saber como as pessoas estão se comportando, ou seja, se estão usando ou não máscaras e adotando medidas voluntárias de distanciamento físico, entre outras. Estes são indicadores estratégicos de como os níveis de transmissão podem evoluir.

É por isso que é crucial para os governos fazer uso estratégico de todas as fontes de dados disponíveis. Não apenas os conjuntos de dados oficiais, mas também as informações geradas pela mídia social e pela vigilância comunitária, pois eles poderiam desempenhar um papel importante na melhoria da resposta da política de saúde pública.

Saber que, em maio de 2020, o estado de São Paulo enfrentou seu maior número de mortes em excesso ao esperado para o mês é muito importante para análises mais profundas e de longo prazo; mas para decidir se bares e restaurantes podem continuar recebendo pessoas hoje, o gestor necessita saber diariamente, com o menor atraso possível, qual a variação de casos e de internações no último dia e nas últimas semanas. Além de saber se a trajetória desses casos tem sido consistentemente crescente ou decrescente, é também fundamental saber como a população tem se comportado em termos de distanciamento, uso de máscaras e outros indicadores sociais.

Como fazer tudo isso no meio de um apagão de dados, como relatado no início de novembro? Mesmo com os sistemas de informação estabilizados, como uma resposta à pandemia que parou o mundo pode ser moldada apenas por dados de mortalidade, o que pinta um quadro estreito e retardado da tragédia da saúde pública? Ou, no máximo, dados de testes ou hospitalizações que estão disponíveis com até 10 dias de atraso?

Uma maneira é investir em testes e monitoramento extensivos, juntamente com o fortalecimento dos sistemas de informação nos municípios, estados ou do país. Assim, é possível diagnosticar rapidamente os problemas e agir antes que eles se tornem irreversíveis. Entretanto, fortalecer tais sistemas e capacidades no meio de uma pandemia pode ser difícil e caro, e podem ocorrer falhas. Portanto, deve ser dada atenção a caminhos complementares. Existem fontes de informação oficiais extras que podem e devem complementar as análises de saúde pública.

A vigilância comunitária pode indicar a existência de zonas não adequadamente cobertas pelo sistema institucionalizado de saúde pública, como é o caso do painel “COVID-19 nas favelas do Rio de Janeiro”. Dados produzidos nas redes sociais podem servir de indícios do comportamento da pandemia. No início do ano, por exemplo, indicadores de mobilidade da população obtidos por meio de dados de GPS de celulares foram uma interessante aproximação da real efetividade das políticas de distanciamento. Com a redução da adesão a essas medidas, precisamos saber rapidamente onde e como estão se comportando os novos surtos para agir de forma eficaz, como mostra ser necessário a recente experiência em países da Europa, sob pena de um altíssimo custo humano.

O recente caso no Estado de São Paulo é ilustrativo da utilidade dos dados produzidos nas redes sociais para complementar as fontes oficiais. Entre os dias 6 e 9 de novembro, o Estado de São Paulo – em virtude de problemas nos sistemas de informação – não divulgou nenhum caso ou óbito em todo seu território. Nas semanas que antecederam esse apagão, a tendência era de queda e a população começava a acreditar que o pior já havia passado. No entanto, quando os dados voltaram a ser divulgados, percebeu-se que naquele período houve uma inversão de trajetória, indicando uma retomada do aumento dos casos e das hospitalizações, o que foi reforçado por declarações de hospitais privados na capital.

Só em 11 de novembro a preocupação com o aumento de casos começou a tomar conta dos noticiários e do debate público. Isso ocorreu cinco dias após o início do apagão e possivelmente com mais de uma semana de atraso da real inversão de tendências. Mas não era necessário esperar tanto para se ter um retrato mais atual da pandemia no Estado de São Paulo.

Uma parceria entre o Facebook Data for Good, Carnegie Mellon University e a University of Maryland, tornou público bases de dados com informações para relatar sobre sintomas relacionados à COVID-19. Todos os dias, os usuários do Facebook com 18 anos ou mais são solicitados a responder voluntariamente a um questionário com informações que vão desde os sintomas autorrelatados da COVID-19 até o uso de máscara e transporte público. Estas bases de dados, que são anônimas e não revelam informações pessoais nem permitem rastrear indivíduos, mostraram que desde o final de outubro já era possível observar uma mudança na tendência da porcentagem de pessoas que responderam que tinham sintomas de uma doença semelhante à COVID-19, que é definida como febre acompanhada de tosse ou falta de ar ou dificuldade para respirar. Ao analisar os dados atualizados do Ministério da Saúde, observa-se que após alguns dias de baixo número de notificações, foi apresentado um padrão semelhante de crescimento (FIGURA 1 para o BRASIL). E, como dito, com um atraso de 8 dias, a plataforma do Estado de São Paulo mostrou crescimento nos casos relatados diariamente.

 

Figura 1 – Proporção de respondentes da pesquisa com sintomas semelhantes ao da COVID-19 e casos notificados pelo Ministério da Saúde. Casos em todo o Brasil, entre 1º de outubro e 28 de novembro de 2020.

 

Esse padrão de antecipação de tendências se repete em outros estados, como no Ceará, Goiás, Minas Gerais e outros. Sempre que houve uma inversão de tendências de redução ou aumento de casos na base dos casos notificados do MS, essa redução também estava refletida através desse levantamento realizado no Facebook.

Esses dias de alerta precoce são preciosos na leitura de cenário e na tomada de decisões ágeis sobre a pandemia. Mais do que suprir apagões, ter sinais de alerta para novos surtos pode antecipar as respostas públicas, salvando vidas e reduzindo os danos do aumento da transmissão.

Embora informações e indicadores auxiliares ainda estejam longe de suprirem os dados oficiais de saúde e serem os faróis que necessitamos nessa longa noite chuvosa, eles se prestam a complementar o repertório de inteligência a ser utilizada na contínua luta contra a COVID-19. A disponibilidade de dados atualizados e confiáveis é essencial para o direcionamento das ações contra a COVID-19. Embora cada vez mais se confirmem as expectativas positivas nas vacinas, viveremos por muito tempo sem o controle e a supressão total do vírus. Teremos que buscar todas as luzes ao nosso alcance para orientar nossa viagem nessa estrada escura e tortuosa.

 

Figura 2 – Proporção de respondentes da pesquisa com sintomas semelhantes ao da COVID-19 e casos notificados pelo Ministério da Saúde. Estado de São Paulo, 1º de outubro a 28 de novembro de 2020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 3 – Proporção de respondentes da pesquisa com sintomas semelhantes ao da COVID-19 e casos notificados pelo Ministério da Saúde. Brasil, 1º de maio a 28 de novembro de 2020.

 

Figura 4 – Proporção de respondentes da pesquisa com sintomas semelhantes ao da COVID-19 e casos notificados pelo Ministério da Saúde. Estado de São Paulo, 1º de maio a 28 de novembro de 2020.

 

Pedro de Paula é Diretor-Executivo da Vital Strategies Brasil. Pedro é advogado formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Mestre em Direito Econômico e Economia Política pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde atualmente é Doutorando. Também leciona na Faculdade de Direito na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Renato Teixeira é consultor técnico da Vital Strategies Brasil. Graduado no curso de Estatística pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre em Epidemiologia e Doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da UFMG, Renato vem analisando dados que podem auxiliar no melhor compreendimento e monitoramento da COVID-19.

]]>
0
Monitoramento de políticas públicas e ciclos de aprendizado: os desafios e possibilidades para os novos gestores eleitos https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/monitoramento-de-politicas-publicas-e-ciclos-de-aprendizado-os-desafios-e-possibilidades-para-os-novos-gestores-eleitos/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/monitoramento-de-politicas-publicas-e-ciclos-de-aprendizado-os-desafios-e-possibilidades-para-os-novos-gestores-eleitos/#respond Mon, 23 Nov 2020 11:00:35 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/technology-2082642_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=318 Helyn Thami, Arthur Aguillar e Maria Letícia Machado

 

Em anos recentes, o monitoramento de políticas públicas, sobretudo na Saúde, ganhou ênfase em termos de discurso e de práticas. A pandemia, por consequência, acabou por endossar ainda mais a necessidade de acompanhar sistematicamente os dados para subsidiar a tomada de decisão. Painéis de indicadores foram elaborados e publicizados, levantaram-se críticas sobre a subnotificação de casos. Falamos de dados e falamos da qualidade deles.

Essa ênfase na relevância de uma estratégia de monitoramento efetiva se configura como um potencial legado da crise do novo coronavírus. Será difícil enxergarmos a análise sistemática de dados da saúde da mesma maneira como o fazíamos anteriormente, e isso tende a ser positivo para a sustentabilidade e melhoria do sistema.

Contudo, destaca-se que colocar de pé uma estratégia de monitoramento em nível municipal é uma tarefa pouco óbvia. Primeiro, é preciso reconhecer que o monitoramento não se restringe (ou não deveria) ao mero exercício de leitura de dados. Os dados precisam informar a tomada de decisão, de modo que, caso contrário, perdem sua serventia. É preciso, também, ir além e garantir que o sistema aprenda e melhore com base na análise desses dados e no acompanhamento dos resultados das decisões tomadas. Ademais, não se pode perder de vista que o monitoramento também permite a responsabilização dos provedores de serviço, o que contribui para a qualificação do sistema, de igual modo.

Como é possível ao gestor municipal implementar, de modo efetivo, uma estratégia de monitoramento que torne o sistema mais transparente e possibilite a aprendizagem de todos que fazem parte dele? Em primeiro lugar, é necessário compreender que a efetividade da implementação dependerá, inicialmente, de etapas de qualificação das informações disponíveis. Sabemos dos enormes desafios de qualidade e fragmentação de dados no âmbito do SUS, sobretudo no que tange à integração de bases de dados e à identificação única dos usuários, para citar alguns. Sem esses componentes, se torna inviável o acompanhamento do itinerário do usuário no sistema de saúde, o que implica em informações frágeis para a tomada de decisão ou, ainda, em um tempo muito grande para tratar as informações antes de poder aplicá-las na prática.

Sendo assim, é imprescindível que os futuros secretários de saúde invistam na construção/implantação de um sistema de informação com identificador único por usuário e na delimitação de um conjunto mínimo de dados a ser acompanhado e monitorado rotineiramente, em um modelo de painel de indicadores. Esse painel deve ser parcimonioso e cada indicador deve responder a perguntas de gestão específicas — indicadores não são fins em si mesmos. Não menos importante, os dados devem ser inteligíveis para os diversos atores interessados. Um nível incompatível de complexidade da informação compromete o entendimento do problema e, de igual modo, a resposta a ele.

Em um segundo momento, é preciso pensar em um ciclo de análise e devolutiva sobre desempenho para as equipes da ponta. Ora, se são esses os times que carregam boa parte do ônus e responsabilidade da coleta de dados, é ético, justo e adequado que esses mesmos times possam encontrar sentido na qualificação de seu trabalho através de devolutivas com periodicidade definida. Isso pode ser feito, por exemplo, no modelo de seminários de gestão ou fóruns e oficinas. Destaca-se aqui a importância da frequência e periodicidade de análise dos dados: em situações emergenciais como a atual, é preciso que a gestão esteja preparada para processar e analisar dados em alta frequência.  O desenvolvimento dessas habilidades é imperioso para as equipes de gestão efetivamente comprometidas com a melhoria do sistema de saúde.

Por fim, é preciso que o município desenhe e implemente um plano de monitoramento para as condições de maior interesse sanitário, em consonância com o planejamento estratégico do mandato, sendo esse um desdobramento do diagnóstico da situação de saúde (e de necessidades em saúde) do município. Em um sistema com recursos finitos e coexistência de desafios, priorizar é uma atividade importante, inclusive quando da definição dos objetos a serem acompanhados.

A tarefa é complexa, mas os futuros gestores municipais podem se beneficiar de ferramentas tais como a Agenda Saúde na Cidade, que traz o passo a passo de implementação e os desafios políticos e administrativos envolvidos na execução de cada uma dessas medidas fundamentais. Tirar planos do papel é uma tarefa que exige uma visão técnica apurada, sem perder de vista o contexto do mundo real em que as políticas públicas acontecem.

Há um amplo consenso entre especialistas em gestão que as organizações, incluindo os sistemas de saúde, melhoram conforme avança a sua capacidade de aprender com seus erros e acertos. Ter informação de qualidade disponível e usá-las para engajar equipes na construção de soluções, com posterior acompanhamento de seus efeitos, é essencial para que moldemos o sistema de saúde que queremos. Esse é um sonho possível e, oportunamente, as novas gestões municipais se configuram como uma importante janela de oportunidade nesse sentido.

 

Helyn Thami, Arthur Aguillar e Maria Letícia Machado são pesquisadores do IEPS

 

]]>
0
A hora e a vez da parceria: onde a academia, o terceiro setor e os problemas da vida real se encontram https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/11/03/a-hora-e-a-vez-da-parceria-onde-a-academia-o-terceiro-setor-e-os-problemas-da-vida-real-se-encontram/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/11/03/a-hora-e-a-vez-da-parceria-onde-a-academia-o-terceiro-setor-e-os-problemas-da-vida-real-se-encontram/#respond Tue, 03 Nov 2020 11:00:58 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/connect-20333_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=309 Helyn Thami, Natália Sabat, Ana Lucia Sartori, Darley Maria Oliveira e Neiva Pereira Paim

A crise sanitária e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus escancarou feridas antigas e, possivelmente, criou algumas novas. Dentro do primeiro grupo, podemos citar o grau de desconexão entre a atuação de diversos setores da sociedade no apoio ao enfrentamento dos problemas da vida real.

Por exemplo, é problemático ter muitos cérebros a pesquisar sem que os resultados da pesquisas sejam transformados em legados para aqueles que, através do pagamento de seus impostos, financiam boa parte da pesquisa acadêmica no Brasil. Outro exemplo é atuação pontual do terceiro setor na solução de problemáticas muito complexas e que exigem uma visão menos assistencialista e mais de construção de um legado de capacidades para a boa execução de políticas públicas.

Experiência recente, contudo, foi capaz de mostrar que uma Academia engajada e o terceiro setor podem trabalhar juntos, com êxito, para solucionar problemas que acometem a população e interferem na resposta do setor público aos desafios atuais.

O palco dessa experiência foi a cidade de Sinop, no Mato Grosso, com seus cerca de 150 mil habitantes. O campus da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT Sinop), localizado na cidade, tomou a iniciativa, por meio de projetos de extensão, de conceber e operacionalizar os serviços de monitoramento remoto dos casos de Covid-19, bem como pela organização de uma central telefônica para dúvidas, situada no Instituto de Ciências da Saúde do campus, que funcionava por demanda espontânea dos cidadãos.  Os alunos e professores dos cursos de enfermagem e medicina ficaram responsáveis pelo contato direto com a população (atendendo munícipes de Sinop e de outras cidades próximas, de menor porte), contando com a coordenação e supervisão das professoras Ana Lucia Sartori, Darley Maria Oliveira e Neiva Pereira Paim. O planejamento e implementação das operações teve o apoio da plataforma CoronaCidades, que oferece apoio técnico gratuito aos municípios no enfrentamento da crise e é resultado da parceria de três organizações do terceiro setor: o IEPS, a Impulso e o Instituto Arapyaú. Os projetos, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, realizou mais de 6.000 atendimentos de monitoramento e atendeu aproximadamente 650 pessoas com dúvidas ou sintomas (não somente relacionados à Covid-19) para orientações ou referenciamento aos serviços de saúde públicos ou privados. Recentemente, a iniciativa foi reconhecida com uma Moção de Aplauso pelo Conselho de Saúde local.

O valor desse serviço ultrapassa sua contribuição na resposta à crise, por algumas razões. Primeiro, porque alunos e professores tiveram a chance de estreitar suas relações com a comunidade onde se inserem e com a sociedade em geral. Essa é uma crítica frequentemente feita por alguns setores quando o assunto é integração entre instituições de ensino e tudo aquilo que as cerca – pessoas, problemas, territórios. A universidade não deve ser uma “bolha”.

Em segundo lugar, é possível afirmar que os alunos tiveram uma oportunidade prática de aprendizagem sem igual em tópicos bastante complexos da atuação em Saúde, que são a teleorientação e a telemedicina. É importante ressaltar, nesse caso, que existem dificuldades – impostas pela atuação não-presencial –, o que torna esses tópicos pouco óbvios. Ao mesmo tempo, contudo, a telemedicina é uma ferramenta que deve se expandir no dia a dia dos profissionais de saúde e se tornar cada vez mais relevante para o mercado de trabalho, como uma consequência da própria pandemia. Certamente, essa experiência tornou o corpo discente mais preparados para o exercício da profissão no cenário da vida como ela é (ou como ela está se tornando).

A maioria dos problemas sociais que enfrentamos neste século são complexos e não aceitam respostas simplistas ou reducionistas. Logo, as soluções podem e devem ser pensadas e implementadas por conjuntos de atores sociais, através de visões programáticas e valores comuns. Se rios divididos ainda podem se encontrar no mar, as águas são mais fortes quando correm juntas por todo o seu curso.

 

Helyn Thami é pesquisadora do IEPS

Natália Sabat é gestora de projetos na Impulso

Ana Lucia Sartori é enfermeira e professora adjunta do curso de Enfermagem da UFMT Sinop

Darley Maria Oliveira é enfermeira e professora adjunta do curso de Medicina da UFMT Sinop

Neiva Pereira Paim é médica e coordenadora do curso de Medicina da UFMT Sinop

]]>
0