Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Desenvolvimento em saúde depende do desafio da inovação https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/desenvolvimento-em-saude-depende-do-desafio-da-inovacao/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/desenvolvimento-em-saude-depende-do-desafio-da-inovacao/#respond Wed, 10 Nov 2021 08:00:51 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/8508-scaled-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=580 Suellen Pereira de Carvalho

 

Cresce o número de iniciativas governamentais para impulsionar startups e GovTechs (startups focadas em gerar inovação para o setor público). Inovação, novas tecnologias e digitalização são elementos importantes de ganho de escala e da qualidade nos serviços públicos, ao mesmo tempo que exigem investimento em recursos financeiros e humanos. 

No campo da política pública, a questão da inovação é tratada sob dois aspectos centrais: o desenvolvimento econômico proporcionado pelo aquecimento do ecossistema, pelo investimento e pela geração de negócios; e a resolução de problemas complexos com o uso de inovação, aprimorando tanto a qualidade dos serviços prestados ao cidadão, quanto as condições de trabalho do agente público.

Antes mesmo da pandemia de Covid-19, a inovação em saúde era um desafio no setor público. Em 2017, os gastos em saúde somaram 9,2% do PIB do país. A pandemia mobilizou governos, empresas e sociedade civil na busca por soluções para o combate ao vírus e às consequências econômicas e sociais. As instituições públicas e privadas precisaram ser rápidas na adoção de tecnologias, para continuar produtivas. 

Na saúde, foi emblemática a velocidade com a qual a telemedicina foi aprovada no Brasil. Na carona do que ocorreu no mundo, o uso de inteligência artificial para apoiar médicos no diagnóstico da Covid-19 também foi adotado no país. As parcerias entre governos e empresas farmacêuticas, via ICTs (Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação), permitiram o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde. 

O legado dessa mobilização de agentes públicos e privados para viabilizar soluções inovadoras em escala nacional já existe. Há uma sucessão de instrumentos legais aprovados recentemente, que propiciam maior segurança jurídica ao agente público e viabilizam acordos para o desenvolvimento da inovação. Como exemplos, a Política Nacional de Inovação (outubro 2020), a Nova Lei de Licitações (abril 2021) e o Marco Legal da Startups (junho 2021). 

Apesar dos avanços no período pandêmico, barreiras significativas para a inovação em saúde ainda precisam ser superadas:

  • Altos investimentos e de risco: inovação de base científica e tecnológica necessita de alto investimento. O governo deve compartilhar os riscos do desenvolvimento dessas soluções, como ocorreu no desenvolvimento das vacinas, além de criar incentivos para um ambiente propício ao desenvolvimento de soluções tecnológicas;
  • Maturidade das soluções: identificar potencial, selecionar soluções cujo grau de maturidade não esteja avançado e desenhar fluxos de apoio ao desenvolvimento, com ambiente de teste das soluções;
  • Adesão às tecnologias pela ponta – a ponta, que vai receber e implementar a inovação, pode não ter a infraestrutura necessária. Questões corriqueiras em grandes centros urbanos, como o acesso à internet, podem inviabilizar a adoção de soluções digitais na periferia do país;
  • Interconexão e fluxo de comunicação entre as redes primária, secundária e terciária, para adoção de soluções;
  • Startups devem atender o desafio da escala em esfera governamental, tanto do ponto de vista da solução quanto do modelo de negócios;
  • Construir cases de uso dos instrumentos legais para compra e adoção de inovação em saúde, e que possam ser referência para gestores públicos de diferentes esferas governamentais.

Tendo em vista o tamanho dos desafios, as instituições governamentais brasileiras têm diferentes papéis a empenhar: fomentar o ecossistema de inovação em saúde com políticas públicas, linhas de crédito específicas e legislação que crie um ambiente propício à inovação; adotar soluções em saúde que melhorem a qualidade dos serviços prestados ao cidadão; e apoiar o desenvolvimento de soluções com conhecimento científico, infraestrutura e ambiente de testes existentes nas ICTs. 

As startups e GovTechs, do lado da oferta, têm o desafio de direcionar esforços para o desenvolvimento de soluções que considerem as necessidades da saúde pública, além de serem agentes transformadores no apoio à adoção dessas soluções pelos agentes públicos na ponta, como parte do modelo de negócios. 

 

Suellen Pereira de Carvalho é Diretora de Inovação e Design no Instituto Tellus. Administradora pública pela Unesp, pós graduada em Gestão de Projetos pela FGV e Gestão da Inovação Social pelo Instituto Amani – Quênia.

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O enfrentamento à pandemia pela transformação digital no Recife https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/o-enfrentamento-a-pandemia-pela-transformacao-digital-no-recife/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/o-enfrentamento-a-pandemia-pela-transformacao-digital-no-recife/#respond Wed, 07 Jul 2021 10:00:11 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/e622b8ea-ac89-47d8-b60e-c6cb46ade602-300x215.jpeg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=442 Agatha Eleone, Gustavo Godoy e Rafael Figueiredo

 

De todos os problemas de saúde, cerca de 85% podem ser resolvidos por meio da Atenção Primária, nome que se dá ao modelo de acolhimento que comprovadamente reduz custos em saúde. O motivo é um instrumento que contempla ações individuais e coletivas voltadas para promoção, proteção da saúde e prevenção de doenças, e para além da abrangência do diagnóstico, do tratamento e da reabilitação.

Apesar do seu inegável e histórico avanço, o modelo ainda é insuficiente em diversos âmbitos, principalmente no que diz respeito à infraestrutura e à disponibilidade de recursos humanos. No intuito de ordenar esforços para melhorar cuidados em saúde e dada a necessidade premente (e impulsionada pela pandemia) de medidas para contenção do colapso dos sistemas de saúde, o uso de tecnologias resolutivas e de ações de inovação se faz ainda mais necessário para superar esses desafios. Experiências internacionais de combate à covid-19 destacam, por exemplo, a oferta à população de aplicativos para identificação de casos leves e graves da doença, além da oferta de teleconsultas, serviços de apoio a pessoas em sofrimento psíquico  e monitoramento de casos em isolamento domiciliar. 

No Brasil o município do Recife, em parceria com o estado de Pernambuco, desenvolveu o aplicativo Atende em Casa. Por meio de um contact center composto por médicos, enfermeiros, operadores de teleatendimento e com o apoio da SUSi – chatbot do aplicativo com mais de 40 perguntas e respostas frequentes –, o aplicativo oferta atendimento através de chamada de vídeo, telefone ou via chat para pessoas com suspeita de covid-19, além de prover orientação sobre as medidas de distanciamento social e isolamento domiciliar. A ferramenta oferece, ainda, teleorientação com profissionais de saúde em casos de risco de agravamento da doença e, se necessário, encaminha o usuário ao serviço de saúde mais próximo e adequado à gravidade, amparando o monitoramento sistemático durante o período de isolamento domiciliar (telemonitoramento) e oferecendo suporte à saúde mental de pessoas em sofrimento psíquico (teleacolhimento). Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, o aplicativo também passou a servir como apoio antes, durante e após a vacinação. Por consequência, continua prevenindo aglomerações e filas nas unidades de saúde.

A expansão do uso do Atende em Casa pela população recifense, associada às normativas vigentes de distanciamento no ambiente de trabalho, culminou no investimento em tecnologia VoIP (sigla para Voice Over IP, telefonia baseada na internet) para o contato telefônico, permitindo que parte da equipe de profissionais que o opera pudesse atuar em regime de trabalho remoto. Para o atendimento, são criadas salas digitais (webconferência) de colaboração em tempo real entre teleorientadores e profissionais referência de coordenação, que distribuem informações e atualizações para toda a equipe de saúde. A limitação de acesso à internet no Recife e no Brasil é um fator que, em muitos casos, impossibilita a condução de videochamadas e dificulta o processo de transformação digital. Por essa razão, boa parte dos atendimentos são realizados por telefone. Ainda assim, ambos os recursos (a videochamada e o atendimento telefônico) possibilitaram que profissionais do grupo de risco para covid-19 pudessem continuar a exercer suas atividades de forma segura.

O data analytics acessado pela equipe de monitoramento dos indicadores avalia que mais de 240 mil pessoas no estado estão cadastradas no aplicativo. Foram realizados, até agora, mais de 200 mil atendimentos por médicos e enfermeiros, em chamadas de vídeo ou telefone, e avaliadas mais de 117 mil pessoas com sintomas de risco para formas graves da doença. O impacto do teleatendimento e do telemonitoramento é notório. Apenas 14,7% do total de pessoas atendidas precisaram ser encaminhadas para consulta presencial. Todo o restante da população que recebeu atendimento pôde ser acolhida e orientada a manter o isolamento domiciliar, evitando o deslocamento desnecessário de milhares de pessoas com quadros leves de covid-19. A SUSi, assistente virtual do Atende em Casa, resolveu 67% dos mais de 250 mil atendimentos via chat no “Posso ajudar”. Com relação ao teleacolhimento, a iniciativa garantiu o apoio emocional por profissionais da Rede de Atenção Psicossocial do Recife em quase 5 mil atendimentos.

A ferramenta tecnológica permitiu a ampliação do acesso e a melhoria contínua da qualidade de atenção para a população. A autoavaliação de sintomas com classificação de risco, teleorientação e telemonitoramento com profissionais de saúde pode ajudar pessoas a cuidar melhor da hipertensão arterial, da diabetes, apoiar o acompanhamento das gestantes durante o pré-natal, melhorar a adesão ao tratamento de pessoas com tuberculose e hanseníase e apoiar emocionalmente pessoas em tratamento para depressão e ansiedade, entre outros benefícios já relatados por inúmeras pesquisas ao redor do mundo. A telessaúde do Recife não tem a proposta de substituir o cuidado presencial, mas vem rompendo barreiras de acesso aos serviços de saúde e ocupando lacunas de monitoramento sem competir com serviços de saúde já implantados.

O caráter dinâmico e transitório da pandemia, apesar de intensificar as fragilidades dos serviços públicos de saúde, proporcionou ao Recife a criação de um projeto que pode ser expandido tanto para diversas linhas de cuidado quanto para outros serviços do sistema de saúde, além de desafiar o planejamento e a mobilização de recursos humanos para responder à alta demanda de atendimentos. Os resultados consolidados pela experiência do Atende em Casa evidenciam a necessidade de firmar bases para sua continuidade sustentável e servem como ponto de partida para diversas outras iniciativas inovadoras.

 

Agatha Eleone, Pesquisadora de Políticas Públicas do IEPS.

Gustavo Godoy, Coordenador do Núcleo Municipal de Telessaúde do Recife.

Rafael Figueiredo, Secretário Executivo de Transformação Digital do Recife.

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