Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nada a comemorar: o Dia Mundial da Saúde e a necessidade de um lockdown https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/08/nada-a-comemorar-o-dia-mundial-da-saude-e-a-necessidade-de-um-lockdown/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/08/nada-a-comemorar-o-dia-mundial-da-saude-e-a-necessidade-de-um-lockdown/#respond Thu, 08 Apr 2021 17:35:37 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/corona-4959447_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=362 Arthur Aguillar, Helyn Thami e Rebeca Freitas

Na véspera da comemoração do Dia Mundial da Saúde (7 de abril), batemos a marca recorde de 4.211 mortos por Covid-19 em 24 horas. Os dados não mentem: estamos diante de uma aceleração da pandemia inédita no Brasil. Recentemente publicamos uma Nota Técnica mostrando que, em relação a 2020, tivemos uma aceleração da média móvel de óbitos da ordem de 84%. Diante dessa tragédia humanitária, não há dúvida: é necessária a implementação de um lockdown em todos os estados brasileiros. 

Precisamos de um lockdown pois estamos no momento mais crítico já vivenciado: não existe, na história brasileira, evento comparável em número de mortos. São mais de 340 mil pessoas que já perderam a vida pela Covid-19. A dimensão do período que atravessamos não é só sentida por todas as famílias que viveram na pele a dor da perda, mas se reflete nos números atualizados dia após dia: em apenas 1 mês (de 6 de março a 6 de abril), dobramos o recorde de óbitos diários, passando de 1.840 vidas interrompidas para mais de 4 mil. Além disso, a pior semana epidemiológica do ano de 2021 registrou uma média móvel que foi mais que o dobro daquela observada na pior semana epidemiológica de 2020. 

Com a disseminação de novas variantes e o risco de que novas ainda possam surgir diante do descontrole de transmissão, o Brasil se tornou uma bomba-relógio. O número de infectados no país corresponde a 10% do número de casos registrados no mundo(1). Atualmente, o Brasil registra o segundo maior número de óbitos por Covid no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e superou o total de óbitos registrados na Ásia, o maior continente do mundo. O descontrole do número de óbitos se evidencia também nas projeções de cientistas para o mês de abril, que apontam para a possibilidade de atingirmos a marca de 5 mil óbitos por dia, caso não haja lockdown. Tudo isso se soma ao avanço das novas variantes e estudos da Fiocruz comprovam que estamos vivendo uma nova fase da pandemia, tendo as mortes por Covid-19 aumentado em 352,62% na faixa etária de 30 e 39 anos entre janeiro e março deste ano. 

E não se trata somente das mortes. O nosso sistema de saúde se vê estrangulado. Somos um país em que 72% das regiões de saúde apresentam menos leitos de UTI do que o mínimo preconizado pelas normativas vigentes. Isso significa que 61% de toda a população que depende do SUS já convivia com a baixa oferta de cuidados intensivos antes da pandemia. Mesmo nas regiões que cumprem tais normativas, o cenário é de falta de leitos e insumos. Não há parâmetro técnico capaz de fazer jus ao contágio desenfreado que testemunhamos neste momento. No dia 4 de abril, 16 estados e o Distrito Federal apresentavam mais de 90% de ocupação de leitos de UTI. Enquanto isso, as filas de regulação crescem e famílias precisam implorar pela garantia do direito constitucional à saúde – muitas vezes sem sucesso. Só em março no estado de São Paulo, pelo menos 496 pessoas com Covid-19 ou com suspeita da doença morreram à espera de um leito de UTI.

Engana-se quem pensa se tratar de um colapso apenas do SUS. A saúde privada está igualmente estrangulada, vivenciando falta de insumos e de vagas e, em alguns casos, recorrendo ao sistema público para conseguir mais leitos, como ocorreu, por exemplo, em São Paulo, a maior cidade do país. O colapso é uma realidade dada ou iminente na saúde como um todo, sem distinção entre quem pode ou não pagar por um plano privado. Expandir a capacidade instalada de leitos é uma necessidade, mas não é uma solução que possa ser aplicada ad infinitum. É preciso realizar o lockdown para frear a circulação do vírus paralelamente ao esforço de vacinação, que por sua vez só deve mostrar efeitos mais expressivos no número de mortes no fim do primeiro semestre. 

O que seria um lockdown? Nossos governantes precisam implementar 5 medidas: o fechamento completo de estabelecimentos que não configuram serviço essencial; de vias e estradas a indivíduos que não sejam trabalhadores essenciais;  fechamento total ou parcial de aeroportos e rodoviárias e outros polos de transporte; banimento de eventos presenciais de qualquer espécie, incluindo religiosos; proibição do uso coletivo do espaço público a qualquer hora do dia.

Precisamos de um lockdown porque, em meio à magnitude do número de mortes, , é a coisa certa a fazer. Trata-se de uma política pública de eficácia comprovada: experiências internacionais e nacionais mostram que o lockdown funciona. Em Araraquara, após um mês de implementação da medida, viu-se uma redução de 39% no número de mortes e de 57,5% nos casos, além de 13 dias sem apresentar fila de espera para leitos de UTI. Em Paris, o Rt, número de reprodução da doença, reduziu de 3,18 para 0,68 após o lockdown (2), caso semelhante ao que ocorreu na Itália onde o Rt atingiu faixas entre 0,4 e 0,7 após 14 dias do decreto de fechamento completo de atividades não essenciais (3). Na China (Wuhan), o lockdown teve o efeito de curto prazo de aumentar o intervalo necessário para os casos dobrarem (de 2 para 4 dias) (4). Após 76 dias, a cidade chinesa se viu livre de novos surtos desde 8 de abril de 2020. Hoje, a cidade voltou à normalidade e não registra novos casos desde maio de 2020. 

Sabemos que essa recomendação é politicamente sensível e administrativamente complexa. Esperamos, no entanto, que nossos governantes tomem essa decisão com base no presente e no futuro – no nosso e no deles. A dinâmica política da pandemia não se restringe ao hoje. No longo prazo, todos aqueles que não fizeram o máximo possível para reverter a atual tragédia e o maior colapso sanitário e hospitalar da nossa história serão cobrados. Do lado da implementação, esperamos que nossa tradição na saúde pública prevaleça: que as ações de nossos governantes ecoem a coragem de líderes passados, que combateram a AIDS, a meningite, diversas síndromes gripais e outras doenças infecciosas que já assolaram nosso país.

 

Referências:

 1) Cálculo feito pelos autores com base nos dados do Ministério da Saúde e do Our World In Data.

2) Di Domenico, L., Pullano, G., Sabbatini, C.E., Boëlle, P.Y. and Colizza, V., 2020. Impact of lockdown on COVID-19 epidemic in Île-de-France and possible exit strategies. BMC medicine, 18(1), pp.1-13

3) Guzzetta, G., Riccardo, F., Marziano, V., Poletti, P., Trentini, F., Bella, A., Andrianou, X., Del Manso, M., Fabiani, M., Bellino, S. and Boros, S., 2020. The impact of a nation-wide lockdown on COVID-19 transmissibility in Italy. arXiv preprint arXiv:2004.12338

4) Lau, H., Khosrawipour, V., Kocbach, P., Mikolajczyk, A., Schubert, J., Bania, J. and Khosrawipour, T., 2020. The positive impact of lockdown in Wuhan on containing the COVID-19 outbreak in China. Journal of travel medicine, 27(3), p. 37.

Arthur Aguillar é coordenador de Políticas Públicas do IEPS 

Helyn Thami e Rebeca Freitas são pesquisadoras de Políticas Públicas do IEPS

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É preciso imunizar a todos o quanto antes https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/06/e-preciso-imunizar-a-todos-o-quanto-antes/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/06/e-preciso-imunizar-a-todos-o-quanto-antes/#respond Tue, 06 Apr 2021 10:00:17 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/pais-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=355 Miguel Lago e Arthur Aguillar

 

Desde março do ano passado, prefeitos e governadores assumiram a responsabilidade de formular respostas para a pandemia. Sem apoio do Ministério da Saúde, coube aos governos locais evitarem uma hecatombe ainda maior. Apesar da descoordenação natural, prefeitos, governadores e sociedade civil têm experimentado novas interfaces de cooperação. Nossas atenções e esperanças deveriam estar também dirigidas a elas. Do governo federal, precisamos de apenas duas coisas: que garantam a chegada das vacinas nos municípios, e que não atrapalhem os esforços de cooperação.

Nos últimos dias, assistimos a mais uma iniciativa. Os prefeitos brasileiros, através da Frente Nacional dos Prefeitos, lançaram no último dia 19 um vídeo buscando chamar a atenção para a crise da Covid-19 no Brasil. O vídeo é um pedido de ajuda de prefeitos que vem de lugares diferentes do país (de Pelotas a Belém) e do espectro político (do PSOL ao DEM passando pelo PSDB e pelo PDT), e que estão exercendo a liderança num momento tão grave da crise sanitária em que o governo federal está abandonando sua responsabilidade. A mensagem que estes prefeitos trazem é clara: sem vacinas chegando mais rápido e um reforço mais intenso das medidas de isolamento social, continuaremos a cada minuto vivendo uma catástrofe imensa e seremos um risco para a saúde pública em todo o mundo.   

No vídeo, os prefeitos argumentam que conter a Covid no Brasil é uma questão de interesse interno (pelo custo humanitário de tantas mortes, pelo sobrecarregamento hospitalar e pelo custo financeiro advindo do combate à crise e das medidas de isolamento social) e externo, uma vez que a acelerada proliferação desta segunda onda aumenta a probabilidade de surgirem novas mutações do vírus, potencialmente resistentes às vacinas que desenvolvemos. Sem mais vacinas, não há solução. 

O debate a respeito da vacinação gira em torno de uma série de desafios. Temos até agora poucas doses administradas em relação ao que precisamos: até o último dia 4, 19,4 milhões de brasileiros haviam tomado apenas a primeira dose, e 5,3 milhões haviam recebido ambas as doses.  O declínio relevante nas taxas de cobertura das vacinas  da poliomielite e da tríplice viral sugere um engajamento menor da população. Nunca antes tivemos um processo de vacinação, em que a cabeça do desenho tripartite do SUS, o governo federal estivesse acéfala. 

Se todas essas questões preocupam, a experiência histórica do Brasil com a vacinação, e a capilaridade do sistema de saúde  nos dão boas razões para acreditar que se os governos locais tiverem as doses necessárias nas mãos, conseguiremos chegar muito rápido a uma imunização satisfatória da população. Na experiência histórica, temos inúmeros casos de vacinação rápida e eficiente de grande parte da população brasileira, como nos casos do H1N1, onde 59 milhões de pessoas foram vacinadas em 2019, e da Meningite Leucócita nos anos 70, onde mais de 90% da população brasileira foi vacinada em menos de uma semana.. Já a experiência atual dos municípios brasileiros nos mostra uma rápida aplicação das doses disponíveis. Mesmo o receio, compreensível, de que a população resiste à vacinação da Covid-19, não parece estar se confirmando: no dia 21 de março, o Datafolha lançou uma nova pesquisa de opinião, mostrando que entre Janeiro e Março a proporção da população brasileira que pretende se vacinar contra à Covid-19 subiu de 79% para 84%. Estes números nos mostram que, muito provavelmente, aquela mesma pessoa que põe em dúvida a eficácia e segurança das vacinas estará na fila para imunizar-se na Unidade Básica de Saúde mais próxima do seu domicílio, quando for a hora. 

Como as copas do mundo e os escândalos de corrupção, as catástrofes da saúde pública sensibilizam a sociedade: a eficácia, disponibilidade e os testes de vacinas tornaram-se  temas recorrentes na mesa de jantar dos brasileiros e brasileiras. O turbilhão de informações talvez nos desfoque da única coisa que importa agora. Mais do que a compra desta ou daquela vacina, a prioridade nacional deve ser apenas uma: garantir, o quanto antes, a chegada nos municípios do número de doses necessário para a vacinação de toda a população brasileira.

Recentemente o Presidente do Senado afirmou que o Brasil já  encomendou um quantitativo de doses suficiente para imunizar toda a população. A notícia é boa, mas não resolve o problema: em meio ao pico histórico da Covid no Brasil, cada dia conta. Não precisamos de vacinas contratadas, precisamos de vacinas entregues e disponíveis para os municípios.

Para que tornemos isso uma realidade, cada um deve exercer seu papel. Governadores precisam responsabilizar-se por medidas mais restritivas de isolamento social, ao menos enquanto estamos nesta segunda onda. Se existe um custo político associado à imposição dessas medidas, é hora dos governadores, cada vez mais articulados, assumirem este custo conjuntamente, anunciando um conjunto de medidas tomadas por todos os estados. Mas isso não é suficiente. Para frear a crise precisamos de mais vacinas: qualquer estratégia que negligencie este fato será como enxugar gelo. Precisamos deixar um pouco de lado a atuação do Governo Federal, pois dificilmente algo de efetivo virá de lá. É necessário cobrar do Governo Federal a entrega rápida do número de doses necessário para a imunização da população. Uma coisa sabemos: se a vacina chega, governadores e prefeitos não fugirão de sua responsabilidade de vacinar a todos o quanto antes.

 

Miguel Lago é diretor-executivo do IEPS

Arthur Aguillar é coordenador de políticas públicas do IEPS

 

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Do combate à convivência: respostas de municípios à pandemia de Covid-19 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/12/21/do-combate-a-convivencia-respostas-de-municipios-a-pandemia-de-covid-19/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/12/21/do-combate-a-convivencia-respostas-de-municipios-a-pandemia-de-covid-19/#respond Mon, 21 Dec 2020 13:29:09 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/corona-4959447_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=334 Arthur Aguillar, Gabriella Lotta, Helyn Thami e Matheus Nunes

 

Nos últimos meses, os países do Atlântico Norte estão vivendo uma segunda onda da pandemia de Covid-19: após uma queda drástica nos casos desde meados de maio, os governos de países como Espanha, Inglaterra e Itália tentam responder ao aumento de casos impondo um novo conjunto de medidas de isolamento social. Nestes países, a pandemia, da mesma forma que a vida no poema Dia da Criação, de Vinicius de Moraes, vem em ondas. No Brasil, contudo, a pandemia não vem em ondas, mas se apresenta em um sinistro platô de mortes, e, nas últimas semanas, vem ainda acelerando. Quais as implicações de tal fato para o enfrentamento da pandemia? Em especial, como as pequenas cidades de um país que nunca foi para principiantes,  caracterizado por sua descentralização administrativa, desigualdades regionais e pela capacidade de estado local heterogênea, lidam com um evento de tamanha gravidade como a pandemia da Covid-19?

Na nota técnica “Do combate à convivência: respostas de municípios à pandemia de Covid-19” , que lançamos hoje, fruto da parceria entre o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Núcleo de Estudos das Burocracias (NEB/FGV), tentamos responder a essa pergunta. Para tal, acompanhamos 31 pequenos municípios do Norte e Nordeste do Brasil ao longo de 3 meses, para compreender as respostas à pandemia. As análises mostram que encontramos uma dinâmica pautada por dois momentos: a crise e a convivência. Esses dois momentos são bastante distintos, e o Brasil, junto talvez aos Estados Unidos, possui essa chamada jabuticaba que é a convivência com uma pandemia. Mas, antes, falemos da crise.

O momento da crise é bastante parecido no Brasil e no resto do mundo, e corresponde ao período entre o primeiro óbito e o ponto onde a média móvel de óbito atingiu seu máximo em meados do ano. A análise das respostas municipais mostra que este período foi marcado por medidas draconianas de isolamento social e sobrecarga das redes de saúde, seja no âmbito da assistência direta, seja na capacidade de testar e diagnosticar a doença em tempo oportuno. Talvez devido à novidade e complexidade do desafio, é também um período caracterizado por diversos erros de gestão: municípios fecharam algumas das Unidades Básicas de Saúde e tiveram dificuldades em implementar estratégias epidemiológicas como barreiras sanitárias, testagem e políticas de rastreamento de contatos. Os desafios enfrentados pelos municípios nessa fase se parecem muito com o que foi visto no início da pandemia na Europa e, durante um período maior, no resto da América Latina.

Já o convívio é coisa nossa, de alguns países da América Latina e, em algum grau, dos Estado Unidos, que também observaram taxas altas de infecção ao longo de todo o ano. Se a Europa foi caracterizada por rápidos períodos de pico com uma redução drástica da quantidade de casos entre os picos, isso simplesmente não ocorreu no Brasil: desde que a pandemia começou, seguimos tendo altas taxas de contaminação e óbitos sem uma redução drasticamente diferente do pico. Daí o resultado: não tivemos outra opção senão conviver com a pandemia. E a ideia de convivência é o que marca as respostas encontradas nos municípios no segundo período analisado, correspondente a setembro e outubro. Convivência significou reabertura total ou parcial dos estabelecimentos; significou uma amenização dos conflitos entre os prefeitos e outros atores locais; significou reorganização de alguns serviços de saúde; e significou, acima de tudo, uma gestão mais baseada em aprendizados. Foi neste período, por exemplo, que as prefeituras reabriram as Unidades Básicas de Saúde e começaram a utilizar os profissionais de forma mais estratégica. Também foi neste período que a sobrecarga da rede assistencial e os déficits de insumos diminuíram significativamente.

Se por um lado a passagem de tempo favoreceu a reposição de insumos que escassearam durante os primeiros meses e semanas de pandemia, essa mesma passagem do tempo e dos acontecimentos – mortes, casos, colapsos do sistema de saúde – também mostrou um agir do estado que denota um  “novo normal” mesmo sem uma trajetória descendente na curva.

O convívio nos mostra uma dinâmica conhecida no Brasil: a convivência perene da Sociedade e do Estado com problemas absurdos, seja a violência urbana e as altas taxas de homicídio, sejam os bolsões onde a incidência de doenças infecciosas que a ciência conhece há muitas décadas, como sífilis, dengue e tuberculose, é rotineiramente elevada.

Os aprendizados – adquiridos em tempo recorde pelos gestores e gestoras – se configuram como potenciais legados para muito além da pandemia. Revisão e redimensionamento da força de trabalho, reativação de capacidade instalada ociosa, aumento rápido de capacidade instalada, mais intimidade com a coleta e análise de dados, implementação ágil de políticas relativamente novas (como a telemedicina), diversidade de atores considerados na tomada de decisão são apenas alguns deles. A resiliência dos gestores públicos foi posta à prova pela crise sanitária e o grau de maturidade da ação mostrou, em alguma medida,  a capacidade de reação destes.

Por outro lado, permanece o desafio de criar resiliência e estratégias de vigilância sistemáticas que permitam uma resposta rápida porém menos reativa às emergências de saúde pública. O SUS (e seus gestores e gestoras), cujo valor está mais claro do que nunca, somam, portanto, dois desafios: conviver com a pandemia até que proporção suficiente de brasileiros estejam vacinados e ampliar a resiliência do sistema para enfrentar outras problemáticas sanitárias – por vezes amenizadas pelo costume da convivência – com as quais lidaremos por ainda mais tempo.

Gabriella Lotta é Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB/FGV)

Arthur Aguillar e Helyn Thami são pesquisadores do IEPS 

Matheus Nunes é mestrando em Administração Pública pela Fundação Getútlio Vargas (FGV)

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Precisamos resgatar a ideia de que a ciência é apartidária, diz epidemiologista de Harvard https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/09/06/precisamos-resgatar-a-ideia-de-que-a-ciencia-e-apartidaria-diz-epidemiologista-de-harvard/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/09/06/precisamos-resgatar-a-ideia-de-que-a-ciencia-e-apartidaria-diz-epidemiologista-de-harvard/#respond Mon, 07 Sep 2020 02:15:23 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/61bc2a1ab4d4a5a3801cc2bc172f73a6e91a2df41ad82036651044a4baf58dcf_5f544398abc1d-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=273  

Pablo Peña Corrales

Miguel Lago

Fernando Falbel

Em fevereiro deste ano, quando a Covid-19 parecia uma preocupação distante, Marc Lipsitch alertou para o alto risco de uma pandemia. Como professor de epidemiologia na Universidade Harvard especializado em modelagem matemática de epidemias, ele logo encontrou padrões alarmantes de contágio e mortalidade. Desde então, Lipsitch é um dos cientistas mais consultados pela mídia norte-americana para entender a evolução da pandemia no mundo.

 

Em 2019, um índice global de segurança sanitária feito pela Universidade Johns Hopkins e pela revista The Economist classificou EUA e Reino Unido como os países mais bem preparados para uma epidemia. A China não estava no top 50, e a Nova Zelândia nem no top 30. O quadro evoluiu de forma bem diferente. Como a Covid-19 mudou nosso entendimento do que significa estar preparado?  

 

 

Marc Lipsitch: A pandemia mostrou que a liderança, em nível nacional e subnacional, pode pesar mais do que dispositivos sistêmicos. Não que baste ter boa liderança; um país desprovido de infraestrutura continuará despreparado. Mas, se há capacidade sistêmica, o nível de liderança —tanto em termos de respeitar a ciência e a saúde pública como de planejamento estratégico e coordenação— pode superar todo o resto.

Os EUA não tinham plano, e a resposta tem sido mais tática do que estratégica em nível nacional. Daqui em diante, creio que os índices de preparo deverão levar em conta não só o país, mas seu governo.

A Organização Mundial da Saúde tem sido criticada por sua resposta lenta à crise, como ter demorado para aconselhar o uso de máscaras em locais públicos. A OMS argumenta que só deveria mudar suas diretrizes diante de evidências esmagadoras. O sr. concorda? 

Não. Diante de epidemias de doenças infecciosas, em que a ação precoce importa muito, o critério deveria ser a existência de evidência sugestiva de um benefício e nenhuma grande desvantagem em fazer determinada coisa. A evidência pode favorecer a ação mesmo que não seja conclusiva.

Um exemplo é o lockdown preventivo. A evidência era muito forte de que ele poderia retardar a crise por vir. Embora o lado negativo não fosse pequeno, sua mitigação era possível, de modo que defendi medidas rápidas antes de sabermos todos os detalhes e dados. Uma abordagem mais analítica de decisão, em vez de uma abordagem apenas de evidência científica, é apropriada no caso.

Nos últimos meses, houve uma explosão de artigos científicos sobre a Covid-19 compartilhados em versões preprint, antes da revisão por pares, da verificação e revisão detalhada. O fato de as proteções do rigor científico estarem sendo dribladas preocupa?

Isso é uma bênção e uma maldição, embora mais positiva que negativa.

A revisão por pares é um dentre quatro níveis de controle de qualidade científica.

O primeiro é o treinamento dos cientistas para que eles saibam o que estão fazendo —e que vem sendo driblado, com pesquisadores trabalhando em campos com que estão pouco familiarizados.

O segundo é a autoedição científica: sua reputação está atrelada à credibilidade do seu trabalho, portanto evitar estar errado é um importante incentivo. No entanto, esse processo está sofrendo uma erosão pela pressa de publicar.

A revisão pelos pares, o terceiro nível, nem sempre está acontecendo e é também um processo imperfeito, mesmo quando funciona. A replicação é o quarto, e muitas vezes não há tempo para fazer isso.

Portanto, acho que a rapidez é um problema. Dado o enfraquecimento dos mecanismos de controle de qualidade, não me preocupam os preprints, até porque elas têm aspectos positivos, como acelerar as comunicações, o que é valioso.

Fora que a revisão por pares no Twitter está realmente acontecendo, já participei de ambos os lados. Acabei de colocar um preprint no MedRxiv que recebeu muitas críticas no Twitter, muitas das quais incorporamos na nova versão.

Acho que outros mecanismos estão funcionando. Não que substituam a revisão por pares, ou que sejam perfeitos, mas quem não aceita ser criticado deveria sair da ciência.

Algumas pessoas sugerem que devemos analisar o que foi chamado de totalidade das evidências, ou seja, incluir as desvantagens dos lockdowns sobre a economia, a saúde mental, a desigualdade etc. É possível incluir tantas dimensões na tomada de decisões do dia a dia?

Eu concordo com esse princípio, de que se os bloqueios fossem mais prejudiciais em termos de saúde mental e economia do que benéficos em termos do vírus isso seria uma consideração importante contra.

Na prática, contudo, é muito difícil comparar. Primeiro, cada efeito desses é difícil de estimar. Segundo, se o vírus está se espalhando, isso tem efeitos amplos: afeta a saúde mental e a economia, pois a reação das pessoas é tentar se isolar. Não é questão de separá-los, contá-los e pesá-los. Está tudo inter-relacionado, e a dimensão temporal é confusa.

Acho que é realmente difícil e não culpo nenhuma decisão política por ter dificuldade em equilibrá-los. Mas a decisão a curto prazo, a decisão imediata de bloquear, foi válida. Minha percepção no momento é que ainda temos um equilíbrio favorável em relação a medidas de controle extremas, pois elas podem reduzir o número de casos de maneira relativamente rápida.

Isso não significa que se deva lidar assim com todo surto viral. Se este fosse menos letal, a decisão poderia ser outra.

A solução parece ser a vacina. Temos mais de 160 candidatas, mais de 20 em teste, e os resultados iniciais parecem promissores. O que está por trás deste sucesso?  

Houve enorme investimento por governos e empresas, e minha intuição diz que a busca por vacinas contra o coronavírus da Mers e da Sars, que já estava em curso, deu impulso.

Ainda ficaria surpreso se uma vacina viável chegasse, plenamente, antes de 18 meses após o começo da pandemia [antes de junho de 2021].

As previsões atuais são que talvez daqui a uns meses tenhamos duas ou três candidatas com alguma comprovação. Seria surpreendente se elas fossem vacinas excelentes, pois esta é claramente uma infecção difícil, e geralmente as primeiras vacinas inventadas são imperfeitas.

Do ponto de vista da saúde pública, há uma forma ideal de distribuir a vacina? Seria por nível de vulnerabilidade ou é melhor imunizar totalmente toda uma região? Alguma estratégia parece mais eficaz? 

Depende das características da vacina. Há de se ver se ela oferece proteção contra infecção e transmissão ou apenas protege contra doenças. Ainda é cedo, mas meu palpite é que ela fará um pouco dos dois. Algumas pessoas interpretaram que os ensaios em símios da vacina de Oxford sugerem ser mais provável que ela proteja só contra doenças; eu acho que não necessariamente.

Se ela protege contra doenças e sintomas graves, será importante vacinar antes pessoas de alto risco; se ela protege contra a transmissão, pode valer a pena priorizar profissionais de saúde e outras pessoas.

A segunda dimensão é se ela funciona tão bem nas pessoas de alto risco como funciona nos jovens saudáveis. Se sim, há um argumento forte para priorizar as pessoas com maior risco de complicação, sobretudo se houver um número limitado de doses.

Se não funciona tão bem neles, então acaba sendo melhor uma estratégia em que se vacinam prioritariamente as classes de transmissão, em grande parte pessoas jovens, saudáveis, e depois se tenta proteger os idosos e as populações de risco indiretamente.

A resposta está na interseção dessas duas questões. Quando a primeira vacina for aprovada, não teremos certeza de nada disso, pois os ensaios não têm o poder de estudar os efeitos em todos os subgrupos.

Em países como os EUA e o Brasil, questões técnicas como usar máscara ou tomar hidroxicloroquina viraram questões partidárias. Seria possível isolar a resposta científica à Covid-19 da política? 

Isso exigirá esforços a longo prazo, e o terreno dessa politização foi preparado por grupos de esquerda e de direita, mas sobretudo de direita, que politizaram questões científicas como vacinas e mudança climática.

A visão de que a ciência é para todos e não tem partido precisa ser recuperada.

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Covid-19 terá onda de efeitos na saúde mental, diz professor de Harvard https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/09/01/covid-19-tera-onda-de-efeitos-na-saude-mental-diz-professor-de-harvard/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/09/01/covid-19-tera-onda-de-efeitos-na-saude-mental-diz-professor-de-harvard/#respond Tue, 01 Sep 2020 14:57:28 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/37509663536_2b3b6fd8b4_o-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=269

Dr. Shekhar Saxena

Pablo Peña Corrales e Miguel Lago

 

A Covid-19 ameaça a saúde mental de milhões de pessoas no mundo. O isolamento social, as mortes de amigos e familiares, a crise econômica e o desemprego aumentam o risco de depressão, ansiedade e outras doenças.

Antes da crise, 14% da carga global de doenças era atribuída a questões de saúde mental. Segundo especialistas, a tendência é que isso aumente com a pandemia.

 

 

A despeito de sua frequência e gravidade, as doenças mentais são ainda muito pouco visibilizadas. O senhor. poderia explicar quais fatores afetam a saúde mental?

 

A saúde mental pode ser influenciada por fatores genéticos e biológicos, mas também por fatores socioeconômicos e sociodemográficos. Para dar alguns exemplos de demografia; as doenças e o nível de saúde mental dependem do estágio vital. Na primeira infância há mais risco de autismo, na adolescência de depressão e ansiedade, e na velhice de demência.

Em todas as etapas do ciclo de vida os efeitos econômicos e sociais pesam. Tanto a pobreza absoluta como a relativa estão associadas a uma maior prevalência de transtornos mentais, especialmente ansiedade, depressão e abuso de substâncias.

A pobreza afeta direta e indiretamente a saúde mental, piorando a nutrição, o status e a educação e aumentando a violência. Além disso, as iniquidades predizem a extensão dos problemas mentais na comunidade.

 

Algo que parece bastante paradoxal é o quanto a saúde mental ruim prevalece também nas sociedades desenvolvidas. Por que você acha que isso acontece? 

 

Tenho dito com muita frequência que, quando se trata de saúde mental, todos os países são países em desenvolvimento. O sistema de saúde que muitos países de alta renda têm não é adequado para o tipo de assistência que as pessoas precisam. Especialmente no que diz respeito à parte de promoção e prevenção, que está quase totalmente ausente. Mesmo no tratamento há muitas dificuldades. Mesmo em países de alta renda, 60% das pessoas que sofrem de depressão não são identificadas e tratadas. E a porcentagem em muitos dos países de baixa e média renda essa taxa é de quase 90%.

 

Você está preocupado com o impacto que a crise da Covid-19 pode ter na saúde mental global?

 

Muito. Não só estamos enfrentando mais fatores socioeconômicos que deveriam dar origem a mais problemas de saúde mental: desemprego, diminuição de renda, maior isolamento e maior carga com cuidado de crianças e idosas, trabalho remoto. Também estamos enfrentando a diminuição do acesso aos cuidados de saúde mental porque você não pode ir ao hospital e não pode comprar drogas.

Depois da primeira onda viral, eu temo uma segunda onda na saúde mental. Este não será um efeito de curto prazo, mesmo que a Covid-19 se resolva amanhã e ninguém mais seja infectado, o impacto socioeconômico disso continuará pelo menos por muitos anos. Isto dará origem ao aumento das disparidades na sociedade, o que terá um impacto sobre a saúde mental.

 

Precisamos de um novo enfoque para a saúde mental?

Primeiro, precisamos reconhecer que a saúde mental é uma parte da saúde. Segundo, nós devemos lembrar que a definição de saúde é sobre bem-estar físico, mental e até mesmo social. A maioria dos países tem um Ministério da Saúde que na verdade é um ministério da doença. A maior parte do tempo e recursos são destinados a tratar doenças. Ora, ainda que a integralidade de uma população não esteja doente, é necessário cuidar da saúde de todos. Terceiro, a saúde mental tem que ser vista como uma dimensão contínua, em vez binária, e mutante no tempo. Todos estamos sujeitos a  ter problemas mentais em algum momento da vida e é possível intervir em distintas etapas, não apenas no pico do sintoma.

 

Há mais de uma década, você editou uma série de artigos no Lancet e declarou com o título que não havia “nenhuma saúde sem saúde mental”. Naquela época já havia um consenso sobre como melhorar a saúde mental. Mas porque tem se avançado tão lentamente?

 

Existem vários fatores. O primeiro é preconceito da sociedade e dos formuladores de políticas. Quando falamos com os formuladores de políticas, eles enfatizam a importância da saúde mental. Mas quando se trata de decidir sobre o orçamento e fazer planos, é uma das menores prioridades entre todas as questões.

A segunda razão é que carecemos de recursos humanos suficientes para proporcionar saúde mental. Na verdade, os desenvolvimentos recentes no Brasil, até onde eu sei, estão indo muito em direção ao desenvolvimento de habilidades profissionais, mas mesmo assim há uma escassez de profissionais de saúde que cuidam da saúde mental.

 

Finalmente, as alocações financeiras têm sido muito pobres. O mundo gasta muito pouco em saúde mental, em países de alta renda, a porcentagem está entre 4% e 5% do orçamento da saúde. Nos países de baixa e média renda, é cerca de 1-2% do orçamento.

 

Como podemos mudar essa cultura onde a saúde mental é algo que não se discute publicamente ou que preferimos esconder?

 

Antes da Covid-19, o mundo acreditava que havia algumas pessoas que tinham distúrbios mentais, e todas as outras estavam bem. Hoje, o estresse incomum que muitas pessoas estão enfrentando está diminuindo o estigma. Essa é a resposta rápida, mas a resposta mais longa é que precisamos reconhecer não apenas a parte da doença em uma pessoa, mas também a parte normal de uma pessoa, para que vejamos as pessoas com experiência vivida de doença mental como pessoas em primeiro lugar e a doença em segundo.

 

O estigma não se reduz com a publicação de um artigo de jornal, ele se reduz vivendo com pessoas que estão enfrentando problemas de saúde mental e falando sobre isso.

 

Há mais de quatro décadas, a declaração de Alma Ata, em 1978, pediu a integração da saúde mental na saúde primária. O que precisa mudar para que essa integração seja plenamente alcançada?

A orientação é muito clara: todos os profissionais de saúde precisam ter um conhecimento básico de saúde mental. Um sistema ideal de saúde mental seria organizado com um primeiro nível de atenção, com cuidados informais e cuidados primários e em um segundo nível com cuidados especializados.

 

Este sistema seria muito útil para diminuir até mesmo o estigma, porque se você não tiver que ir a um psiquiatra, você se sentirá muito melhor. Infelizmente, a capacidade do sistema é muito pequena. Além disso, a maioria dos sistemas de saúde não tem uma métrica de avaliação para o tratamento de problemas de saúde mental.

 

Qual você acha que é o potencial da tecnologia, inovação, dados, para melhorar a saúde mental? Está limitada pelos riscos de privacidade?

 

A tecnologia tem estado pronta para a assistência à saúde mental por muito tempo, mas havia muitas barreiras para implementá-la. De repente a pandemia abriu a porta para isso. A tecnologia pode ajudar de várias maneiras. Uma delas é treinando pessoas e construindo suas habilidades. Também pode ajudar as pessoas que acessam a saúde mental remotamente.

 

Sobre privacidade, acredito que ela é importante para todos nós, não apenas na saúde mental. Você confia nos sites para colocar o número do seu cartão de crédito e em sites para fazer amigos. A saúde mental não é algo muito diferente de qualquer outra área sensível. A privacidade pode ser uma barreira para a tecnologia, mas às vezes também pode ser um facilitador.

Muitas pessoas, especialmente os jovens, têm uma grande relutância em começar a falar com a pessoa, mas na verdade eles estão muito felizes em falar com uma máquina.

 

Se você tivesse que dar uma recomendação a um político que lesse esta entrevista, por onde ele teria que começar?

 

Penso que o contexto importa, mas existem algumas recomendações gerais que são aplicáveis para o mundo inteiro. Minha mensagem para um tomador de decisão, seja ele um administrador ou um político, é que a saúde mental é importante demais para continuar sendo ignorada. Devemos investir mais nela. Não apenas para a saúde do povo, mas também para o desenvolvimento e prosperidade do país.

 

Minha mensagem para os prestadores de serviços de saúde – independentemente da função que exercem dentro do sistema – é que adotem uma abordagem integrada e não ignorem a saúde mental,. Minha mensagem para a população em geral é que a saúde mental é importante demais para que você a ignore ou evite procurar ajuda.

Shekhar Saxena foi editor de séries sobre o tema para a prestigiosa revista científica The Lancet em 2007, 2011 e 2018. Atualmente é professor na Universidade de Harvard. 
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Uma proposta de agenda para o SUS https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/31/uma-proposta-de-agenda-para-o-sus/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/31/uma-proposta-de-agenda-para-o-sus/#respond Mon, 31 Aug 2020 23:16:58 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Samu_em_Ibotirama_2011-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=264  

Ricardo de Oliveira

A pandemia da Covid-19 jogou uma luz forte sobre a importância do SUS na proteção à saúde da população e da necessidade do seu aperfeiçoamento. O desafio é complexo, mas o setor saúde tem profissionais e organizações qualificadas capazes de ajudar o país a superá-lo, conforme observamos no enfrentamento da atual pandemia.

Para superar esse desafio é necessário estabelecer uma agenda que oriente os debates sobre como melhorar a prestação de serviços do SUS.

Essa agenda deve contemplar as várias dimensões que impactam a prestação dos serviços de saúde, conforme abaixo relacionado:

  1. REORGANIZAÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE

Essa agenda se impõe, especialmente pela atual transição demográfica que indica um envelhecimento da população e consequente predomínio das doenças crônicas. O novo modelo deve superar a atual fragmentação do sistema de saúde, de modo a promover maior articulação e coordenação entre os vários níveis de atenção (primária, ambulatorial especializada e hospitalar) e, assim, organizar melhor o fluxo dos usuários dentro do sistema. É necessário, também, promover os conceitos de vida saudável (alimentação e exercício físico), do auto cuidado e implantar as Redes de Atenção à Saúde. É fundamental o fortalecimento da atenção primária como porta de entrada nas redes de assistência e coordenadora do processo de atendimento. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) desenvolve dois importantes projetos para reorganizar o modelo de atenção à saúde: a planificação da atenção primária e da ambulatorial especializada.

  1. FINANCIAMENTO

Os aportes financeiros ao SUS são baixos, se comparados aos exemplos internacionais. O Brasil se encontra muito aquém do nível de gasto público necessário para financiar um sistema público e universal de saúde. O país tem um gasto público que corresponde a 47% do gasto total em saúde (público e privado), enquanto nos outros países, com sistema universal, está em torno de 70%. O nosso gasto público em saúde corresponde a 3,8% do PIB enquanto no Reino Unido é de 7,9%. No entanto, quando consideramos o gasto total, em relação ao PIB, constatamos que os nossos gastos são semelhantes aos desses países. O Brasil gasta 8,9% do PIB e o Reino Unido, considerado o melhor sistema público do mundo 9,9%.

  1. REGIONALIZAÇÃO

Um dos problemas que impactam a gestão do SUS é a excessiva municipalização dos serviços de saúde, sem que exista escala que viabilize a prestação desses serviços. A consequência é a pulverização de recursos, contribuindo para a ineficiência do sistema e prejudicando a qualidade do atendimento aos usuários do SUS. É preciso, portanto, desenvolver uma lógica política baseada em uma visão regional de assistência à saúde que promova cooperação entre os vários níveis de governo por região.

  1. REVISÃO DO MODELO DE GESTÃO

A revisão do modelo de gestão do SUS é importante para que possamos transformar os recursos disponíveis em serviços eficientes e de qualidade à população. Para tanto, o setor público de saúde deveria ter regras de gestão específicas por tratar de questões relacionadas com a qualidade e a manutenção da vida.

Relaciono a seguir, as questões que considero relevantes que interferem no ambiente de gestão do SUS:

– O atual marco regulatório administrativo e de controle do setor público que prioriza os processos ao invés dos resultados no atendimento.

– A atuação dos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos que dificultam a formação de equipes técnicas e gerenciais em função de um temor generalizado em assinar documentos ou decidir sobre processos em andamento.

– Os sistemas de informação devem ser aprimorados, inclusive para viabilizar a implantação do cartão SUS e o prontuário eletrônico.

– As dificuldades na coordenação dos vários atores políticos e institucionais que fazem parte do sistema de governança do SUS. Além do sistema tripartite, temos o Judiciário, Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, os Conselhos Profissionais, dentre outros.

– A cultura política marcada por práticas clientelistas, patrimonialistas e corporativas na relação do Estado com a sociedade que provoca ineficiências e favorece a corrupção. Essas práticas induzem à descontinuidade administrativa sobretudo pela falta de profissionalização nos órgãos públicos e a frequente troca de gestores.

  1. JUDICIALIZAÇÃO

O crescimento exponencial da judicialização da saúde é um fenômeno recente e tem sérias consequências na execução da política pública de saúde. Ela está criando outra porta de entrada no SUS, comprometendo a equidade no acesso aos serviços e mobilizando vultuosos recursos. Convém ressaltar que o acesso à justiça faz parte do Estado democrático de direito, porém, precisamos debater com urgência as razões do seu crescimento excessivo.

A justiça tem responsabilizado o gestor criando um clima que impacta fortemente o desempenho gerencial. Cada dia torna-se mais difícil selecionar profissionais para assumir cargos de chefia, uma vez que o risco de serem culpabilizados pessoalmente cresce com o aumento da judicialização. É necessário estabelecer, com urgência, um ambiente de segurança jurídica que afaste o risco dos profissionais serem responsabilizados pelas deficiências de atendimento na prestação de serviços de saúde por obrigações do Estado.

  1. COMPLEXO INDUSTRIAL, CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA SAÚDE

A pandemia do Covid-19 mostrou que o país possui uma boa infraestrutura de ciência e tecnologia e profissionais capacitados e, a necessidade de aumentar o investimento na área. Contudo, foi possível identificar deficiências que devem ser corrigidas. Precisamos, por exemplo, aumentar e qualificar nossa capacidade laboratorial e reduzir a dependência externa em relação a insumos de proteção individual dos profissionais (EPIs) e na produção de medicamentos. Essas demandas específicas e outras, podem alavancar o nosso parque industrial na internalização de tecnologias estratégicas para atender às necessidades da saúde. Uma das preocupações da política de saúde tem sido a relação com o setor produtivo para suprir as necessidades do país e deve ser fortalecida.

  1. PARCERIA COM O SETOR PRIVADO FILANTRÓPICO, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE E EMPRESAS PRIVADAS

O SUS compra serviços e produtos de vários parceiros do setor privado, como as organizações filantrópicas, as organizações sociais de saúde e as empresas privadas, uma vez que não tem estrutura suficiente para prestação de todos os serviços, tampouco produz tudo que precisa. O funcionamento adequado dessas parcerias depende fundamentalmente da capacidade do poder público de selecionar bons fornecedores, fiscalizar a aplicação dos recursos e a qualidade do atendimento aos usuários.

Uma questão importante na política de saúde é estabelecer um diálogo com as operadoras de seguro saúde com objetivo de buscar acordo sobre sua área de atuação, financiamento e sua relação complementar com o SUS na prestação de serviços. A falta de uma visão consensuada tem gerado um conflito dentro do setor saúde que provoca ineficiências.

É preciso utilizar com eficiência todos os recursos disponíveis na área de saúde, público e privado, para atendimento à população, obedecendo os mandamentos constitucionais.

Por fim, é preciso construir uma unidade política com todos os atores envolvidos, tendo como objetivo defender os interesses dos usuários do SUS. É preciso reconhecer que o SUS é fruto de uma obra coletiva, que envolve toda a população e várias instituições, perpassa vários governos e, precisa de continuidade nas suas políticas, como forma de garantir o direito à saúde. Há uma frase muito utilizada pelo CONASS que sintetiza esse diagnóstico: “O SUS não é um problema sem solução, é uma solução com problemas”.

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, consultor em gestão pública e palestrante. Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor do livro Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012. 

 

 

 

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Reabertura das escolas? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/28/reabertura-das-escolas/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/28/reabertura-das-escolas/#respond Fri, 28 Aug 2020 19:20:48 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/students-5201719_1920-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=260  

Roberto Cooper

 

Após 8 meses de pandemia, ainda não temos as informações, baseadas em evidências, que nos permitam responder à questão de reabrir ou não as escolas. Dito de outra forma, “a ciência”, tão evocada na mídia como uma entidade única e detentora da Verdade, não tem resposta para essa questão. Ou melhor, tem respostas para o gosto do freguês.

Se a pessoa está inclinada a defender a abertura das escolas, vai citar os exemplos da Suécia, Dinamarca, França e Alemanha como bem-sucedidos em termos de reabertura das escolas (a Suécia nunca chegou a fechá-las). Se a pessoa está inclinada a defender que as escolas permaneçam fechadas, vai citar os exemplos de Israel e, localizadamente, da França.

Também temos um cardápio ao gosto do freguês para a questão da transmissibilidade das crianças. O estudo da Coréia do Sul aponta, de modo resumido, que crianças transmitem e as de idades entre 10 e 19 anos, transmitem como adultos. Mas o estudo da Irlanda (muitíssimo menor) conclui o oposto. O mesmo concluem (o oposto da Coréia do Sul) os dois estudos produzidos em Genebra.

Quando me refiro ao gosto do freguês, quero dizer, sua visão de mundo, seu viés político (não há como negar a existência desse viés, para qualquer decisão), suas preferências pessoais ou afetivas. Portanto, neste momento, devemos ser francos e honestos, afirmando que não temos, evidências científicas ou epidemiológicas que possam sustentar uma posição clara de reabrir ou manter fechadas as escolas.

Se não temos essa resposta, temos alguns consensos:

  • A reabertura de escolas somente deveria se dar quando a circulação do vírus estivesse reduzida e sob controle. Isso implica em decisões locais, em função da epidemiologia. Impossível tomar uma decisão única para um estado e, muito menos, país. O consenso vai parar no enunciado porque, ato contínuo, vai se iniciar uma discussão sobre o que significa circulação reduzida e situação sob controle. Parece óbvio que a redução da circulação do vírus se dá com o isolamento social, uso de máscaras e lavagem das mãos. Quando uma sociedade privilegia a reabertura de bares e academias de ginástica, manda uma mensagem clara a respeito do valor da educação. Bares e academias deveriam permanecer fechados, favorecendo a reabertura das escolas.

Ainda para podermos abrir as escolas, uns defenderão a testagem em grande escala, enquanto outros, invocando o fato de que esta testagem é impraticável e não foi feita em lugar algum do mundo (focando na reabertura das escolas), sendo necessário utilizar o número de casos e óbitos como indicadores desse controle.

  • A reabertura das escolas somente poderá ocorrer quando, além das condições epidemiológica favoráveis, houver um protocolo bem estabelecido pelas escolas, com respeito ao funcionamento cotidiano das unidades escolares. Este protocolo deve contemplar desde a logística de entrada e saída de alunos, funcionários e fornecedores, até o tamanho das turmas e o seu funcionamento como coortes “fechadas”, passando pela desinfecção ambiental, medidas contingenciais em caso de suspeita ou confirmação de Covid-19 na comunidade escolar e treinamento de toda a equipe. Aqui, novamente, existem áreas de indefinição e subjetividade. Crianças não usarão máscaras, dirão alguns. O protocolo do Reino Unido, Dinamarca e EUA (citação não exaustiva), elimina o uso de máscaras para crianças menores de 9 a 10 anos, dirão outros. Como reduzir o tamanho das turmas é um problema real e concreto, tanto maior no setor público. Em Israel, o brote de casos ocorreu por conta de turmas grandes em dias de calor intenso, quando as janelas foram fechadas e o ar condicionado foi ligado. Em um país tropical como o nosso, esta situação não é difícil de ser imaginada.
  • Os funcionários das escolas devem ser previamente avaliados, antes de qualquer reabertura, para identificar os que podem apresentar fatores de risco como idade e comorbidades. Para estes, um planejamento à parte deverá ser feito, com o objetivo de minimizar uma exposição que coloque o funcionário em risco.
  • Reabrir escolas não significa assumir (ou fingir) que está tudo bem. Não está. O vírus ainda circula entre nós, mesmo nas cidades onde os indicadores sinalizam uma redução real de casos e óbitos. Reabrir escolas significa repensar cada detalhe da rotina diária da escola, introduzindo mudanças fundamentais nesse cotidiano. Estamos há 4 meses com o vírus entre nós e nesse tempo, seria de se supor que as escolas públicas e privadas estivessem se preparando para, quando as condições permitissem reabrir, fazê-lo com segurança. Usamos esse tempo para aprender e nos planejar ou, agora, vamos no improviso, no jeitinho brasileiro, na torcida e na fé?

 

Além dos aspectos relacionados diretamente ao vírus (transmissão, infecção, prevenção etc.), existem aspectos sociais importantíssimos que devem ser levados em consideração em qualquer decisão de reabertura ou não das escolas:

 

  • A reabertura das escolas é necessária para que os pais possam retornar aos seus trabalhos, caso estes estejam exigindo a presença física do funcionário. A classe média e os mais ricos ainda conseguem uma rede de suporte constituída por familiares e/ou empregados. Estes precisam do trabalho e saem de casa para cuidar dos filhos dos outros, sem ter com quem deixar os seus. Acrescente-se o dado que o percentual de pessoas em situação de trabalho informal é de 40%, segundo o IBGE, mas ultrapassa 50% e 11 estados. Esses trabalhadores informais precisam sair de casa, todos os dias, para conseguir colocar comida na mesa de casa.
  • As escolas, além de serem um lugar seguro (em princípio) para as crianças ficarem, oferece refeições que são fundamentais para as famílias mais pobres e vulneráveis. Nos EUA, país rico, 20 milhões de crianças dependem do café da manhã e almoço servido nas escolas. Qual seria esse número no Brasil?
  • A reabertura de algumas escolas (privadas) e não de outras (públicas), além de escancarar a forma com que a concentração de riqueza afeta, objetivamente, as pessoas, contribui para perpetuar e aprofundar as diferenças entre pobres e ricos, dificultando a tarefa de construirmos um país mais justo e equânime. Dito isso, a solução seria não permitir que as escolas privadas, dado o cumprimento das exigências e recomendações, abrissem? Ou, abrir as públicas junto com as privadas, colocando em risco este segmento da população (alunos e funcionários) porque não conseguem atender às exigências e recomendações?

 

Finalmente e não menos importante, existem os aspectos psicopedagógicos e psico-afetivos envolvidos no fechamento das escolas.

Parece ser consenso entre pedagogos que a interrupção prolongada do ensino presencial, acarreta uma perda, temporária, da capacidade cognitiva. Isto é, alunos quando retornam de férias mais longas, não apresentam a mesma capacidade de absorção de novos conhecimentos e competências que apresentavam ao final do período anterior. Assim, é de se supor que esta perda cognitiva temporária estará presente no retorno às aulas e será tanto maior, quanto maior o tempo de fechamento das escolas. Esta perda já é, habitualmente, mais intensa nos alunos de famílias pobres e vulneráveis. Com o retorno à escola, esse grupo deveria receber um suporte pedagógico específico e mais intenso, sob o risco de termos uma faixa de alunos que vão se “arrastar” ainda mais que o habitual, pelos anos escolares, com um agravamento das consequências de um ensino que já era sofrível.

Do ponto de vista pisco-afetivo, crianças, como todos os humanos, são seres sociais. O que nos caracteriza como humanos é a nossa interdependência e a necessidade de nos relacionarmos. Assim, ainda que não seja mensurado, o dano por conta do isolamento existe e está presente nas crianças. O retorno à socialização e expressão do afeto (incluindo as discussões e brigas) é um atributo fundamental no desenvolvimento emocional saudável das crianças. Manter as crianças em casa, protegidas do vírus, o que poderia ser dito de outra forma -vivas, é fundamental. Mas é preciso considerar que crianças, como adultos, são seres biopsicossociais e a escola é o espaço onde podem expressar isso de forma plena.

 

Como disse no início, não há uma pessoa que possa responder, com segurança, à pergunta: as escolas já podem reabrir? Isso, considerando uma visão binária do mundo -pode ou não pode. Ora, o mundo não funciona desta forma. O mundo é um gradiente, complexo, multifatorial e uma visão binária é típica de uma criança, onde o pensamento mágico infantil (ou pré-lógico), categoriza tudo em bom/mau, feio/bonito, gosto/não gosto. A complexidade é para adultos, assim como conviver com inseguranças e incertezas. Temos o dever moral de responder às questões complexas e não deixa-las, neste caso, exclusivamente para os pais. Quando profissionais de saúde optam por fazer um tratamento farmacológico é porque supõem que os benefícios superam os malefícios. Devemos avaliar esta questão sob a mesma ótica e ponderar benefícios e malefícios das diferentes soluções possíveis. Mais, não poderemos generalizar porque, para determinados locais ou grupos, uma solução pode ser benéfica, enquanto a mesma solução para outro local ou grupo e maléfica.

 

Não há como tratar de uma questão tão urgente e complexa, sem registrar que a ausência de uma coordenação federal, leia-se Ministério da Saúde, acolhendo diferentes saberes, promovendo o debate de ideias, buscando o bem de todos, apenas contribui para mais confusão, ignorância e obscurantismo. Quando uma ameaça a todos, poderia nos aproximar de forma humana e solidária, a abstinência do poder federal, revela o descaso pela vida.

 

 Roberto Cooper é pediatra, tem mestrado em saúde da família (Unesa), e é professor no curso de medicina (Unesa).

 

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Globalização almejada até a chegada do vírus é inatingível https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/23/globalizacao-almejada-ate-a-chegada-do-virus-e-inatingivel/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/08/23/globalizacao-almejada-ate-a-chegada-do-virus-e-inatingivel/#respond Mon, 24 Aug 2020 02:15:15 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/WhatsApp-Image-2020-08-23-at-16.38.05-300x215.jpeg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=248  

Miguel Lago e
Pablo Peña Corrales
Há décadas, Dani Rodrik, professor de economia na Universidade Harvard, adverte sobre os perigos de uma globalização excessiva, que ameaçaria a democracia e a soberania nacional, e critica receitas clássicas de liberalização e desregulação para o desenvolvimento econômico.
Agora, o economista afirma que estamos “começando a perceber que o tipo de hiperglobalização que tentamos ter até a [chegada da] Covid-19 não é mais atingível”.
“Mas muitas dessas tendências nas cadeias de valor globais já estavam se estabelecendo há mais ou menos uma década.”
As ideias de Rodrik, consideradas por muito tempo heterodoxas, estão agora no centro do debate público. Uma delas, a teoria do trilema da economia global, diz que não se pode perseguir simultaneamente democracia, soberania nacional e globalização econômica.
Se a ideia é impulsionar a globalização, afirma o acadêmico, será necessário desistir do Estado-nação ou de políticas democráticas. Se o projeto for aprofundar a democracia, é preciso escolher entre integração econômica internacional e autodeterminação nacional. Por fim, se a soberania nacional for a prioridade, será necessário apostar na democracia ou na globalização.
*
Durante a crise da Covid-19, a globalização parece ter diminuído drasticamente. Esse movimento é temporário ou duradouro? Muitos indicadores econômicos mostram uma forte queda, e não sabemos ainda quanto tempo vai demorar para se recuperar. Mas o quadro geral é que muitas dessas tendências no comércio e nas cadeias de valor globais já estavam se estabelecendo há mais ou menos uma década. Após a crise financeira global de 2008, o comércio mundial começou a desacelerar a expansão das cadeias de valor globais, e começamos a ver uma regionalização cada vez mais forte.
Se observarmos a proporção das exportações no PIB, a China viu uma queda em torno de 15 pontos percentuais, e a Índia caiu algo como cinco pontos percentuais. Portanto, há tendências seculares em curso que nos afastam do que eu chamaria de “hiperglobalização”.
Nessa nova globalização, e diante da Covid-19, como ficará a mobilidade da mão de obra e a migração global? Mais limitada? Penso que sim. Mas gostaria de salientar que os países estavam começando a limitar o fluxo internacional de pessoas. Nunca tivemos um regime internacional que regulasse e liberalizasse progressivamente a circulação de pessoas entre países, ao contrário do que ocorre com comércio de bens, serviços, capital e finanças.
Eu diria que, nos últimos 20 ou 30 anos, uma combinação de globalização crescente e tendências tecnológicas realmente afastaram as sociedades umas das outras. Tem havido muita insegurança, econômica, cultural, física e, agora, cada vez mais, de saúde.
O sr. disse que existem diferentes tipos de globalização. Vivemos três globalizações diferentes desde o final do século 19, e acho que poderíamos facilmente imaginar diferentes variantes no futuro. Diferentes globalizações se distinguem pelos mercados em que a globalização ocorre. Com o padrão ouro no final do século 19, por exemplo, a globalização era uma em que não se tinha apenas capital, mas também livre mobilidade de trabalhadores, algo que não existe depois da Segunda Guerra, quando ela focou mais bens industriais.
O tipo de globalização que tivemos desde a década de 1990 restringiu cada vez mais o que os governos eram capazes de fazer em suas economias domésticas. A tarefa agora é visualizar uma globalização que será muito mais consistente com o tipo de diversidade que temos no mundo.
Precisamos alcançar um equilíbrio entre os ditames de uma economia mundial aberta e as preferências de diferentes nações para conduzir seus modelos econômicos e sociais.
Como podemos identificar quais áreas precisam de regras globais e quais áreas deveriam ser reguladas por determinação nacionais? Há dois critérios que nos moveriam na direção da cooperação global. Um deles é se questionar se existem características de bens públicos. Se sim, haveria incentivos significativos para que os países ajam como passageiros clandestinos e gerem resultados muito negativos para o mundo como um todo se não houver regras globais ou disciplinas globais?
Duas áreas em que isto se aplica especialmente são, primeiro, a mudança climática, porque ela afeta a todos, mas nenhum país quer pagar o custo da descarbonização, e, segundo, a saúde pública, incluindo o desenvolvimento de vacinas e terapias. Curiosamente, a maioria das áreas econômicas em que temos realmente procurado criar regras globais não tem características de bem público global.
Os países têm interesse em estabelecer regulamentos financeiros adequados, políticas econômicas abertas e estabilidade macroeconômica. Portanto, os países relativamente bem governados tenderiam a perseguir políticas econômicas que também são boas para todos os outros.
Um segundo critério para a cooperação global é evitar políticas genuinamente mesquinhas. Elas são relativamente poucas: o abuso do poder de mercado, por exemplo, com países que produzem alguma mercadoria rara e podem aumentar os preços nos mercados mundiais, ou países que estabelecem paraísos fiscais para empresas fictícias. Se não tivermos bens públicos ou políticas mesquinhas, acho que o instinto deveria ser deixar os países escolherem o que querem fazer por conta própria.
Que tipo de coordenação global precisamos nas políticas de saúde? Todo regime global enfrenta uma espécie de compromisso entre os benefícios das regras comuns e os benefícios da diversidade, ou a experimentação de regras.
Na saúde, é muito importante ter uma cooperação global em redes de informação e conhecimento. No caso da Covid-19, houve atrasos significativos no compartilhamento de informações, e outros países pagaram caro por isso. Outra grande área da saúde em que haveria benefícios significativos de uma cooperação global seria o desenvolvimento de vacinas.
Uma vez que a vacina é desenvolvida, o custo para utilizá-la é muito pequeno. Se tivéssemos um sistema de saúde pública global realmente bom, a pesquisa para a vacina seria realizada por meio de uma organização de saúde global.
Há outras áreas em que precisamos ser mais cuidadosos. Se você centralizar as recomendações de resposta [a crises], pode acabar coordenando políticas erradas, e às vezes há benefício em deixar os países seguirem seus próprios caminhos para que possam descobrir o que funciona melhor.
Um exemplo concreto disso é que, no início, a OMS [Organização Mundial da Saúde] foi bastante contrária ao uso de máscaras, o que acabou se revelando, em grande parte, um erro. Em um mundo onde a OMS fosse levada muito mais a sério e, assim, muitos mais países seguiriam suas recomendações provavelmente teríamos ficado em uma situação pior.
O trilema que o sr. desenvolveu sugere que os países só podem escolher dois elementos entre globalização, soberania nacional e democracia. A soberania nacional está no caminho para dominar essa trindade? A razão pela qual isso está acontecendo é que principalmente os populistas autoritários de direita têm entendido efetivamente a lógica do trilema. Eles aproveitaram as tensões que o trilema destaca para ganhar impulso político e não estão interessados em fortalecer a democracia, porque seus instintos tendem a ser autoritários.
Penso que a única maneira de sairmos dessa situação é esperar que tenhamos forças políticas progressistas, uma espécie de populismo de esquerda que possa não só capturar o terreno em termos de soberania nacional, mas também fazê-lo de uma forma que não prejudique as normas democráticas. Voltando ao trilema, você pode ter no máximo dois [dos três pontos] e certamente pode ter dois. Nós estamos tendo apenas um, e isso não é bom.
A reivindicação por soberania nacional acrescentou mais tensões políticas em organizações internacionais. É algo que temos que tolerar ou existem maneiras de alcançar uma globalização mais tecnocrática? Não creio que possamos ou devemos ter uma globalização tecnocrática. A economia, a saúde ou o meio ambiente não são questões puramente técnicas; elas têm ramificações de distribuição muito significativas. Impossível imaginar qualquer tipo de regime político que seja ou deva ser isolado da política.
A maioria das instituições de representação de responsabilidade é em nível local e nacional e, nas instituições globais, a cadeia de delegação democrática é muito longa. Essa é outra razão pela qual teremos muito cuidado ao delegar demais a organizações internacionais, pois isso tende a fortalecer interesses particulares que têm os recursos e a capacidade de influenciar essas organizações.
Estamos começando a perceber que, de fato, o tipo de hiperglobalização que tentamos ter até a Covid-19 não é mais atingível. Acho que isto poderia ser o tipo de motor de uma globalização mais multifacetada, mais contextual, mais flexível. Certamente também existem cenários ruins, e receio não poder ignorá-los. Depende um pouco de que lado da cama me levanto.


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Crise e soluções no Brasil: as experiências dos municípios https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/24/232/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/24/232/#respond Fri, 24 Jul 2020 11:00:16 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/test-tube-5065424_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=232 Edvaldo Nogueira, Waneska Barboza, Helyn Thami, Larissa Leme e Caroline Cavallari

 

Testar em larga escala. Essa foi a recomendação de organismos internacionais, tal qual a Organização Mundial da Saúde, e de diversos setores da academia para que se pudesse achatar a curva de contágio pelo novo coronavírus, juntamente com as políticas de isolamento social.

Nesse contexto, muitas comparações internacionais surgiram com relação à testagem, sobretudo após as experiências exitosas de países como a Coreia do Sul e a própria China. Contudo, a testagem maciça da população encontrou barreiras e desafios na realidade (ou realidades) brasileira, sobretudo em função da escassez de insumos e outros gargalos logísticos relacionados à coordenação interfederativa.

Tendo em vista as boas experiências ao redor do mundo, muitos municípios desenvolveram o interesse em realizar testagem em massa em suas populações para embasar as políticas de enfrentamento e superação da crise. A essa altura, a grande heterogeneidade de contextos entre os 5.570 municípios brasileiros impôs seu peso. Surgiu, então, a questão: como fazer? Existiria uma metodologia que servisse para todos?

Um dos municípios que se deparou com essa dúvida foi a capital sergipana, Aracaju, que tem atualmente cerca de 570 mil habitantes. A ideia inicial era realizar um inquérito amostral  – semelhante ao que estava acontecendo em outros municípios –, aplicando testes rápidos, com o objetivo de entender o comportamento da doença no território e identificar a fração da população que já tivera contato com o vírus, ainda que sem sintomas. Para isso, os gestores buscaram a plataforma CoronaCidades, que já apoiava o município em outras frentes, para suporte especializado sobre a composição da amostra.

O epidemiologista que integra o conselho técnico da plataforma, Dr. Guilherme Werneck, participou de diversas reuniões com os times de gestão e, através do entendimento mais apurado do contexto e da curva de contágio na cidade, pactuou-se a realização da testagem em etapas. Em um primeiro momento, foram selecionados dois bairros com populações semelhantes, um com casos confirmados e o outro sem, para realizar a testagem. Foram feitos 101 testes, todos negativos. Isso mostrou que ainda não era o momento de realizar um inquérito amostral mais amplo, uma vez que, naquele momento, ele implicaria em grande uso de insumos para, possivelmente, não oferecer respostas sólidas.

As equipes técnicas, então, acompanharam a curva de contágio e conseguiram basear em dados a escolha do melhor momento para a realização da testagem em amostras populacionais; amostras essas que foram definidas também com a ajuda do epidemiologista. Foi possível, por meio da parceria e empenho dos atores envolvidos, economizar (os escassos) recursos que são os testes, e extrair a melhor informação possível do seu uso, a fim de dar um embasamento sólido para as políticas públicas de saúde.

Não menos importante, o município também foi pioneiro na implementação de outras iniciativas que complementam a testagem no esforço de “achatar a curva”, como, por exemplo, a plataforma de monitoramento MonitorAju, que permite aos cidadãos tirar dúvidas sobre a doença, com suporte dado por uma equipe de profissionais de saúde. Além disso, é possível preencher um formulário com os sintomas e receber orientação por e-mail ou telefone. Uma vez que sejam detectados casos suspeitos, com base nos sintomas, os cidadãos também passam a ser monitorados de modo longitudinal, por 14 dias, seguindo as diretrizes nacionais.

A experiência do município de Aracaju mostra o quão fundamental é a combinação de expertise técnica e engajamento de gestores no enfrentamento à crise. Foi possível economizar recursos e racionalizar o destino dos mesmos, obtendo a melhor informação possível para informar o desenho das políticas públicas. Além disso, a experiência ilumina também a necessidade de pensar o contexto específico de cada cidade ou estado na hora de traçar as estratégias, ajustando ofertas técnico-metodológicas à realidade e necessidade locais.

 

A plataforma CoronaCidades oferece apoio gratuito a municípios e estados brasileiros no enfrentamento à crise. Conheça o material sobre testagem disponibilizado pela plataforma neste link, ou visite coronacidades.org para mais informações.

 

Edvaldo Nogueira é Prefeito de Aracaju.

Waneska de Souza Barboza é Secretária Municipal de Saúde de Aracaju.

Helyn Thami é especialista em Gestão de Saúde e pesquisadora do IEPS.

Larissa Leme é gestora local da Impulso.

Caroline Cavallari é coordenadora de Conteúdo e Atendimento da plataforma CoronaCidades.

 

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O retorno às aulas em meio à pandemia https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/o-retorno-as-aulas-em-meio-a-pandemia/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/o-retorno-as-aulas-em-meio-a-pandemia/#respond Wed, 22 Jul 2020 11:00:28 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/kansai-university-84363_640-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=229 Claudia Costin , Helyn Thami  e Miguel Lago 

Essa semana, grandes cidades brasileiras como Manaus e Duque de Caxias autorizaram a volta às aulas de escolas particulares. Outras capitais estão negociando com instituições privadas uma data de volta já nas próximas semanas. O prefeito Marcelo Crivella confirmará hoje se a volta às aulas se dará na semana que vem. As decisões de prefeituras chamaram a atenção da mídia internacional, como mais um episódio inusitado da maneira pouco séria em como o país conduz a resposta à pandemia. 

O principal argumento usado para a defesa da volta às aulas é a menor taxa de transmissão do novo coronavírus entre crianças, que de fato está embasado em evidências. No entanto, as mesmas pesquisas científicas não apontam inequivocamente para uma taxa significativamente menor de transmissão entre crianças e adultos. Mais do que isso, grandes estudos divulgados na última semana mostram que a faixa etária de 10 a 19 anos transmite o vírus tanto quanto os adultos. Ora, dentro das escolas, adultos e crianças convivem com difícil grau de separação. No caso das creches – aquelas que trabalham com crianças de zero a dois anos, sobretudo -, a proximidade física inerente ao cuidado (dentre outros fatores) contraindica o retorno, mesmo em um cenário de decréscimo da curva. Recomenda-se que estas não retornem no ano de 2020. 

É preciso lembrar que a comunidade escolar movimenta um ecossistema de famílias, professores, pessoal auxiliar, gestores escolares e, ainda, uma vasta gama de profissionais formais e informais que dependem das escolas, que também sairão às ruas. Isso impõe, como consequência óbvia, a redução do isolamento social.O ciclo escolar gera aglomerações em diversos momentos: no transporte casa-escola, nas entradas e saídas de escolas, dentro das escolas e daí em diante. Crianças, pais e funcionários se tornam potenciais vetores de contágio.  Vale enfatizar que o isolamento social é fator preponderante na determinação do ritmo de contágio pelo novo coronavírus – muito mais do que a idade ou qualquer outro aspecto.

Outro argumento vocalizado em defesa da reabertura das escolas é o de que, sob aplicação de protocolos de prevenção, seria absolutamente seguro retornar. Essa afirmação parte da falsa premissa de que as escolas têm condições de assegurar infraestrutura mínima para a execução impecável desses protocolos. Nesse sentido, é imperioso memorar que não são raras as denúncias de falta de material básico como sabonete e papel higiênico em algumas escolas, além do número grande de alunos por turma no contexto brasileiro. Pairam, então, as dúvidas sobre a capacidade de implementação efetiva desses protocolos, em tão curto espaço de tempo. Na prática, a teoria é outra.

Se de um lado o resultado da decisão poderá transformar as escolas em usinas de transmissão, por outro, o processo foi excludente. Professores e profissionais de educação não foram devidamente consultados,  e vieram a público manifestar suas inseguranças e seu repúdio. Na crise, a criação de consensos e a discussão ampla entre todos os atores envolvidos é crucial para garantir uma ação pública robusta e que engaje a todos na formulação e implementação de protocolos.

Soa muitíssimo grave, também, a dissonância entre orientações aos setores público e privado, em que o último está sendo autorizado a reabrir, via de regra, antes do primeiro.  As abissais desigualdades educacionais no país foram amplificadas desde o início da pandemia. Enquanto as escolas particulares conseguiram rapidamente se adaptar a um formato de educação à distância, as públicas não tiveram o mesmo êxito. A reabertura prévia de escolas particulares seria mais um passo nessa direção.  Convém que haja maior coordenação entre esses setores, para traçar um plano integrado e normatizar critérios de modo universal, tornando ambos responsáveis e garantindo, ao mesmo tempo, a segurança de todos. A retomada, neste momento, não é segura pra ninguém, independente da estrutura física e disponibilidade de recursos.

Ainda no tema desigualdade, é preciso reforçar – com ênfase – a necessidade de garantir a aprendizagem efetiva por parte dos alunos, após o retorno. Se as recomendações sanitárias forem seguidas a contento, poderá haver rodízio entre grupos de estudantes, alternando aulas remotas e presenciais, para reduzir a densidade de pessoas no espaço físico das escolas. Isso requererá um acompanhamento criterioso do processo de aprendizado em ambos os modelos, evitando-se, assim, prejuízos no aprendizado, mormente no modelo de aulas à distância.

Além disso, é preciso, ainda, combater energicamente o senso de tranquilidade que tem se tornado evidente entre a população. A Organização Mundial da Saúde e setores da academia concordam em pontuar uma tendência de estabilização de casos em nível nacional, mas não há, ainda, tendência de declínio da curva nem tampouco uma verdade única que se aplique homogeneamente ao país inteiro – em algumas regiões do interior, ainda há franca ascensão da curva. Não se pode normalizar os mais de mil óbitos sendo registrados a cada vinte e quatro horas.

Um bom uso do tempo disponível – até que se atinja um limiar realmente seguro para retomar atividades educacionais presenciais – é, justamente, planejar quanto à  infraestrutura e garantir que os envolvidos se sintam (e de fato estejam) protegidos e seguros. Isso não é pouca coisa. Dada a incerteza do cenário, é possível que erremos e tenhamos que voltar atrás em algumas decisões. Isso, contudo, não exime os gestores da Educação de um boa preparação inicial para dar o primeiro passo. Os dados, assim como o senso de preocupação entre os membros da comunidade escolar, são eloquentes: é cedo para retomar, mas já estamos atrasados quanto ao dever de casa.

 

Claudia Costin é Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial

Helyn Thami é especialista em Gestão de Saúde do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 

Miguel Lago é Diretor Executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 

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