Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Saúde mental em pauta na política: o que esperar em 2022? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/02/02/saude-mental-em-pauta-na-politica-o-que-esperar-em-2022/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/02/02/saude-mental-em-pauta-na-politica-o-que-esperar-em-2022/#respond Wed, 02 Feb 2022 08:00:20 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/02/camara-deputados-plenario-2019-7929.jpg-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=643 Dayana Rosa e Maria Fernanda Resende Quartiero

 

Foi dada a largada ao último ano da 56ª Legislatura da Câmara e do Senado Federal, as instituições responsáveis por criar leis e fiscalizar atos do Poder Executivo, ou seja, dos governantes do país. Diretamente de Brasília (ou remotamente, por conta da pandemia), deputados e senadores correm para deixar a casa em ordem neste ano atípico, caracterizado por mudanças relacionadas às eleições, que acontecerão em outubro: suplentes assumem o cargo de prováveis candidatos; comissões têm importantes alterações em suas composições e algumas pautas ganham peso e visibilidade estratégicas, por exemplo.

Neste contexto, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Instituto Cactus inauguram hoje uma série de publicações críticas e propositivas para a agenda eleitoral em 2022, em um tema que é cada vez mais relevante para nossa sociedade: políticas públicas para a saúde mental. Nessa primeira publicação, te convidamos a pensar: o que esperar das políticas e debates no Legislativo sobre a saúde mental?

Para pautar e avançar esse debate nas casas legislativas e nas eleições de 2022, o IEPS e o Instituto Cactus vão qualificar as discussões e propor uma discussão baseada em evidências, que seja, ao mesmo tempo, propositiva e informativa, em um tema que, à primeira vista, pode parecer bastante complexo, mas é extremamente necessário. Afinal, saúde mental é um direito de todas as pessoas.

Saúde mental na pauta política em 2021

Antes da pandemia de Covid-19, a saúde mental já era tema bastante negligenciado: ainda em 2019, o Brasil foi classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o país mais ansioso do mundo, e o quinto país mais depressivo. Em 2021, o estudo “COVID-19 e Saúde Mental: Uma Análise das Tendências Recentes no Brasil”, realizado pelo IEPS, identificou uma piora em indicadores de bem-estar psicológico e saúde mental da população, com a aceleração do número de óbitos desde novembro de 2020. O documento aponta o aumento do número de pessoas com ansiedade e depressão no país, que  oscilou junto ao total de novos óbitos decorrentes de COVID-19.

Já o levantamento “Caminhos em Saúde Mental”, desenvolvido pelo Instituto Cactus, em parceria com o Instituto Veredas, mostra que há ainda públicos que demonstram um quadro ainda mais acentuado, como os adolescentes, as mulheres e a população negra. Na depressão, por exemplo, a ocorrência é mais comum entre a população de menor renda e entre indivíduos pretos ou pardos, e duas vezes mais comum entre mulheres do que entre homens. 

Este cenário de agravamento escancara para os legisladores a necessidade de políticas que garantam o acesso amplo a cuidados, além de políticas intersetoriais que consigam trabalhar a saúde mental de maneira estrutural, uma vez que as consequências serão sentidas ainda por muito tempo, diante da piora socioeconômica do país, e de forma bastante desigual. Tudo isso alerta para a urgência de medidas preventivas e de promoção de saúde, através da construção de políticas de saúde mental para o futuro que considerem os determinantes sociais que afetam a saúde mental e precisam ser trabalhados em conjunto com outras agendas sociais, de forma multidisciplinar e articulada.

O que esperar de 2022? 

Um dos desafios que os parlamentares enfrentarão para aprovar suas propostas de saúde mental é a visível polarização de posicionamentos no debate, notável em subtemas como internação compulsória e participação social, o que cria dois campos: um a favor do modelo territorial e outro do modelo hospitalar. Resumidamente, existe pouco espaço para propostas mais consensuais no “meio do caminho”. Outro exemplo dessa polarização no debate político é a existência de Frentes Parlamentares que representam interesses conflitantes, como a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, e a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas e APACs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). 

Para compreender melhor como as discussões de saúde mental irão se desdobrar neste ano eleitoral, é fundamental entender também quem são os principais atores que têm pavimentado esse debate, para acompanharmos seus posicionamentos e defesas em torno do tema. Nessa linha, o IEPS e o Instituto Cactus analisaram a atual produção legislativa sobre saúde mental, e foi possível identificar importantes contribuições  feitas por parlamentares da Câmara e do Senado, de diversos partidos e posições políticas, como as deputadas Erika Kokay (PT/DF), Tabata Amaral (PSB/SP) e Carmen Zanotto (Cidadania/SC); os deputados Alexandre Padilha (PT/SP), Osmar Terra (MDB/RS) e Ricardo Barros (PP/PR). No Senado, destaca-se o posicionamento dos mandatos de Alessandro Vieira (Cidadania/SE) e Humberto Costa (PT/PE).

Nossa aposta institucional para achar um denominador comum nesta trincheira consiste em fortalecer a saúde mental integrada à Atenção Primária e à Estratégia Saúde da Família. Essa ação pode contribuir para melhores desfechos em indicadores de saúde mental, e é uma posição estratégica privilegiada para oferecer iniciativas de prevenção de doenças e promoção de intervenções psicossociais. Esta é a importância da busca pelo consenso em torno do tema no Poder Legislativo: promover melhoria na qualidade de vida dos brasileiros em questões urgentes, como a ampliação do acesso aos cuidados em saúde mental, em um contexto de luto nacional e piora dos indicadores socioeconômicos. 

Dentre os Projetos de Lei (PLs) que atuam nesse sentido, recebem destaque os PLs nº 3.383 (Senado Federal) e nº 3.408 (Câmara dos Deputados), que instituem a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares, como mais uma forma de integrar a saúde mental no cotidiano da vida das pessoas e articular o tema com outras agendas sociais. De acordo com o levantamento “Caminhos em Saúde Mental”, 50% das condições de saúde mental aparecem até os 14 anos, e 75% até os 24 anos de idade, sendo que a maior parte disso (4 a cada 5 casos) passam sem diagnóstico ou tratamento. Ainda, em pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 56% dos adultos disseram que algum adolescente do domicílio apresentou um ou mais sintomas relacionados à saúde mental durante a pandemia. Sabendo disso e com um olhar que prioriza intervenções precoces, os autores dos projetos, senador Alessandro Vieira e deputada Tabata Amaral, respectivamente, protocolaram as propostas em ambas casas legislativas, dobrando assim o número de chances de implementar ações de promoção, prevenção e atenção psicossocial no âmbito das escolas. 

Um dos espaços privilegiados para essa discussão, na Câmara, é o Grupo de Trabalho (GT) destinado ao estudo sobre o aumento de suicídio, automutilação e problemas psicológicos entre os jovens brasileiros. O GT era coordenado pela deputada Liziane Bayer (PSB/RS) e, no mesmo dia que teve prorrogado seu funcionamento por mais 90 dias, em novembro de 2021, designou o deputado Osmar Terra para compor o GT, em substituição à deputada Érika Kokay. 

Neste ano, podemos contar com a continuidade da polarização dos posicionamentos e das disputas polêmicas, mas o cenário colocado exige do Poder Legislativo a busca por consensos mínimos e possíveis, como o fortalecimento da saúde mental na Atenção Primária, sobretudo em atenção às crianças e aos adolescentes. Também precisamos trazer a discussão sobre saúde mental para o centro do debate, colocando-a cada vez mais próxima do dia a dia dos brasileiros e deixando de ser vista como um tabu e/ou envolta por estigmas. Esse é um desafio que os próximos 594 novos (ou nem tão novos assim) deputados e senadores terão pela frente, fiscalizando as ações do Poder Executivo, a suficiência e a qualidade de programas e políticas de Saúde Mental.

 
>> Para sugestões de pauta, parcerias e comentários, entre em contato através dos e-mails contato@ieps.org.br e contato@institutocactus.org. Até o próximo Saúde Mental em Pauta!

Dayana Rosa é pesquisadora de políticas públicas do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS). Maria Fernanda Resende Quartiero é investidora social e Diretora Presidente do Instituto Cactus, uma organização que trabalha para a prevenção e a promoção da saúde mental no Brasil, através da geração de conhecimento e evidências, identificação e multiplicação de boas práticas, incidência em políticas públicas, articulação de ecossistemas e conscientização da sociedade sobre o tema.

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O SUS e a bipolaridade no debate público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/26/o-sus-e-a-bipolaridade-no-debate-publico/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/26/o-sus-e-a-bipolaridade-no-debate-publico/#respond Wed, 26 Jan 2022 08:00:13 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/01/pronto-socorro-do-hospital-life-center_1_83070-300x215.jpeg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=639 Ricardo de Oliveira

 

A avaliação positiva que o Sistema Único de Saúde (SUS) alcançou no enfrentamento da pandemia de COVID-19 se contrapõe à sua imagem negativa anterior. O que explica a mudança radical na percepção sobre o SUS? Como aproveitar o momento para avançar na melhoria da prestação de serviços de saúde? Essas são reflexões importantes para todos que têm compromisso, ou responsabilidade institucional, na formulação e implantação das políticas públicas de saúde; ainda mais porque o debate é sobre o maior projeto coletivo de inclusão social realizado pela sociedade brasileira nas últimas três décadas e que agora parece ser percebido como tal pela população. 

A pandemia provocou insegurança geral sobre como enfrentar esse desafio de saúde pública. Era um vírus novo, que podia levar à morte; não existia conhecimento científico para orientar o tratamento ou a prevenção, e tampouco podia ser enfrentado apenas de forma individual. Nesse cenário, os olhares se voltaram para o SUS, à espera de uma solução. Desde então, a sociedade brasileira descobriu que dispunha de um instrumento de ação coletiva para proteger a sua saúde.

A mudança na forma de divulgação, pela mídia, da prestação dos serviços do SUS, também ajudou na formação de uma imagem mais positiva. Anteriormente, o noticiário focava maciçamente nos problemas do SUS, em detrimento dos seus acertos, o que contribuía para dificultar uma avaliação realista por parte da opinião pública sobre a eficácia dos serviços de saúde pública.  

Agora, é possível observar que o noticiário sobre o SUS destaca a importância da  prestação de serviços, ao criticar a competência dos seus gestores. O olhar passou a ser para a capacidade desse sistema acolher a todos, de forma ordenada e a partir de prioridades. Os usuários tiveram que esperar a sua vez de serem atendidos devido à pandemia, e isso não provocou uma campanha negativa na mídia, como usualmente acontecia; pelo contrário, se disseminou a percepção de que uma política pública de saúde, que atende 210 milhões de pessoas, precisa ser organizada e bem planejada, principalmente quando todos necessitam dela ao mesmo tempo.

A imagem positiva do SUS na proteção à saúde da população foi construída, ao longo de  quase dois anos de pandemia, devido à  enorme capacidade do sistema em atender à demanda coletiva de vacinação e oferecer serviços médicos/hospitalares. Isso ocorreu sobretudo, por três motivos: desde 1988, os governos têm investido na capacitação da prestação dos serviços do SUS (infraestrutura, equipamentos e tecnologias, formação e capacitação de pesquisadores, gestores e técnicos); a governança cooperativa e entre entes federativos (tripartite, no âmbito do governo federal e bipartite nos estados); a mobilização de parte da população em defesa do SUS, através dos conselhos de saúde espalhados pelos três níveis de governo.

Todavia, o debate atual sobre a prestação dos serviços do SUS enfatiza apenas os resultados positivos, minimizando problemas. Essa forma de divulgação, que oscila entre dois polos, (ou é ótimo, no enfrentamento da pandemia, ou é ruim, como anteriormente no atendimento do dia a dia), não permite um debate público equilibrado entre acertos e problemas ainda existentes. Não podemos esquecer que a imagem negativa foi construída em função da dificuldade de acesso a consultas, exames, internações e cirurgias, e que persistem até hoje. 

Se essa bipolaridade, fruto de uma visão de curto prazo, não for superada ao fim da pandemia, corremos o risco de voltar à situação anterior de imagem negativa. A pandemia  adiou vários serviços públicos de saúde, e o esperado é uma grande pressão de demanda, com potencial de prejudicar novamente a imagem do SUS, talvez até de pior forma do que antes da Covid-19.

A fim de evitar isso, é preciso, urgentemente, organizar um debate sério e transparente no Congresso Nacional, com todos interessados na construção de um entendimento político que faça avançar a prestação de serviços de saúde no país. O debate deve envolver o modelo de atenção, gestão e financiamento, a continuidade das políticas públicas de saúde, o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial, a relação entre o sistema público e privado, e as práticas políticas patrimonialistas que dificultam a melhoria da gestão e do atendimento no setor público.

A falta desse entendimento tem levado a um enorme desperdício de recursos que poderiam ser melhor utilizados em benefício dos cidadãos, por exemplo em equipamentos de saúde sem escala de atendimento; imposição ao SUS de aquisição, via judicial, de serviços e insumos sem uma avaliação de custo/benefício realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC); a dificuldade de construir uma base única de dados sobre o histórico de saúde de cada cidadão, com informações advindas da rede pública e/ou privada; e a utilização do SUS para atender interesses políticos ou econômicos. 

A urgência na resolução da crise sanitária, para podermos retomar a normalidade no convívio social e nos mercados, e a atual imagem positiva do SUS criaram condições para a construção de um amplo entendimento em torno das políticas de saúde, com o objetivo de defender os interesses dos usuários do SUS.  

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor dos livros: Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012 e Gestão Pública e Saúde, FGV/ 2020. Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Membro do comitê de filantropia da UMANE.

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Inovação na saúde, o uso de dados do SUS e Inteligência Artificial https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/19/inovacao-na-saude-o-uso-de-dados-do-sus-e-inteligencia-artificial/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/19/inovacao-na-saude-o-uso-de-dados-do-sus-e-inteligencia-artificial/#respond Wed, 19 Jan 2022 08:00:28 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=621 Cláudio Alves Monteiro

 

A sociedade se transforma por meio da tecnologia, em um desenvolvimento progressivo e muitas vezes mais acelerado do que as instituições conseguem acompanhar. A quantidade gigantesca de dados produzidos na saúde é um fator que influencia a crescente necessidade de ter a tecnologia como aliada, principalmente no setor que exige uma rápida e eficiente tomada de decisão.

A massa de dados produzida e armazenada diariamente a partir de exames clínicos, atendimentos hospitalares e ambulatoriais, e registros de óbito e de sinistro permite criar variáveis agregadas que enriquecem a tomada de decisão em empresas da área de saúde. As informações apontam qual a melhor opção para ser escolhida, o que aumenta a eficiência, reduz custos ou direciona para o maior retorno sobre o investimento.

Os dados da saúde pública no Brasil encontram-se centralizados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)e são compostos por informações de morbidades, acesso a serviços, qualidade da atenção, condições de vida e fatores ambientais, que são relevantes para a quantificação e a avaliação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, as informações estão, em sua maioria, armazenadas de forma “bruta”, de modo que simplesmente olhar um indicador não traz diagnósticos e conclusões. É necessária uma engenharia robusta que forneça mais insights para o tomador de decisão.

A análise profunda do comportamento da população na rede pública de saúde pode embasar políticas públicas de saúde ou nortear a identificação de oportunidades por empresas privadas. Um exemplo disso é o fato de a distribuição das idades entre as pessoas internadas mudar bastante quando comparamos pacientes de sexos diferentes. Ao fazer uma análise mais detalhada dos dados coletados, é possível observar que um dos fatores responsáveis por esse comportamento mais acentuado na faixa etária dos 18 aos 40 anos para as mulheres são as internações relativas ao capítulo 15 do CID-10, caracterizado por internações relativas à gravidez e parto.

Na plataforma Neurolake – que facilita a construção de soluções por meio de processos de ciência de dados e big data – conseguimos capturar essas informações públicas para desenvolver modelos  para doenças como diabetes, infecções urinárias e pulmonares, câncer e até o risco de morte durante uma internação. Os modelos baseiam-se em sistemas de inteligência artificial (IA), e são mais robustos, pois trazem uma perspectiva do futuro, o que permite tomar melhores decisões no presente.

Com a ferramenta, um hospital pode acompanhar pacientes  mais susceptíveis após uma internação, por exemplo, diminuindo o risco de óbito ou de uma nova internação em um curto período de tempo. A inteligência artificial promove o cuidado em um momento anterior a uma situação aguda. Dessa forma, há tempo de recomendar uma consulta ou a realização de exames, monitorando melhor a condição de saúde. No gráfico a seguir, é possível visualizar os resultados de um modelo capaz de prever o risco de uma pessoa desenvolver uma condição de saúde de alto risco nos próximos meses. Os indivíduos são estratificados em grupos, com base no fator de risco retornado pelo modelo, de modo que é possível definir diferentes ações para cada um dos agrupamentos.

Seja na esfera pública ou privada, as novas tecnologias empregadas oferecem uma prevenção mais objetiva, que prioriza as necessidades da população de uma forma mais profunda. Esses sistemas vão abrir possibilidades para todos os brasileiros e brasileiras terem acesso à promoção da saúde, e não apenas ao tratamento para uma condição de doença ou lesão. A partir disso, será possível também promover ações educativas, com o objetivo de instruir, reforçar e aprofundar as medidas para reverter determinados quadros graves. É um passo importante para promoção da medicina preventiva, especialidade médica focada em evitar o desenvolvimento de doenças e que ganha cada vez mais força no Brasil e no mundo.

 

Cláudio Alves Monteiro é bacharel em Ciência Política e mestre em Ciência da Computação na área de Inteligência Computacional, ambos pela Universidade Federal de Pernambuco. Atua como Cientista de Dados na Neurotech, desenvolvendo soluções de Inteligência Artificial e Ciência de Dados para o mercado de saúde e também como professor de Machine Learning.

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Healthtechs: o que podemos esperar? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/07/healthtechs-o-que-podemos-esperar/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/07/healthtechs-o-que-podemos-esperar/#respond Fri, 07 Jan 2022 08:00:44 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/01/c-3-730x487-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=614 Ivisen Lourenço

 

A quantidade de startups na área de saúde cresceu significativamente nos últimos 4 anos, principalmente durante a pandemia. Se, em 2018, no primeiro levantamento feito pela plataforma de inovação “Distrito”, eram 248 “healthtechs”, em setembro deste ano já são 945 – crescimento de 281%. O mercado já reconhece o crescimento e a força das healthtechs, com investimentos que ultrapassam US$ 450 milhões desde 2018, de acordo com dados da Distrito.

O franco crescimento de qualquer startup é resultado de tecnologia e inovação. O cenário é animador, tanto para iniciativas empreendedoras mais maduras, que buscam expansão, quanto para novas iniciativas. Porém, é necessário um olhar mais crítico para o atual momento e entender como as tecnologias chegam aos pacientes, principalmente aqueles atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

SUS e as healthtechs 

Quando falamos em saúde, precisamos levar em consideração a força do SUS. Cerca de 71,5%, ou 150 milhões dos brasileiros, dependiam exclusivamente dele, ainda em 2019, antes da pandemia. No entanto, só nos dois primeiros meses de pandemia, 283 mil pessoas perderam seus planos de saúde, aumentando, diante da crise econômica e do desemprego, a dependência do brasileiro ao SUS.

Se existe uma palavra que define a vantagem de integração das healthtechs, neste contexto, é “escalabilidade”, ou seja, a oportunidade de aumentar os atendimentos em saúde, sem de fato expandir os custos.  O intuito, no entanto, é exatamente o inverso: custos reduzidos e serviço otimizado. 

A oportunidade de integração das startups ao setor público também pode corrigir um erro antigo da gestão em saúde: ser “hospitalocêntrico”, isto é, a saúde pública atuar focada na estrutura física e no volume de atendimentos, e não no valor e no desfecho clínico favorável ao paciente. As tecnologias possibilitam mudar essa estrutura e fazer o paciente protagonista – como sempre deve ser – a partir da ampliação de ações de prevenção e diagnóstico.

Quando olhamos para as healthtechs, precisa haver espaço para desenvolvimento e atuação. A falta de regulamentação, as dificuldades regulatórias para aprovação de novas tecnologias e a falta de políticas públicas de fomento à inovação no SUS são barreiras substanciais. Na prática, isso significa um número gigante de empresas interessadas em um mercado privado, que, porém, não se conecta diretamente ao Sistema Único de Saúde e tampouco se multiplica no ambiente mais necessário, o público.

A telessaúde, por exemplo, só foi regulamentada temporariamente por meio de um projeto de lei de 2020, que já se arrastava por 20 anos. Além da interpretação das entidades de classe, deve-se lembrar também do papel dos órgãos reguladores, principalmente quando o assunto são novas tecnologias, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o próprio Ministério da Saúde, com seus grupos de avaliação de tecnologia. Há a necessidade latente de revisão ágil dos arcabouços legais e regulatórios, de modo que, preferencialmente, acompanhe a velocidade do desenvolvimento tecnológico. 

A adoção de tecnologias também passa pela capacidade de internalização dos próprios profissionais de saúde. Esse é um ponto compartilhado entre políticas públicas e setor privado. De um lado, há a falta de ações sistemáticas de desenvolvimento e capacitação pelo Estado; do outro, a necessidade de o setor privado facilitar e considerar essa dimensão no desenvolvimento e na implantação dos projetos. 

Avanço inevitável 

A pandemia escancarou que muitos avanços já poderiam ter sido colocados em prática, com o uso da tecnologia em saúde. Retroceder não é uma opção. Vale destacar algumas iniciativas: 

Inovação orientada a desafios 

O IdeiaGov, iniciativa do governo do Estado de São Paulo, possibilitou o lançamento de desafios de saúde focados no combate à pandemia. Nesse programa, startups encontraram um caminho para apresentar tecnologias e se conectarem com atores do setor público. O programa nasceu em plena pandemia e hoje já é reconhecido como referência de conexão entre startups e governo.

Hubs de Inovação focados em saúde

O InovaHC se destaca como catalisador de inovação em saúde, o que facilita o desenvolvimento de novas soluções em saúde, por meio da conexão entre universidade, setor privado e governo. O InovaHC é o hub de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, conta com programas de apoio à inovação que facilitam a jornada dos empreendedores, sendo também um dos principais centros de pesquisa e inovação em saúde do mundo. 

Programas de aceleração de negócio

Programa de aceleração de startups 100% gratuito, o BNDES Garagem é uma parceria entre Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e aceleradoras de mercado. Com um olhar específico para govtechs, saúde e potencial de investimento, o BNDES Garagem é um dos principais programas em nível nacional para empresas nascentes. 

Para o desenvolvimento contínuo das tecnologias no SUS, são necessários: maior esforço do setor público para expandir projetos; desburocratizar normas; uma efetiva e clara regulamentação; e mudança de mentalidade. As healthtechs são o agora, já que os benefícios de suas aplicações devem expandir o atendimento em saúde e melhorar a qualidade do SUS. O futuro é uma saúde pública ainda mais conectada e online, com o paciente no centro do atendimento.

Ivisen Lourenço é Head de Open Innovation da InovaHC

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O impacto da tecnologia de ponta na formação do médico do futuro https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/#respond Wed, 08 Dec 2021 08:00:32 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/12/bbc03-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=609 André Raeli

 

O conhecimento médico está avançando em uma velocidade singular. E não é de hoje: basta comparar os primeiros registros do ofício da medicina em civilizações pré-históricas e as modernas práticas da atualidade. 

Estudo da “American Clinical and Climatological Association” realizado em 2011 mostra que o domínio humano sobre esse entendimento prático da profissão avançou exponencialmente. Na década de 1950 do século XX, o tempo de duplicação do saber clínico foi de 50 anos; já em 1980, passou para 7; em 2010, 3,5 anos. Em 2020, a projeção foi de 0,2 anos, ou seja, apenas 73 dias. A incidência de novas patologias, o aumento da população e o avanço nas pesquisas podem ter contribuído para o novo cenário. 

No entanto, nada foi tão impactante nessa trajetória quanto a chegada das mais recentes tecnologias. Do diagnóstico aos processos cirúrgicos refinados, passando pelas mais robustas técnicas de tratamento e controle de doenças, todas as especialidades médicas sofreram o impacto da inovação,  sem, porém, abandonar a essência do cuidado tradicional. 

A inteligência artificial (IA) ou a Internet das Coisas (IoT), por exemplo, são empolgantes, mas não se pode perder de vista a importância da formação e da educação continuada. Cada vez mais novos profissionais precisam se preparar para esse novo horizonte tecnológico, com mais autonomia para a operação de novos sistemas e canais de suporte à decisão clínica. Em 2010, havia 320 mil médicos no Brasil; atualmente são mais de 550 mil em atuação. Portanto, existe um grande contingente que se formou em um paradigma de menos informação e conhecimento em relação à tecnologia aplicada.

Ainda que a natureza da profissão seja a busca ativa e constante por aperfeiçoamento e atualização, é preciso expandir o conhecimento em direção às novas tendências. Muito se fala do médico do futuro, das múltiplas habilidades e dos caminhos essenciais de formação, mas olhando apenas para os próximos anos. O futuro já chegou e capilarizar o conhecimento médico depende de uma mistura de fatores. É urgente falar sobre isso. É primordial manter uma escuta ativa com os médicos e prover novas formas de construir e disseminar o conhecimento.

Em trocas e diálogos contínuos com esses profissionais, é preciso valorizar o argumento do benefício de arquitetar um futuro para medicina, começando hoje. Tecnologias que podem ser ainda disruptivas para algumas áreas já fazem parte da rotina médica e  fazem a diferença em prognósticos e linhas de cuidado. As impressoras 3D para o auxílio em próteses, a ascensão do nicho de imaginologia e a oferta dos dispositivos de ultrassonografia móveis são alguns dos caminhos já bastante estabelecidos.

Na prática, as especializações médicas devem incorporar essa dinâmica de ampliação do conhecimento, de novas técnicas e plataformas, que não param de chegar. A telemedicina, autorizada em função do isolamento social na pandemia, é um exemplo de que as barreiras caíram e as oportunidades se tornam ilimitadas. É importante manter o radar ligado nos novos caminhos de aprendizado, visando sempre às melhores práticas para atender e proporcionar mais qualidade de vida.

É realmente difícil prever com exatidão o futuro, mas antevê-lo tem sido uma realidade frequente por meio da tecnologia. O preparo do médico do futuro não está no amanhã; ele começa agora, de forma muito intensa. O médico de 2040 irá olhar para o médico de hoje da mesma forma que é feito com o médico da idade média. O caminho para não ficar para trás é olhar para frente, compreendendo que há jornadas importantes já otimizadas pela tecnologia e que não irão sucumbir à magnitude do cuidar médico.  

André Raeli é diretor de educação continuada da Afya, maior ecossistema de educação e tecnologia voltada para a saúde no Brasil

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O que a saúde tem a ver com a crise climática? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/01/o-que-a-saude-tem-a-ver-com-a-crise-climatica/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/01/o-que-a-saude-tem-a-ver-com-a-crise-climatica/#respond Wed, 01 Dec 2021 08:00:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/irineu-junior-10-1-700x396-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=603 Daniel Kass

Hannah Arcuschin Machado

 

Durante as duas primeiras semanas de novembro, o mundo acompanhou com grandes expectativas a COP 26, o encontro mundial do clima. A reunião de lideranças de 196 países teve como objetivo estabelecer compromissos para limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação à temperatura pré-industrial. O Brasil assumiu novos e relevantes compromissos para alcançar essa meta, como reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa (incluindo a redução de 30% de gás metano), e zerar o desmatamento até 2030. Contudo, ainda não é o suficiente: precisamos de metas ainda mais ambiciosas e que sejam tratadas e implantadas com a urgência que o tema exige. Para isso, é preciso reconhecer os impactos da crise climática na saúde.

A mudança climática é uma preocupação urgente de saúde global e precisamos responder à altura. Doenças respiratórias, cardiovasculares e transtornos mentais são consequências das mudanças climáticas na saúde, por estarem atreladas à poluição do ar, às ondas de calor e a outros eventos climáticos extremos. 

O primeiro passo para tratar a mudança climática como uma crise de saúde pública é mudar a forma como olhamos para o verdadeiro custo do carbono. Se incluirmos na conta o impacto negativo das emissões de carbono na saúde e no bem-estar, algumas estimativas iriam mais do que triplicar.

Embora  a preocupação em torno da saúde pública tenha sido maior nesta COP do que em edições anteriores da cúpula, houve uma ênfase exagerada em debater a contribuição do setor de saúde para as emissões, ao invés de uma contabilização verdadeira dos custos que a inação climática causa na saúde. Se, por um lado, sensibiliza profissionais de saúde, é preciso destacar, por outro, que a influência real da saúde pública deve se concentrar em mostrar aos formuladores de políticas públicas e à opinião pública os impactos do aquecimento global na saúde. Esse é o foco que faz a Vital Strategies ser promotora da rede “Inspire Clean Air”, composta por médicos de todo o mundo contra a poluição do ar, e, nacionalmente, ser parceira do Instituto Saúde e Sustentabilidade na iniciativa “Médicos pelo Ar Limpo”.

Iniciativas dessa natureza são fundamentais para impulsionar e cobrar avanços, uma vez que os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris são insuficientes para proteger a nossa saúde. Garantir a integração entre saúde, clima e proteção da população maximiza os benefícios econômicos e constrói apoio popular para políticas que são urgentemente necessárias. No Brasil, 61 mil pessoas morreram em 2019, em decorrência de infarto, AVC, doenças respiratórias, diabetes relacionadas à poluição do ar. Isso é equivalente à morte de 7 pessoas por hora no País. Tendo em vista que as principais fontes de emissão de poluentes nocivos à saúde são as mesmas dos gases de efeito estufa, há muitas sinergias nas medidas a serem adotadas.

O levantamento que acaba de ser publicado pela Vital Strategies  sobre as oportunidades perdidas de endereçar desafios relacionados à poluição do ar, ao clima e à saúde mostra que não podemos mais perder tempo. O documento se soma a outras iniciativas da organização, que também atua em parceria com governos subnacionais na Indonésia, na Índia e no Brasil, apoiando a formulação de políticas públicas e melhorando a qualidade do ar em cidades.

O próprio plano climático oficial do Brasil falha ao não mencionar as vastas disparidades sociais e geográficas quando aborda a vulnerabilidade às mudanças climáticas. Tampouco faz qualquer tentativa de prestar contas sobre as consequências das mudanças climáticas para a saúde ou os benefícios alcançados pela redução da poluição do ar como parte das estratégias do País de redução de emissões. Ao negligenciar essas questões, é menos provável que o Brasil aja rapidamente para salvar as dezenas de milhares de vidas dadas como perdidas para a poluição do ar e à perturbação climática.

A saúde tem que ser um elemento central da política climática e deve fazer parte da estrutura de responsabilidade para a ação sobre o clima. Os organismos de saúde pública devem alinhar-se com a agenda climática e trabalhar juntos para prevenir o desastre climático. É importante lembrar que as consequências para a saúde associadas à mudança climática e os potenciais custos econômicos podem ser muitas vezes maiores do que o que vivenciamos com a COVID-19. Não é algo que apenas um setor possa resolver. Para reconstruir melhor, temos que fazer muito mais – e precisamos fazer com urgência. A saúde coletiva é muito importante para ser deixada para depois.

 

Daniel Kass é Vice-presidente Sênior de Saúde Ambiental da Vital Strategies

Hannah Arcuschin Machado é Gerente Sênior de Programas da Vital Strategies

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Os riscos de ser negro no Brasil e o racismo que mata https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/24/os-riscos-de-ser-negro-no-brasil-e-o-racismo-que-mata/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/24/os-riscos-de-ser-negro-no-brasil-e-o-racismo-que-mata/#respond Wed, 24 Nov 2021 08:00:43 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/Reflexões-sobre-o-‘ser-racista’___-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=596 Beatriz Almeida, Jéssica Remédios, Maria Leticia Machado e Victor Nobre

 

“A cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil”. Essa é uma frase que se popularizou a partir de uma campanha das Nações Unidas de 2017 e que chama a atenção para as mortes violentas por trás da desigualdade racial no país. É um problema histórico, mas ainda atual e que abre, ao mesmo tempo, uma janela de debate para as condições de vida e saúde da população negra no Brasil. Os brasileiros negros não só morrem violentamente mais do que os brancos, como têm, na maioria, acesso à educação, emprego e habitação precarizados. Esses fatores contribuem para piores desfechos de saúde e devem ser ponto de atenção para os formuladores de políticas públicas, sobretudo quando observados sob o ponto de vista demográfico, pelo fato de pretos e pardos corresponderem a mais da metade da população brasileira.

Vale fazer uma breve menção histórica que remonta ao Brasil Colonial. Além de ter sido um dos últimos países da América a abolir a escravidão, o Brasil foi um dos que mais sofreram os seus efeitos perversos. Em paralelo, as leis abolicionistas propostas, apesar de importantes para o processo de consolidação da abolição, configuraram-se de forma paliativa, denotando um processo inconclusivo. 

Inconclusivo não sob uma ótica jurídica, mas sim processual, levando em consideração que há uma construção de cidadania inacabada, seja pela ausência de políticas inclusivas de integração dos escravizados à sociedade, ou por meio da incipiente manutenção de uma lógica de discriminação racial, ainda presente nas relações sociais e econômicas. O resultado é o que o teórico Silvio Almeida define como “racismo estrutural”, caracterizado “tanto como uma ideologia, quanto como uma prática de naturalização da desigualdade”. 

Sob o ponto de vista das políticas de saúde, a relação com o racismo estrutural mostra-se ainda mais evidente, quando a população negra, principal usuária e dependente do SUS, respondendo por 67% do total de usuários, é o grupo social que possui os piores indicadores de saúde, com números assustadores de mortalidade. Pesquisas amostrais do IBGE revelaram que 65% dos óbitos maternos em 2018 foram de mulheres negras; entre 2011 e 2020 a população negra apresentou maior prevalência de casos de tuberculose; mulheres negras e jovens entre 20 a 29 anos representam a maior população afetada pela sífilis.  

Os resultados provêm, em grande medida, das condições de insalubridade em que a vive população negra. De acordo com o último Censo (2010), 79% dos negros não possuíam banheiro em casa; 69% residiam em locais sem coleta de lixo e 62%  sem água encanada. As estatísticas mais atuais, de forma simultânea, apresentam cenários ainda mais preocupantes: no contexto da pandemia de Covid-19, a insegurança alimentar, aumentou significativamente, recaindo, em maior parte, sobre lares chefiados por pessoas negras (66,8%). Outro ponto é o fato de a população negra não conseguir cumprir o isolamento social e os devidos protocolos de higienização, uma vez que precisam trabalhar, e a natureza de suas atividades obriga-os a ficarem expostos constantemente

Complementarmente, a literatura evidencia o racismo estrutural não só em situações atípicas – como em uma pandemia – mas cotidianamente. Segundo estudo da pesquisadora Jurema Werneck, as (baixas) condições de saúde mais comuns na população negra podem ser divididas em: geneticamente determinadas, adquiridas (derivadas de condições socioeconômicas desfavoráveis), de evolução agravada ou condições fisiológicas alteradas por condições socioeconômicas. A diabetes mellitus, por exemplo, acomete 50% mais mulheres negras do que brancas, enquanto a tuberculose e a hipertensão arterial acometem 57,5% e 27%, respectivamente

Apesar dos inúmeros problemas vividos por negros e que se somam à ausência de políticas públicas para essa população, é necessário destacar as iniciativas que buscam mitigar esses problemas da saúde pública voltadas a categoria, como é o caso da  Política Integral de Saúde da População Negra (PNSIPN). Publicada em 2009 como fruto do Grupo de Trabalho Interministerial, a PNSIPN tem como base dois eixos fundamentais: I) definir objetivos, responsabilidade de gestão e estratégias voltadas para melhorias da saúde da população negra usuária do SUS e II) garantir maior grau de equidade em referência à efetivação do direito humano à saúde da população negra. A partir da publicação da PNSIPN,  avanços foram alcançados, entre eles a produção de conhecimento acadêmico na área, criação de áreas e comitês técnicos voltados para o segmento e a aprovação da Resolução 344/2017 sobre a questão do preenchimento do quesito raça/cor, incentivando a mensuração de dados epidemiológicos sobre a saúde da população negra. 

Apesar dos avanços, os desafios ainda se sobrepõem, associados, em grande medida, a aspectos estruturais e orçamentários. Desde sua criação, a PNSIPN só foi implementada em apenas 28% dos municípios brasileiros, indicando  baixa adesão em território nacional, ao passo que, destes 28%, menos de 10% possuem comitês de monitoramento para avaliar o impacto da Política sobre a saúde da população.  Do ponto de vista orçamentário, nota-se um total apagão no governo federal e no Ministério da Saúde dos programas voltados à melhoria da saúde da população negra e às pautas antirracistas. O último  foi em 2016, o Programa 2034, contido no Plano Plurianual (2016-2019). 

É, portanto, imprescindível fomentar debates que retomem o papel de relevância e protagonismo da PNSIPN no combate às desigualdades. Afinal, conforme apontado pelo Comitê Técnico de Saúde da População Negra, “reconhecer que as práticas racistas estão dentro dos modelos de atenção à saúde e buscar a transformação desse cenário devem ser objetivo de todos envolvidos com o cuidado em saúde e com as instâncias de gestão”. Os indicadores de saúde  reforçam a necessidade de implementação da PSNIPN para  estados e municípios e expansão do nível de monitoramento, tendo em vista que há instrumentos e metodologias estruturadas para esse processo.

O Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), instituição voltada às políticas públicas em saúde, pautado por evidências e reconhecendo o seu papel como fomentador desse debate, reforça o  compromisso em  contribuir para um sistema público de saúde mais equânime, considerando a urgência da mitigação das mazelas e idiossincrasias que a população negra brasileira enfrenta, por meio da defesa de pautas fundamentais  como a PNSIPN.    

 

Beatriz Almeida é graduada em Políticas Públicas e assistente de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

Jéssica Remédios é educadora física, mestre em Epidemiologia e pesquisadora de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

Maria Letícia Machado é cientista política, pós-graduanda em liderança e gestão pública e pesquisadora de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

Victor Nobre é estudante de Economia e pesquisador de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

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Inovação em saúde: sim, há desafios, mas há também oportunidades https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/#respond Wed, 17 Nov 2021 09:00:41 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/ge_inovação_na_saude-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=592 Ivisen Lourenço

 

Um estudo da “The Economist Intelligence Unit (EIU)”, divisão de pesquisa e análise de risco da revista “The Economist”,  indica que a pandemia de Covid-19 acelerou em 72% a transformação digital nas empresas, além de  estimular a criação e o desenvolvimento de novas startups no Brasil. 

Em relação à área da Saúde, o País já contava, em maio de 2021, com 430 startups no setor, um crescimento de 118% em dois anos. Nesse processo, a adesão à telemedicina durante a pandemia foi essencial, assim como a inteligência artificial (IA) e a internet das coisas (IoT).

Porém, colocar a inovação em prática não é tão simples assim. A 4ª edição da pesquisa “Ace Innovation Survey”, da consultoria de inovação corporativa ACE Cortex, revela que,  apesar de ser prioridade para 85% das empresas, apenas 36% possuem estrutura adequada para desenvolver novas ideias em seus ambientes corporativos. Na saúde, estes números são ainda menores. 

Gargalos da inovação 

Em 2021, o Índice Global de Inovação mostrou que nações com altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), como Suíça, Suécia e EUA, lideram o ranking de países inovadores. O Brasil, décima terceira economia do mundo, está apenas no 57º lugar entre 126 países. 

Mais do que simplesmente adotar tecnologias, é preciso atuar de forma eficiente para dinamizar processos, o que pode exigir mudança cultural e treinamentos. Particularmente, a saúde tem ciclos mais longos de inovação, por exigências inerentes ao setor. Não se trata apenas de comprar softwares e hardwares, mas operá-los para que entreguem agilidade, assertividade e segurança nos resultados para todos os públicos envolvidos em hospitais e clínicas. 

É preciso ainda considerar desafios que hoje impactam diretamente à Saúde:

  • exigências regulatórias do setor: a área é extremamente afetada pela regulação de medicamentos, equipamentos, serviços e insumos.  Adequar-se às mudanças nesse ambiente é um grande desafio – tanto que já existem as regtechs, startups que ajudam empresas a se adequar diante dessas mudanças.  Das 309 regtechs brasileiras, 25 são voltadas para saúde e ciências da vida;
  • desenvolvimento e manutenção de capital intelectual exige tempo e investimento: não se desenvolvem criatividade e experiências de uma hora para outra. Ao mesmo tempo, há a desvalorização e a debandada do capital humano para centros mais desenvolvidos em inovação.
  • dificuldades tecnológicas, especialmente a interoperabilidade: uma solução não opera com outra e, assim, trava fluxos e atrasa resultados. Já existem sistemas extremamente avançados e bem desenvolvidos, especialmente para tratamentos intensivos, mas a preocupação de marcas e fabricantes em fazê-los de forma a otimizar a colaboração não parece ser o foco. Não se trata de integração: um não precisa depender da tecnologia do outro, e sim trabalhar juntos.

Importância da cultura de inovação 

Por outro lado, agora, mais do que nunca, não é hora de parar. A pandemia deixou uma demanda reprimida por exames e tratamentos. Milhares de diagnósticos deixaram de ser feitos precocemente em todo o mundo. Teremos  ondas de doenças mais avançadas sendo identificadas nos próximos meses ou anos – especialmente aquelas que não trazem sintomas e dependem do acompanhamento de rotina.

A pesquisa da CNI também reforça que inovar não é somente um benefício competitivo, mas também de sobrevivência. A cultura de inovação está associada aos valores, normas e atitudes que estimulam o pensamento, para que haja o desenvolvimento das inovações. 

Não faltam mercados e setores que enfrentam obstáculos diários e precisam de soluções inovadores em seus processos e fluxos, como o da saúde. É possível melhorar a vida das pessoas, os custos e as rotinas de empresas e organizações apostando na tecnologia empregada. É possível cuidar do bem-estar, das finanças, do futuro de cidades inteiras; tornar o mundo mais palatável e humano utilizando tecnologia – com sabedoria e assertividade.

 

Ivisen Lourenço é Design Thinker e administrador de sistemas de saúde com experiência formatada em mais de 10 anos de atuação em gestão hospitalar. Atualmente é Head de Open Innovation no InovaHC.

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Panorama atual e desafios da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/12/panorama-atual-e-desafios-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/12/panorama-atual-e-desafios-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra/#respond Fri, 12 Nov 2021 08:00:58 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/covid-negros-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=586 Ionara Magalhães

 

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) enumera um conjunto de lutas históricas dos movimentos sociais negros. No campo de disputas por um projeto de sociedade equânime e democrática, essa luta representa um importante marco político no enfrentamento do racismo estrutural. A PNSIPN é uma política transversal, contra-hegemônica, fundamentada no reconhecimento do racismo como determinante da precariedade das condições de saúde da população negra. A PNSIPN tem caráter específico e compensatório, pois as políticas universalistas não têm alcançado populações vulneráveis e acabam por reproduzir as iniquidades. A PNSIPN visa a assegurar os princípios antirracistas e não discriminatórios, correspondendo, portanto, a uma ação afirmativa no SUS.

Os dados de morbimortalidade (índice de pessoas mortas em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional) da população negra revelam a insuficiência e a ineficiência de ações governamentais para redução das iniquidades étnico-raciais. Não existe predisposição nata ao adoecimento e mortalidade precoce das pessoas negras. Com efeito, há um pequeno elenco de morbidades determinadas geneticamente. Todavia, prevalecem doenças e agravos sociais resultantes do racismo que estrutura as desigualdades sociais. 

Se a saúde é determinada por políticas macroeconômicas, por capital social e cultural, por condições de vida, ambiente e trabalho moldadas pela distribuição de dinheiro, por recursos e por relações de poder, as condições de saúde da população negra têm correspondência direta com as iniquidades sociais, e suscitam política específica. Nesse sentido, a institucionalização da saúde da população negra no SUS aponta para o cuidado preventivo, assistencial e promocional da saúde, previsto nos planos operativos da PNSIPN.

Após doze anos de instituição, a PNSIPN foi efetiva em apenas 57 dos 5.570 municípios brasileiros. Os problemas persistem: falta de financiamento, insuficiência de suporte técnico, falta de comitês técnicos estaduais e municipais de saúde da população negra, desconhecimento da população usuária do SUS sobre a PNSIPN e, sobretudo, a cultura do racismo institucional. Os comitês técnicos de saúde da população negra têm caráter deliberativo e executivo, representam a interlocução entre as comunidades negras e as instituições de governo, além de que visam a garantir a implementação da política. Todavia, em 2018, não havia 10% dos comitês técnicos de monitoramento em todos os municípios. Por certo, uma investigação atual revelaria dados ainda mais estarrecedores.

A gestão da PNSIPN deve ser compartilhada entre União, estados e municípios, e prevê o exercício e fortalecimento do controle social, da produção da informação, do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra, e da valorização dos saberes e práticas populares de saúde, inclusive das religiões de matrizes africanas. Além disso, a política preconiza o monitoramento, a avaliação das ações referentes ao combate ao racismo nas distintas esferas de governo e a garantia do amplo acesso da população negra às ações e aos serviços de saúde.

No bojo da análise da implementação da PNSIPN, destaca-se que muitos sistemas de informação em saúde não dispõem do quesito “raça/cor da pele”. Tampouco há esforços da gestão em fazer o registro compulsório deste campo e sanções pelo não cumprimento do preenchimento, estabelecido pela Portaria 344/2017. Além disso, denota-se a necessidade de melhora da coleta, do processamento e da análise dos dados desagregados por raça/cor da pele/etnia para a produção, do monitoramento, da avaliação de indicadores e das metas destinadas à promoção da equidade étnico-racial na saúde.

Um grande entrave corresponde à inclusão da temática “relações étnico-raciais, racismo e saúde da população negra” na educação permanente voltada aos trabalhadores , gestores e usuários  nos currículos de formação dos cursos de saúde. Essas temáticas são ignoradas pelas instituições ou não reconhecidas como fundamentais pela sociedade brasileira. 

A implementação da PNSIPN implica o fortalecimento do SUS – o maior patrimônio público e maior política social do país. Entretanto, os ataques ao SUS, traduzidos pelo subfinanciamento crônico e desfinanciamento, pela destituição dos direitos sociais, civis e políticos, e pela adoção de políticas antidemocráticas e conservadoras, atingem diretamente a população negra e, consequentemente, fragiliza o processo de implementação da PNSIPN. 

É premente que, para além dos comitês técnicos, das organizações sociais e dos movimentos negros, o Estado estabeleça mecanismos institucionais de gerenciamento e monitoramento da implementação da PNSIPN. Logo, seria a implementação da PNSIPN uma questão técnica ou política? O maior desafio da PNSIPN é, incontestavelmente, a sua implementação, que esbarra na estrutura, disposição e política institucional desfavoráveis. Seguramente, sem a devida implementação e avaliação, o ciclo da política não se completa.

Portanto, no panorama atual de implementação da PNSIPN, observam-se ações descontínuas, isoladas, descoordenadas e o descompromisso governamental com  a sua implementação. O fracasso no processo de implementação da PNSIPN representa uma ameaça ao projeto civilizatório, Muitos avanços têm sido desconstituídos e prejudicado o exercício do direito à saúde da população negra. Nessa correlação de forças, segue em curso uma longa disputa pela democratização da saúde, pelo resgate da credibilidade institucional e pela efetivação de uma política de legitimidade histórica.

 

Ionara Magalhães é professora Adjunta da UFRB, membra do Comitê Técnico Estadual de Saúde da População Negra e do GT Racismo e Saúde da ABRASCO

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Desenvolvimento em saúde depende do desafio da inovação https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/desenvolvimento-em-saude-depende-do-desafio-da-inovacao/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/desenvolvimento-em-saude-depende-do-desafio-da-inovacao/#respond Wed, 10 Nov 2021 08:00:51 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/8508-scaled-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=580 Suellen Pereira de Carvalho

 

Cresce o número de iniciativas governamentais para impulsionar startups e GovTechs (startups focadas em gerar inovação para o setor público). Inovação, novas tecnologias e digitalização são elementos importantes de ganho de escala e da qualidade nos serviços públicos, ao mesmo tempo que exigem investimento em recursos financeiros e humanos. 

No campo da política pública, a questão da inovação é tratada sob dois aspectos centrais: o desenvolvimento econômico proporcionado pelo aquecimento do ecossistema, pelo investimento e pela geração de negócios; e a resolução de problemas complexos com o uso de inovação, aprimorando tanto a qualidade dos serviços prestados ao cidadão, quanto as condições de trabalho do agente público.

Antes mesmo da pandemia de Covid-19, a inovação em saúde era um desafio no setor público. Em 2017, os gastos em saúde somaram 9,2% do PIB do país. A pandemia mobilizou governos, empresas e sociedade civil na busca por soluções para o combate ao vírus e às consequências econômicas e sociais. As instituições públicas e privadas precisaram ser rápidas na adoção de tecnologias, para continuar produtivas. 

Na saúde, foi emblemática a velocidade com a qual a telemedicina foi aprovada no Brasil. Na carona do que ocorreu no mundo, o uso de inteligência artificial para apoiar médicos no diagnóstico da Covid-19 também foi adotado no país. As parcerias entre governos e empresas farmacêuticas, via ICTs (Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação), permitiram o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde. 

O legado dessa mobilização de agentes públicos e privados para viabilizar soluções inovadoras em escala nacional já existe. Há uma sucessão de instrumentos legais aprovados recentemente, que propiciam maior segurança jurídica ao agente público e viabilizam acordos para o desenvolvimento da inovação. Como exemplos, a Política Nacional de Inovação (outubro 2020), a Nova Lei de Licitações (abril 2021) e o Marco Legal da Startups (junho 2021). 

Apesar dos avanços no período pandêmico, barreiras significativas para a inovação em saúde ainda precisam ser superadas:

  • Altos investimentos e de risco: inovação de base científica e tecnológica necessita de alto investimento. O governo deve compartilhar os riscos do desenvolvimento dessas soluções, como ocorreu no desenvolvimento das vacinas, além de criar incentivos para um ambiente propício ao desenvolvimento de soluções tecnológicas;
  • Maturidade das soluções: identificar potencial, selecionar soluções cujo grau de maturidade não esteja avançado e desenhar fluxos de apoio ao desenvolvimento, com ambiente de teste das soluções;
  • Adesão às tecnologias pela ponta – a ponta, que vai receber e implementar a inovação, pode não ter a infraestrutura necessária. Questões corriqueiras em grandes centros urbanos, como o acesso à internet, podem inviabilizar a adoção de soluções digitais na periferia do país;
  • Interconexão e fluxo de comunicação entre as redes primária, secundária e terciária, para adoção de soluções;
  • Startups devem atender o desafio da escala em esfera governamental, tanto do ponto de vista da solução quanto do modelo de negócios;
  • Construir cases de uso dos instrumentos legais para compra e adoção de inovação em saúde, e que possam ser referência para gestores públicos de diferentes esferas governamentais.

Tendo em vista o tamanho dos desafios, as instituições governamentais brasileiras têm diferentes papéis a empenhar: fomentar o ecossistema de inovação em saúde com políticas públicas, linhas de crédito específicas e legislação que crie um ambiente propício à inovação; adotar soluções em saúde que melhorem a qualidade dos serviços prestados ao cidadão; e apoiar o desenvolvimento de soluções com conhecimento científico, infraestrutura e ambiente de testes existentes nas ICTs. 

As startups e GovTechs, do lado da oferta, têm o desafio de direcionar esforços para o desenvolvimento de soluções que considerem as necessidades da saúde pública, além de serem agentes transformadores no apoio à adoção dessas soluções pelos agentes públicos na ponta, como parte do modelo de negócios. 

 

Suellen Pereira de Carvalho é Diretora de Inovação e Design no Instituto Tellus. Administradora pública pela Unesp, pós graduada em Gestão de Projetos pela FGV e Gestão da Inovação Social pelo Instituto Amani – Quênia.

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