Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Cuidados adequados e personalizados para o câncer de mama https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/#respond Wed, 27 Oct 2021 10:00:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/cancer_mama-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=558 Vilmar Marques de Oliveira

 

O preconceito e a desinformação ainda são obstáculos para as mulheres – e para toda a sociedade – em relação ao câncer de mama. O estigma em torno de uma doença que pode ser grave e afeta diretamente um dos maiores símbolos da feminilidade atrapalha de várias maneiras: desde o deixar para depois a realização de exames que deveriam ser periódicos até barreiras emocionais que, uma vez feito o diagnóstico, impedem que essa mulher seja protagonista no seu tratamento.

O agravante é que o câncer de mama é uma doença complexa. Existem diferentes perfis de tumor e momentos específicos, que envolvem diferentes decisões. Outra questão é o acesso às opções de tratamento e a própria adesão à conduta escolhida, considerando tratar-se de uma doença tempo-dependente e que não espera nada, nem ninguém, para progredir. Ela é mais rápida ou mais lenta a depender das características que se apresentam em cada caso.

Por isso é que se fala em jornada da paciente com câncer de mama. Uma mulher que é única e tem uma história só sua, mas que deve e pode buscar os cuidados mais adequados e personalizados para o seu perfil. É certo que, nesse caminho, desinformação e prejulgamento fragilizam. Mas diálogo, conhecimento, autocuidado e rede de apoio efetiva, seja de familiares, amigos, colegas de trabalho e mesmo da equipe de saúde, contribuem para a vida antes, durante e depois do câncer. Uma vida que pode ser plena.

Esse olhar coletivo sobre o câncer de mama como um tema de interesse de toda a sociedade é fundamental para a efetivação e o aprimoramento das políticas públicas relacionadas à linha de cuidado da patologia (rastreamento, diagnóstico e tratamento), bem como à navegação das pacientes no sistema de saúde. Embora tenhamos importantes leis aprovadas e um sistema público e universal, ainda há muito a avançar para salvar um número maior de mulheres.

O câncer de mama é o mais frequente entre as brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), e ainda causa a morte de 20 mil mulheres todos os anos. A estimativa de novos casos para 2021 é de aproximadamente 66 mil. Embora seja rastreável desde o início a partir da mamografia de rastreamento, o diagnóstico precoce permanece ocorrendo bem menos vezes do que nos estágios avançados da doença.

A ciência vem fazendo a sua parte. O planejamento adequado logo após o diagnóstico, associado ao melhor tratamento para o perfil da paciente, permite gerenciar o câncer de mama com maior probabilidade de cura ou controle. Sendo ou não invasivo, as chances de cura são elevadas (aproximadamente 95%) quando a detecção ocorre em fase precoce. Cada vez mais a medicina entende as alterações genéticas nas células que originam e caracterizam os tipos de tumores, conhecimento este que possibilita tratamentos mais adequados e eficientes, que muitas vezes associam terapias antes e/ou após a cirurgia, a depender de cada caso.

Para ilustrar a relevância deste conhecimento, podemos citar as pacientes com um biomarcador específico, chamado HER2+. Mulheres cujos tumores apresentam esta mutação podem se beneficiar de terapias direcionadas a essa alteração em diferentes etapas da doença. Quando diagnosticado em estágio inicial, o tratamento correto, no momento mais adequado, pode, inclusive, resguardar pacientes com alto risco de recorrência da doença de evoluir para um estágio metastático, aproximando-as da cura.

Por exemplo, mulheres que precisam iniciar o tratamento antes da cirurgia, pelo fato de terem tumores maiores e/ou linfonodos comprometidos, com o intuito de aumentar suas chances de cura e possibilitar uma cirurgia conservadora, podem ainda apresentar células tumorais no momento da cirurgia, o que indica um risco maior de recorrência. Por isso, essas pacientes precisam de um tratamento de resgate após a cirurgia, para então reduzir as chances de progredir para cenários metastáticos. Todo esse planejamento terapêutico personalizado, feito pela equipe que acompanha a paciente, é essencial para garantir que cada pessoa receba o tratamento mais adequado de acordo com as características do seu tumor.

Não poderia finalizar este texto sem esclarecer, também, que qualquer mulher pode ter câncer de mama. A maioria dos tumores – 90% – não têm origem hereditária. São fatores de risco a alimentação de má qualidade, a ausência de atividade física regular, o excesso de peso, a exposição a hormônios (estrogênios), o tabagismo e o uso excessivo de bebidas alcoólicas, entre outros.

Contudo, não é possível precisar a causa da doença e, por isso, precisamos de uma nova mentalidade. Ao mesmo tempo em que é necessário adotar medidas preventivas que combatam esses fatores de risco – e quanto antes, melhor –, devemos evitar que essa mulher que apresenta o câncer de mama se sinta culpada.

Diante disso, são essenciais movimentos como o “Vem Falar de Vida”, que disseminam informações de qualidade sobre o tema, reverberam ações de múltiplos signatários unidos por esse propósito e fortalecem a mensagem de que o câncer de mama não precisa ser sinônimo de fracasso, de morte ou de mutilação. Existem meios para que cada vez mais histórias de mulheres sejam transformadas. Discutir o acesso a eles é responsabilidade de todos nós.

 

Dr. Vilmar Marques de Oliveira é Chefe de Clínica Adjunto do Hospital da Santa Casa, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e atual presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia.

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A obesidade infantil é uma responsabilidade que precisa ser compartilhada https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/10/23/a-obesidade-infantil-e-uma-responsabilidade-que-precisa-ser-compartilhada/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/10/23/a-obesidade-infantil-e-uma-responsabilidade-que-precisa-ser-compartilhada/#respond Fri, 23 Oct 2020 11:00:02 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/bicycle-427560_1920-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=298 Atualizado 23.out.2020 às 17:35

Roberta Costa Marques

Laís Fleury

Livia Cattaruzzi

Enquanto atravessamos a pandemia do coronavírus, uma outra epidemia, a de obesidade infantil, acomete cerca de 380 milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. E o Brasil contribui significativamente para essa preocupante estatística: hoje, 1 em cada 3 crianças e adolescentes, com idade entre 5 e 19 anos, está com excesso de peso ou obesidade e, entre os adolescentes, a obesidade grave saltou de 17% para 28% na última década, segundo o Panorama da Obesidade em Crianças e Adolescentes. Projeções da OMS indicam que podemos ocupar o 5° lugar na lista de países com maiores índices de obesidade infantil em 2030.

O aumento desses índices coincide com mudanças significativas no estilo de vida das famílias brasileiras nos últimos anos, como a intensificação da urbanização, do sedentarismo e o aumento do consumo de produtos alimentícios industrializados, os quais são promovidos para crianças desde a mais tenra idade, entre outros fatores. 

Além de prejuízos ainda na infância, como estigma e diabetes, crianças com excesso de peso ou obesidade têm cinco vezes mais chances de desenvolver doenças crônicas na vida adulta, resultando em uma pior qualidade de vida e maiores custos para o sistema de saúde.

Apesar dos altos e crescentes índices, a obesidade infantil ainda é pouco discutida no Brasil, o que provoca uma percepção equivocada a respeito da responsabilidade que o tema carrega. Considerando esse cenário, o Instituto Desiderata e o Instituto Alana lançaram a publicação Obesidade Infantil – uma responsabilidade compartilhada, com o objetivo de que a sociedade reconheça que não se trata de uma questão restrita aos âmbitos individual e familiar, mas, sim, de um problema de saúde pública, e compreenda alguns dos fatores ambientais que contribuem para o agravamento desse cenário.

O senso comum ainda trata  a obesidade infantil como uma questão individual, fechando os olhos para os múltiplos fatores que a influenciam, como condições socioeconômicas, culturais, ambientais e políticas. Como garantir uma existência mais saudável para as nossas crianças se vivemos em um ambiente que desfavorece um modo de vida mais ativo e as expõem a estratégias comerciais que promovem junk food e bebidas adoçadas? Tais fatores são determinantes para a adoção de hábitos pouco saudáveis, mas não costumam fazer parte dessa discussão. 

Situação mais grave durante a pandemia de coronavírus

Em tempos de pandemia, esses desafios são ainda maiores, com a limitação da circulação das pessoas e o excesso do uso de telas. Para a maior parte das famílias, em especial as que vivem em grandes centros urbanos, a insegurança nas ruas e a escassez de espaços ao ar livre que estimulem a circulação e a brincadeira dificultam ainda mais esse cenário.

O maior tempo em casa aumentou o uso de telas em todas as classes sociais, do celular à televisão, ampliando a exposição das crianças a mensagens publicitárias, cada vez mais veladas e sofisticadas, direcionadas a elas – ainda que a prática de publicidade infantil já seja considerada ilegal pela legislação brasileira – promovendo o consumo excessivo e habitual de produtos alimentícios ultraprocessados, de baixo valor nutricional e com altos índices de ingredientes artificiais que prolongam sua durabilidade.

Proporcionar atividade física ao ar livre e uma alimentação adequada e saudável não é tarefa fácil em uma realidade em que tantas famílias sequer têm acesso a  alimentos e espaços saudáveis. Para dar conta dessa questão de saúde pública, poder público, organizações sociais e setor privado precisam atuar juntos para disponibilizar informação clara e transparente, adotar medidas regulatórias eficazes que diminuam o consumo de alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas, assim como criar espaços seguros, acessíveis e livres de publicidade infantil para a circulação de crianças pelas cidades. Apenas por meio do engajamento de todos esses setores em conjunto, será possível  transformar o atual cenário para garantir a essas crianças uma vida e um futuro mais saudáveis.

 

Roberta Costa Marques é diretora executiva do Instituto Desiderata

Laís Fleury é coordenadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana

Livia Cattaruzzi é advogada do programa Criança e Consumo do Instituto Alana

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Uma proposta de agenda para o SUS https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/31/uma-proposta-de-agenda-para-o-sus/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/31/uma-proposta-de-agenda-para-o-sus/#respond Mon, 31 Aug 2020 23:16:58 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Samu_em_Ibotirama_2011-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=264  

Ricardo de Oliveira

A pandemia da Covid-19 jogou uma luz forte sobre a importância do SUS na proteção à saúde da população e da necessidade do seu aperfeiçoamento. O desafio é complexo, mas o setor saúde tem profissionais e organizações qualificadas capazes de ajudar o país a superá-lo, conforme observamos no enfrentamento da atual pandemia.

Para superar esse desafio é necessário estabelecer uma agenda que oriente os debates sobre como melhorar a prestação de serviços do SUS.

Essa agenda deve contemplar as várias dimensões que impactam a prestação dos serviços de saúde, conforme abaixo relacionado:

  1. REORGANIZAÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE

Essa agenda se impõe, especialmente pela atual transição demográfica que indica um envelhecimento da população e consequente predomínio das doenças crônicas. O novo modelo deve superar a atual fragmentação do sistema de saúde, de modo a promover maior articulação e coordenação entre os vários níveis de atenção (primária, ambulatorial especializada e hospitalar) e, assim, organizar melhor o fluxo dos usuários dentro do sistema. É necessário, também, promover os conceitos de vida saudável (alimentação e exercício físico), do auto cuidado e implantar as Redes de Atenção à Saúde. É fundamental o fortalecimento da atenção primária como porta de entrada nas redes de assistência e coordenadora do processo de atendimento. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) desenvolve dois importantes projetos para reorganizar o modelo de atenção à saúde: a planificação da atenção primária e da ambulatorial especializada.

  1. FINANCIAMENTO

Os aportes financeiros ao SUS são baixos, se comparados aos exemplos internacionais. O Brasil se encontra muito aquém do nível de gasto público necessário para financiar um sistema público e universal de saúde. O país tem um gasto público que corresponde a 47% do gasto total em saúde (público e privado), enquanto nos outros países, com sistema universal, está em torno de 70%. O nosso gasto público em saúde corresponde a 3,8% do PIB enquanto no Reino Unido é de 7,9%. No entanto, quando consideramos o gasto total, em relação ao PIB, constatamos que os nossos gastos são semelhantes aos desses países. O Brasil gasta 8,9% do PIB e o Reino Unido, considerado o melhor sistema público do mundo 9,9%.

  1. REGIONALIZAÇÃO

Um dos problemas que impactam a gestão do SUS é a excessiva municipalização dos serviços de saúde, sem que exista escala que viabilize a prestação desses serviços. A consequência é a pulverização de recursos, contribuindo para a ineficiência do sistema e prejudicando a qualidade do atendimento aos usuários do SUS. É preciso, portanto, desenvolver uma lógica política baseada em uma visão regional de assistência à saúde que promova cooperação entre os vários níveis de governo por região.

  1. REVISÃO DO MODELO DE GESTÃO

A revisão do modelo de gestão do SUS é importante para que possamos transformar os recursos disponíveis em serviços eficientes e de qualidade à população. Para tanto, o setor público de saúde deveria ter regras de gestão específicas por tratar de questões relacionadas com a qualidade e a manutenção da vida.

Relaciono a seguir, as questões que considero relevantes que interferem no ambiente de gestão do SUS:

– O atual marco regulatório administrativo e de controle do setor público que prioriza os processos ao invés dos resultados no atendimento.

– A atuação dos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos que dificultam a formação de equipes técnicas e gerenciais em função de um temor generalizado em assinar documentos ou decidir sobre processos em andamento.

– Os sistemas de informação devem ser aprimorados, inclusive para viabilizar a implantação do cartão SUS e o prontuário eletrônico.

– As dificuldades na coordenação dos vários atores políticos e institucionais que fazem parte do sistema de governança do SUS. Além do sistema tripartite, temos o Judiciário, Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, os Conselhos Profissionais, dentre outros.

– A cultura política marcada por práticas clientelistas, patrimonialistas e corporativas na relação do Estado com a sociedade que provoca ineficiências e favorece a corrupção. Essas práticas induzem à descontinuidade administrativa sobretudo pela falta de profissionalização nos órgãos públicos e a frequente troca de gestores.

  1. JUDICIALIZAÇÃO

O crescimento exponencial da judicialização da saúde é um fenômeno recente e tem sérias consequências na execução da política pública de saúde. Ela está criando outra porta de entrada no SUS, comprometendo a equidade no acesso aos serviços e mobilizando vultuosos recursos. Convém ressaltar que o acesso à justiça faz parte do Estado democrático de direito, porém, precisamos debater com urgência as razões do seu crescimento excessivo.

A justiça tem responsabilizado o gestor criando um clima que impacta fortemente o desempenho gerencial. Cada dia torna-se mais difícil selecionar profissionais para assumir cargos de chefia, uma vez que o risco de serem culpabilizados pessoalmente cresce com o aumento da judicialização. É necessário estabelecer, com urgência, um ambiente de segurança jurídica que afaste o risco dos profissionais serem responsabilizados pelas deficiências de atendimento na prestação de serviços de saúde por obrigações do Estado.

  1. COMPLEXO INDUSTRIAL, CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA SAÚDE

A pandemia do Covid-19 mostrou que o país possui uma boa infraestrutura de ciência e tecnologia e profissionais capacitados e, a necessidade de aumentar o investimento na área. Contudo, foi possível identificar deficiências que devem ser corrigidas. Precisamos, por exemplo, aumentar e qualificar nossa capacidade laboratorial e reduzir a dependência externa em relação a insumos de proteção individual dos profissionais (EPIs) e na produção de medicamentos. Essas demandas específicas e outras, podem alavancar o nosso parque industrial na internalização de tecnologias estratégicas para atender às necessidades da saúde. Uma das preocupações da política de saúde tem sido a relação com o setor produtivo para suprir as necessidades do país e deve ser fortalecida.

  1. PARCERIA COM O SETOR PRIVADO FILANTRÓPICO, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE E EMPRESAS PRIVADAS

O SUS compra serviços e produtos de vários parceiros do setor privado, como as organizações filantrópicas, as organizações sociais de saúde e as empresas privadas, uma vez que não tem estrutura suficiente para prestação de todos os serviços, tampouco produz tudo que precisa. O funcionamento adequado dessas parcerias depende fundamentalmente da capacidade do poder público de selecionar bons fornecedores, fiscalizar a aplicação dos recursos e a qualidade do atendimento aos usuários.

Uma questão importante na política de saúde é estabelecer um diálogo com as operadoras de seguro saúde com objetivo de buscar acordo sobre sua área de atuação, financiamento e sua relação complementar com o SUS na prestação de serviços. A falta de uma visão consensuada tem gerado um conflito dentro do setor saúde que provoca ineficiências.

É preciso utilizar com eficiência todos os recursos disponíveis na área de saúde, público e privado, para atendimento à população, obedecendo os mandamentos constitucionais.

Por fim, é preciso construir uma unidade política com todos os atores envolvidos, tendo como objetivo defender os interesses dos usuários do SUS. É preciso reconhecer que o SUS é fruto de uma obra coletiva, que envolve toda a população e várias instituições, perpassa vários governos e, precisa de continuidade nas suas políticas, como forma de garantir o direito à saúde. Há uma frase muito utilizada pelo CONASS que sintetiza esse diagnóstico: “O SUS não é um problema sem solução, é uma solução com problemas”.

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, consultor em gestão pública e palestrante. Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor do livro Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012. 

 

 

 

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Reabertura das escolas? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/28/reabertura-das-escolas/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/28/reabertura-das-escolas/#respond Fri, 28 Aug 2020 19:20:48 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/students-5201719_1920-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=260  

Roberto Cooper

 

Após 8 meses de pandemia, ainda não temos as informações, baseadas em evidências, que nos permitam responder à questão de reabrir ou não as escolas. Dito de outra forma, “a ciência”, tão evocada na mídia como uma entidade única e detentora da Verdade, não tem resposta para essa questão. Ou melhor, tem respostas para o gosto do freguês.

Se a pessoa está inclinada a defender a abertura das escolas, vai citar os exemplos da Suécia, Dinamarca, França e Alemanha como bem-sucedidos em termos de reabertura das escolas (a Suécia nunca chegou a fechá-las). Se a pessoa está inclinada a defender que as escolas permaneçam fechadas, vai citar os exemplos de Israel e, localizadamente, da França.

Também temos um cardápio ao gosto do freguês para a questão da transmissibilidade das crianças. O estudo da Coréia do Sul aponta, de modo resumido, que crianças transmitem e as de idades entre 10 e 19 anos, transmitem como adultos. Mas o estudo da Irlanda (muitíssimo menor) conclui o oposto. O mesmo concluem (o oposto da Coréia do Sul) os dois estudos produzidos em Genebra.

Quando me refiro ao gosto do freguês, quero dizer, sua visão de mundo, seu viés político (não há como negar a existência desse viés, para qualquer decisão), suas preferências pessoais ou afetivas. Portanto, neste momento, devemos ser francos e honestos, afirmando que não temos, evidências científicas ou epidemiológicas que possam sustentar uma posição clara de reabrir ou manter fechadas as escolas.

Se não temos essa resposta, temos alguns consensos:

  • A reabertura de escolas somente deveria se dar quando a circulação do vírus estivesse reduzida e sob controle. Isso implica em decisões locais, em função da epidemiologia. Impossível tomar uma decisão única para um estado e, muito menos, país. O consenso vai parar no enunciado porque, ato contínuo, vai se iniciar uma discussão sobre o que significa circulação reduzida e situação sob controle. Parece óbvio que a redução da circulação do vírus se dá com o isolamento social, uso de máscaras e lavagem das mãos. Quando uma sociedade privilegia a reabertura de bares e academias de ginástica, manda uma mensagem clara a respeito do valor da educação. Bares e academias deveriam permanecer fechados, favorecendo a reabertura das escolas.

Ainda para podermos abrir as escolas, uns defenderão a testagem em grande escala, enquanto outros, invocando o fato de que esta testagem é impraticável e não foi feita em lugar algum do mundo (focando na reabertura das escolas), sendo necessário utilizar o número de casos e óbitos como indicadores desse controle.

  • A reabertura das escolas somente poderá ocorrer quando, além das condições epidemiológica favoráveis, houver um protocolo bem estabelecido pelas escolas, com respeito ao funcionamento cotidiano das unidades escolares. Este protocolo deve contemplar desde a logística de entrada e saída de alunos, funcionários e fornecedores, até o tamanho das turmas e o seu funcionamento como coortes “fechadas”, passando pela desinfecção ambiental, medidas contingenciais em caso de suspeita ou confirmação de Covid-19 na comunidade escolar e treinamento de toda a equipe. Aqui, novamente, existem áreas de indefinição e subjetividade. Crianças não usarão máscaras, dirão alguns. O protocolo do Reino Unido, Dinamarca e EUA (citação não exaustiva), elimina o uso de máscaras para crianças menores de 9 a 10 anos, dirão outros. Como reduzir o tamanho das turmas é um problema real e concreto, tanto maior no setor público. Em Israel, o brote de casos ocorreu por conta de turmas grandes em dias de calor intenso, quando as janelas foram fechadas e o ar condicionado foi ligado. Em um país tropical como o nosso, esta situação não é difícil de ser imaginada.
  • Os funcionários das escolas devem ser previamente avaliados, antes de qualquer reabertura, para identificar os que podem apresentar fatores de risco como idade e comorbidades. Para estes, um planejamento à parte deverá ser feito, com o objetivo de minimizar uma exposição que coloque o funcionário em risco.
  • Reabrir escolas não significa assumir (ou fingir) que está tudo bem. Não está. O vírus ainda circula entre nós, mesmo nas cidades onde os indicadores sinalizam uma redução real de casos e óbitos. Reabrir escolas significa repensar cada detalhe da rotina diária da escola, introduzindo mudanças fundamentais nesse cotidiano. Estamos há 4 meses com o vírus entre nós e nesse tempo, seria de se supor que as escolas públicas e privadas estivessem se preparando para, quando as condições permitissem reabrir, fazê-lo com segurança. Usamos esse tempo para aprender e nos planejar ou, agora, vamos no improviso, no jeitinho brasileiro, na torcida e na fé?

 

Além dos aspectos relacionados diretamente ao vírus (transmissão, infecção, prevenção etc.), existem aspectos sociais importantíssimos que devem ser levados em consideração em qualquer decisão de reabertura ou não das escolas:

 

  • A reabertura das escolas é necessária para que os pais possam retornar aos seus trabalhos, caso estes estejam exigindo a presença física do funcionário. A classe média e os mais ricos ainda conseguem uma rede de suporte constituída por familiares e/ou empregados. Estes precisam do trabalho e saem de casa para cuidar dos filhos dos outros, sem ter com quem deixar os seus. Acrescente-se o dado que o percentual de pessoas em situação de trabalho informal é de 40%, segundo o IBGE, mas ultrapassa 50% e 11 estados. Esses trabalhadores informais precisam sair de casa, todos os dias, para conseguir colocar comida na mesa de casa.
  • As escolas, além de serem um lugar seguro (em princípio) para as crianças ficarem, oferece refeições que são fundamentais para as famílias mais pobres e vulneráveis. Nos EUA, país rico, 20 milhões de crianças dependem do café da manhã e almoço servido nas escolas. Qual seria esse número no Brasil?
  • A reabertura de algumas escolas (privadas) e não de outras (públicas), além de escancarar a forma com que a concentração de riqueza afeta, objetivamente, as pessoas, contribui para perpetuar e aprofundar as diferenças entre pobres e ricos, dificultando a tarefa de construirmos um país mais justo e equânime. Dito isso, a solução seria não permitir que as escolas privadas, dado o cumprimento das exigências e recomendações, abrissem? Ou, abrir as públicas junto com as privadas, colocando em risco este segmento da população (alunos e funcionários) porque não conseguem atender às exigências e recomendações?

 

Finalmente e não menos importante, existem os aspectos psicopedagógicos e psico-afetivos envolvidos no fechamento das escolas.

Parece ser consenso entre pedagogos que a interrupção prolongada do ensino presencial, acarreta uma perda, temporária, da capacidade cognitiva. Isto é, alunos quando retornam de férias mais longas, não apresentam a mesma capacidade de absorção de novos conhecimentos e competências que apresentavam ao final do período anterior. Assim, é de se supor que esta perda cognitiva temporária estará presente no retorno às aulas e será tanto maior, quanto maior o tempo de fechamento das escolas. Esta perda já é, habitualmente, mais intensa nos alunos de famílias pobres e vulneráveis. Com o retorno à escola, esse grupo deveria receber um suporte pedagógico específico e mais intenso, sob o risco de termos uma faixa de alunos que vão se “arrastar” ainda mais que o habitual, pelos anos escolares, com um agravamento das consequências de um ensino que já era sofrível.

Do ponto de vista pisco-afetivo, crianças, como todos os humanos, são seres sociais. O que nos caracteriza como humanos é a nossa interdependência e a necessidade de nos relacionarmos. Assim, ainda que não seja mensurado, o dano por conta do isolamento existe e está presente nas crianças. O retorno à socialização e expressão do afeto (incluindo as discussões e brigas) é um atributo fundamental no desenvolvimento emocional saudável das crianças. Manter as crianças em casa, protegidas do vírus, o que poderia ser dito de outra forma -vivas, é fundamental. Mas é preciso considerar que crianças, como adultos, são seres biopsicossociais e a escola é o espaço onde podem expressar isso de forma plena.

 

Como disse no início, não há uma pessoa que possa responder, com segurança, à pergunta: as escolas já podem reabrir? Isso, considerando uma visão binária do mundo -pode ou não pode. Ora, o mundo não funciona desta forma. O mundo é um gradiente, complexo, multifatorial e uma visão binária é típica de uma criança, onde o pensamento mágico infantil (ou pré-lógico), categoriza tudo em bom/mau, feio/bonito, gosto/não gosto. A complexidade é para adultos, assim como conviver com inseguranças e incertezas. Temos o dever moral de responder às questões complexas e não deixa-las, neste caso, exclusivamente para os pais. Quando profissionais de saúde optam por fazer um tratamento farmacológico é porque supõem que os benefícios superam os malefícios. Devemos avaliar esta questão sob a mesma ótica e ponderar benefícios e malefícios das diferentes soluções possíveis. Mais, não poderemos generalizar porque, para determinados locais ou grupos, uma solução pode ser benéfica, enquanto a mesma solução para outro local ou grupo e maléfica.

 

Não há como tratar de uma questão tão urgente e complexa, sem registrar que a ausência de uma coordenação federal, leia-se Ministério da Saúde, acolhendo diferentes saberes, promovendo o debate de ideias, buscando o bem de todos, apenas contribui para mais confusão, ignorância e obscurantismo. Quando uma ameaça a todos, poderia nos aproximar de forma humana e solidária, a abstinência do poder federal, revela o descaso pela vida.

 

 Roberto Cooper é pediatra, tem mestrado em saúde da família (Unesa), e é professor no curso de medicina (Unesa).

 

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O retorno às aulas em meio à pandemia https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/o-retorno-as-aulas-em-meio-a-pandemia/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/o-retorno-as-aulas-em-meio-a-pandemia/#respond Wed, 22 Jul 2020 11:00:28 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/kansai-university-84363_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=229 Claudia Costin , Helyn Thami  e Miguel Lago 

Essa semana, grandes cidades brasileiras como Manaus e Duque de Caxias autorizaram a volta às aulas de escolas particulares. Outras capitais estão negociando com instituições privadas uma data de volta já nas próximas semanas. O prefeito Marcelo Crivella confirmará hoje se a volta às aulas se dará na semana que vem. As decisões de prefeituras chamaram a atenção da mídia internacional, como mais um episódio inusitado da maneira pouco séria em como o país conduz a resposta à pandemia. 

O principal argumento usado para a defesa da volta às aulas é a menor taxa de transmissão do novo coronavírus entre crianças, que de fato está embasado em evidências. No entanto, as mesmas pesquisas científicas não apontam inequivocamente para uma taxa significativamente menor de transmissão entre crianças e adultos. Mais do que isso, grandes estudos divulgados na última semana mostram que a faixa etária de 10 a 19 anos transmite o vírus tanto quanto os adultos. Ora, dentro das escolas, adultos e crianças convivem com difícil grau de separação. No caso das creches – aquelas que trabalham com crianças de zero a dois anos, sobretudo -, a proximidade física inerente ao cuidado (dentre outros fatores) contraindica o retorno, mesmo em um cenário de decréscimo da curva. Recomenda-se que estas não retornem no ano de 2020. 

É preciso lembrar que a comunidade escolar movimenta um ecossistema de famílias, professores, pessoal auxiliar, gestores escolares e, ainda, uma vasta gama de profissionais formais e informais que dependem das escolas, que também sairão às ruas. Isso impõe, como consequência óbvia, a redução do isolamento social.O ciclo escolar gera aglomerações em diversos momentos: no transporte casa-escola, nas entradas e saídas de escolas, dentro das escolas e daí em diante. Crianças, pais e funcionários se tornam potenciais vetores de contágio.  Vale enfatizar que o isolamento social é fator preponderante na determinação do ritmo de contágio pelo novo coronavírus – muito mais do que a idade ou qualquer outro aspecto.

Outro argumento vocalizado em defesa da reabertura das escolas é o de que, sob aplicação de protocolos de prevenção, seria absolutamente seguro retornar. Essa afirmação parte da falsa premissa de que as escolas têm condições de assegurar infraestrutura mínima para a execução impecável desses protocolos. Nesse sentido, é imperioso memorar que não são raras as denúncias de falta de material básico como sabonete e papel higiênico em algumas escolas, além do número grande de alunos por turma no contexto brasileiro. Pairam, então, as dúvidas sobre a capacidade de implementação efetiva desses protocolos, em tão curto espaço de tempo. Na prática, a teoria é outra.

Se de um lado o resultado da decisão poderá transformar as escolas em usinas de transmissão, por outro, o processo foi excludente. Professores e profissionais de educação não foram devidamente consultados,  e vieram a público manifestar suas inseguranças e seu repúdio. Na crise, a criação de consensos e a discussão ampla entre todos os atores envolvidos é crucial para garantir uma ação pública robusta e que engaje a todos na formulação e implementação de protocolos.

Soa muitíssimo grave, também, a dissonância entre orientações aos setores público e privado, em que o último está sendo autorizado a reabrir, via de regra, antes do primeiro.  As abissais desigualdades educacionais no país foram amplificadas desde o início da pandemia. Enquanto as escolas particulares conseguiram rapidamente se adaptar a um formato de educação à distância, as públicas não tiveram o mesmo êxito. A reabertura prévia de escolas particulares seria mais um passo nessa direção.  Convém que haja maior coordenação entre esses setores, para traçar um plano integrado e normatizar critérios de modo universal, tornando ambos responsáveis e garantindo, ao mesmo tempo, a segurança de todos. A retomada, neste momento, não é segura pra ninguém, independente da estrutura física e disponibilidade de recursos.

Ainda no tema desigualdade, é preciso reforçar – com ênfase – a necessidade de garantir a aprendizagem efetiva por parte dos alunos, após o retorno. Se as recomendações sanitárias forem seguidas a contento, poderá haver rodízio entre grupos de estudantes, alternando aulas remotas e presenciais, para reduzir a densidade de pessoas no espaço físico das escolas. Isso requererá um acompanhamento criterioso do processo de aprendizado em ambos os modelos, evitando-se, assim, prejuízos no aprendizado, mormente no modelo de aulas à distância.

Além disso, é preciso, ainda, combater energicamente o senso de tranquilidade que tem se tornado evidente entre a população. A Organização Mundial da Saúde e setores da academia concordam em pontuar uma tendência de estabilização de casos em nível nacional, mas não há, ainda, tendência de declínio da curva nem tampouco uma verdade única que se aplique homogeneamente ao país inteiro – em algumas regiões do interior, ainda há franca ascensão da curva. Não se pode normalizar os mais de mil óbitos sendo registrados a cada vinte e quatro horas.

Um bom uso do tempo disponível – até que se atinja um limiar realmente seguro para retomar atividades educacionais presenciais – é, justamente, planejar quanto à  infraestrutura e garantir que os envolvidos se sintam (e de fato estejam) protegidos e seguros. Isso não é pouca coisa. Dada a incerteza do cenário, é possível que erremos e tenhamos que voltar atrás em algumas decisões. Isso, contudo, não exime os gestores da Educação de um boa preparação inicial para dar o primeiro passo. Os dados, assim como o senso de preocupação entre os membros da comunidade escolar, são eloquentes: é cedo para retomar, mas já estamos atrasados quanto ao dever de casa.

 

Claudia Costin é Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial

Helyn Thami é especialista em Gestão de Saúde do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 

Miguel Lago é Diretor Executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 

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Resposta à crise nos pequenos municípios: onde estamos? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/03/resposta-a-crise-nos-pequenos-municipios-aonde-estamos/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/03/resposta-a-crise-nos-pequenos-municipios-aonde-estamos/#respond Fri, 03 Jul 2020 11:00:54 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/imagem-.png https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=213 Caroline Cavallari e Helyn Thami

Pequenos municípios lutam para reorganizar serviço de saúde diante da Covid-19

Reorganizar o atendimento em saúde, diante da nova demanda relacionada ao coronavírus, e implementar ferramentas de telessaúde surgem como desafios para pequenos municípios brasileiros nos esforços para tentar responder ao avanço da Covid-19.

É o que mostra uma análise das respostas acumuladas no Checklist de preparação para a Covid-19, ferramenta gratuita desenvolvida pela plataforma CoronaCidades para ajudar a orientar os municípios brasileiros na superação da pandemia.

Entre aquelas cidades que participam do Selo Unicef –concedido a municípios que assumem o compromisso de priorizar políticas públicas pela infância e adolescência–, há também dificuldades em manter o acompanhamento de adolescentes em risco de abandono escolar e os serviços de proteção às famílias realizados por meio do SUS e dos Centros de Assistência Social.

 

Checklist mostra realidade de pequenos municípios na resposta ao coronavírus

Desde o início da pandemia no Brasil, a plataforma CoronaCidades oferece um Checklist para que gestores públicos possam sinalizar quais ações já foram realizadas ou estão em implementação, em seus municípios, na resposta ao coronavírus.

O Checklist tem o objetivo de ordenar e resumir, em tópicos simples, o que precisa estar no radar de quem toma as decisões diante da crise. Ao preencher o instrumento, os participantes informaram o nível de preparo de seus municípios para lidar com a pandemia em quatro esferas: Governança da crise; Comunicação e Distanciamento; Vigilância; e Assistência.

Dentro de cada esfera, uma lista de medidas é apresentada aos respondentes, para que eles sinalizem uma das três opções de resposta: não realizado, em andamento ou realizado. Entre abril e maio de 2020, 311 municípios de todas as regiões do Brasil responderam ao Checklist de preparação para a Covid-19.

A maioria dos respondentes, o equivalente a 90%, são de cidades com até 100 mil habitantes. O maior número de respostas veio de cidades localizadas nos estados da Paraíba, Ceará, Bahia, Pernambuco e Maranhão, todos na região Nordeste.

 

Distribuição dos Municípios Respondentes da Ferramenta Checklist por Estado

 

Dados consolidados referentes aos meses de abril e maio de 2020

As respostas ajudam a compreender quais são os principais desafios enfrentados pelos municípios de menor porte na resposta ao coronavírus, em um momento em que a curva de contágio demonstra tendência de estabilização em muitas capitais do país e o vírus parece avançar, cada vez mais, pelo interior do Brasil.

 

Dificuldades com organização da atenção básica e implementação de telessaúde

Manter a atenção básica nas unidades de atendimento, mesmo diante da nova demanda por serviços relacionada ao coronavírus, é um desafio para os sistemas de saúde em todo o país.

Dos 311 municípios que responderam ao Checklist da plataforma CoronaCidades, 19,61% afirmaram que a secretaria de saúde ainda não havia remanejado e redimensionado sua força de trabalho para garantir portas de acesso diversas para casos de diferentes complexidades.  Para 21,54%, essa reorganização da força de trabalho e dos serviços de atendimento diante do novo cenário ainda estava em andamento.

As perguntas do Checklist relacionadas à assistência direta à população requerem uma série de processos anteriores que condicionam a implementação, como por exemplo, a organização das portas de entrada e o redimensionamento de RH, que precisam de um diagnóstico mais profundo da rede e tomam bastante tempo de planejamento e conciliação entre atores variados. Isso impõe dificuldades –ou evidencia ainda mais as dificuldades que já existiam, sobretudo nos municípios menores–, como planejamento e mapeamento de processos na provisão de serviços de saúde.

Nesse esforço para conciliar a atenção básica e os atendimentos relacionados à Covid-19, a implementação de ferramentas de telessaúde,  com o uso de celular ou internet para realização de triagem e monitoramento de pacientes do SUS, é uma importante alternativa para os municípios.

No entanto, entre aqueles que responderam ao Checklist da plataforma CoronaCidades, 19,61% assinalaram que a gestão de saúde da cidade ainda não estava apta a solicitar e operar ferramentas de telerregulação e telemedicina; 41,16% estavam com esse processo em andamento, e apenas 39,23% já estavam operando com essas ferramentas.

Existem diferentes ferramentas de telessaúde, como por exemplo a disponibilidade de internet, que o país ainda precisa superar. Além disso, há também níveis distintos de resistência por parte de alguns atores e uma ideia de que essas ferramentas são necessariamente muito complexas para serem implementadas.

Fato é que as respostas do Checklist também evidenciam outro desafio, refletido por características do nosso federalismo: municípios de pequeno porte enfrentam dificuldades para a organização de suas políticas públicas mesmo em um ambiente de normalidade. Responsáveis pela maior parte dos serviços oferecidos diretamente à população, em especial no âmbito social (saúde, educação e assistência social), os municípios são os entes com menor arrecadação e disponibilidade financeira.

Essa fragilidade orçamentária acarreta vulnerabilidades técnicas e administrativas que são agora evidenciadas pela pandemia. A coordenação entre os diferentes níveis de governo (União, Estados e Municípios) e a articulação das ações entre municípios torna-se ainda mais relevante no enfrentamento da Covid-19, assim como a disponibilização de ferramentas e boas práticas que orientem os gestores ganham ainda mais importância neste momento.

 

Acompanhamento de crianças e adolescentes é prejudicado durante a pandemia

235 municípios que responderam ao Checklist da plataforma CoronaCidades participam do Selo UNICEF, o que significa que assumiram o compromisso de manter a agenda de políticas públicas pela infância e adolescência como prioridade.

Mas, diante da crise do coronavírus, o acompanhamento de crianças e jovens com risco de abandono escolar se tornou um desafio. 51,06% dos municípios reduziram ou suspenderam o acompanhamento de adolescentes em risco de abandono escolar.

Entre os municípios que participam do Selo UNICEF, 80,43% também reduziram ou suspenderam seus serviços de proteção às famílias, realizados por meio do SUS e dos Centros de Assistência Social. Além disso, 61,28% das cidades afirmaram que atendimentos para enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes estão ocorrendo em horário reduzido ou só por meio de plantões.

Um dos principais desafios evidenciados em momentos de crise como a atual pandemia é a necessidade de uma rápida mobilização dos recursos públicos e tomadas de decisão. Em tais momentos, os esforços se voltam para a resolução da crise, e muitos outros serviços e demandas já existentes sofrem com essa priorização. Uma das formas de evitar a invisibilização das demandas programáticas é o mapeamento de áreas e funções que podem se beneficiar de mão de obra voluntária ou oriunda de outras áreas de conhecimento, por exemplo, de modo a reduzir a sobrecarga nos pontos onde ela é mais crítica.

Os desafios são muitos e um diagnóstico inicial é crucial para o planejamento da gestão no cenário atual, na saúde e fora dela. Além do Checklist, a plataforma CoronaCidades também disponibiliza outros materiais de apoio para superação da crise nos estados e municípios. Saiba mais visitando coronacidades.org.

 

Caroline Cavallari é coordenadora de Conteúdo e Atendimento na plataforma CoronaCidades.

Helyn Thami é pesquisadora do IEPS.

 

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Informação e transparência como ferramenta de prevenção e controle da Covid-19 e outras doenças https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/20/informacao-e-transparencia-como-ferramenta-de-prevencao-e-controle-da-covid-19-e-outras-doencas/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/06/20/informacao-e-transparencia-como-ferramenta-de-prevencao-e-controle-da-covid-19-e-outras-doencas/#respond Sat, 20 Jun 2020 23:00:09 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/system-web-digitization-technology-digital-communication.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=208  

 

Roberta Costa Marques

 

Desde o início da pandemia, a ausência de uma diretriz nacional de enfrentamento à Covid-19 é agravada pelo reduzido número de testes, gerando deficiência de registros que impossibilitam desde a organização planejada do Sistema Único de Saúde até a retomada gradual das atividades econômicas e sociais em segurança. Não bastassem os parcos avanços na testagem, fomos mais uma vez pegos de surpresa pelo Ministério da Saúde, que deixou de divulgar os casos e mortes acumulados, comunicando uma nova metodologia de cálculo e causando indignação da sociedade civil e de autoridades em meio ao caos sanitário. Sem informações transparentes, não é possível saber ao certo quantas pessoas morreram, quantas estão infectadas, em que direção e com que velocidade a doença se propaga – informações epidemiológicas imprescindíveis para governos realizarem ações de vigilância e controle de doenças e prevenir futuras ocorrências.

 

Diante desse cenário, rapidamente, algumas organizações se uniram para cobrir esta lacuna, como foi o caso do consórcio inédito criado por veículos de comunicação e também o portal do Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde), que reúne informações estaduais atualizadas diariamente, além de outras importantes iniciativas. No entanto, ainda que essas iniciativas cumpram papel fundamental na garantia do direito à informação, o país continua sem uma fonte oficial única de dados consolidados para direcionar ações de enfrentamento ao novo vírus e gerar confiança e adesão da população a essas políticas.

 

Infelizmente, a dificuldade para acessar dados com a pandemia do coronavírus, embora por razões diferentes, não é algo novo no campo da saúde pública. A epidemiologia é uma ciência pouco valorizada e utilizada para o planejamento e a tomada de decisão dos gestores públicos, quando diversas outras doenças se beneficiariam da vigilância epidemiológica rigorosa e permanente, como é o caso das doenças pediátricas.

 

O Brasil tem vivenciado mudança do perfil epidemiológico das doenças que acometem crianças e adolescentes, com queda acentuada da mortalidade por doenças transmissíveis e aumento das doenças crônicas não transmissíveis. Isso ocorreu quando doenças infecciosas associadas à pobreza foram controladas com vacinas e acesso à saúde básica, fazendo com que, por exemplo, o câncer tenha se tornado a primeira causa de morte por doença na faixa etária de 1 a 19 anos. Uma mudança dessa natureza só foi perceptível graças à vigilância epidemiológica, que subsidia o planejamento e a organização da rede de atenção por parte dos gestores públicos, direcionando a assistência para o controle do câncer infantil como, por exemplo, na promoção do diagnóstico precoce e do acesso rápido ao tratamento especializado de qualidade.

 

Outro exemplo é a obesidade infantil, uma epidemia mundial e silenciosa que acomete 1 a cada 3 crianças atendidas pelo SUS no Brasil e que é fator de risco para diversas doenças crônicas, além de causar uma série de complicações ainda na infância. Qualificar, ampliar e dar transparência ao Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), por onde é possível monitorar o peso, altura e consumo alimentar de crianças e adolescentes, é fundamental para o controle da obesidade infantil.

 

O Instituto Desiderata monitora a situação do câncer e da obesidade em crianças e adolescentes do Rio de Janeiro e publica panoramas anuais que reúnem essas informações, com o objetivo de chamar atenção para essas questões e contribuir para o seu enfrentamento. A partir desse trabalho, podemos dizer que os sistemas de registro avançaram nos últimos cinco anos, mas estão ainda muito aquém do esperado para o controle dessas doenças.

 

Os últimos Registros Hospitalares de Câncer completos disponíveis oficialmente são do ano de 2013, quando o atraso máximo recomendado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) é de até dois anos. Além disso, algumas variáveis são preenchidas inadequadamente, como é o caso da informação sobre o estadiamento dos tumores, ausente em 40% dos casos registrados. Sem essas informações, não é possível saber a extensão da doença, seu nível de gravidade e quais as chances de cura, e, portanto, fazer seu controle. Em relação ao SISVAN, a cobertura de aferição do estado nutricional ainda é baixa, cerca de 15,7%, e o monitoramento de peso, altura e consumo alimentar de crianças e adolescentes não é uma rotina na atenção básica, diante da invisibilidade do problema e do foco no tratamento de doenças, em detrimento da prevenção. Apesar dos desafios e limitações ainda encontrados nessas bases de dados, esses são sistemas nacionais e oficiais que norteiam as pesquisas e as políticas públicas para prevenção e controle de doenças e é preciso que sejam cada vez mais aprimorados e utilizados.

 

No caso da Covid-19, infelizmente, o que tem sido produzido até aqui é uma chuva de mensagens contraditórias, pouca transparência dos poucos dados existentes e muitas barreiras para a produção de registros, gerando muita incerteza e impedindo um enfrentamento estratégico à pandemia.

 

A implementação qualificada e disponibilização regular dos sistemas de informação em saúde demanda ações integradas, tais como capacitação de registradores, infraestrutura adequada, e, sobretudo a sensibilização dos diversos níveis de gestão para a importância da transparência e do registro como ferramentas de planejamento, prevenção e controle de doenças.

 

Informação transparente é base para o desenho e a implementação de políticas públicas. Que a experiência que estamos vivenciando com o novo coronavírus traga aprendizados concretos e mobilize a sociedade e gestores para a importância do uso de informações confiáveis para fortalecer o sistema público e melhorar a saúde das pessoas.

 

 

Roberta Costa Marques é Diretora Executiva do Instituto Desiderata e membro do Global Advocacy Consulting Group da União Internacional de Controle do Câncer.

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