Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Healthtechs: o que podemos esperar? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/07/healthtechs-o-que-podemos-esperar/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/07/healthtechs-o-que-podemos-esperar/#respond Fri, 07 Jan 2022 08:00:44 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/01/c-3-730x487-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=614 Ivisen Lourenço

 

A quantidade de startups na área de saúde cresceu significativamente nos últimos 4 anos, principalmente durante a pandemia. Se, em 2018, no primeiro levantamento feito pela plataforma de inovação “Distrito”, eram 248 “healthtechs”, em setembro deste ano já são 945 – crescimento de 281%. O mercado já reconhece o crescimento e a força das healthtechs, com investimentos que ultrapassam US$ 450 milhões desde 2018, de acordo com dados da Distrito.

O franco crescimento de qualquer startup é resultado de tecnologia e inovação. O cenário é animador, tanto para iniciativas empreendedoras mais maduras, que buscam expansão, quanto para novas iniciativas. Porém, é necessário um olhar mais crítico para o atual momento e entender como as tecnologias chegam aos pacientes, principalmente aqueles atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

SUS e as healthtechs 

Quando falamos em saúde, precisamos levar em consideração a força do SUS. Cerca de 71,5%, ou 150 milhões dos brasileiros, dependiam exclusivamente dele, ainda em 2019, antes da pandemia. No entanto, só nos dois primeiros meses de pandemia, 283 mil pessoas perderam seus planos de saúde, aumentando, diante da crise econômica e do desemprego, a dependência do brasileiro ao SUS.

Se existe uma palavra que define a vantagem de integração das healthtechs, neste contexto, é “escalabilidade”, ou seja, a oportunidade de aumentar os atendimentos em saúde, sem de fato expandir os custos.  O intuito, no entanto, é exatamente o inverso: custos reduzidos e serviço otimizado. 

A oportunidade de integração das startups ao setor público também pode corrigir um erro antigo da gestão em saúde: ser “hospitalocêntrico”, isto é, a saúde pública atuar focada na estrutura física e no volume de atendimentos, e não no valor e no desfecho clínico favorável ao paciente. As tecnologias possibilitam mudar essa estrutura e fazer o paciente protagonista – como sempre deve ser – a partir da ampliação de ações de prevenção e diagnóstico.

Quando olhamos para as healthtechs, precisa haver espaço para desenvolvimento e atuação. A falta de regulamentação, as dificuldades regulatórias para aprovação de novas tecnologias e a falta de políticas públicas de fomento à inovação no SUS são barreiras substanciais. Na prática, isso significa um número gigante de empresas interessadas em um mercado privado, que, porém, não se conecta diretamente ao Sistema Único de Saúde e tampouco se multiplica no ambiente mais necessário, o público.

A telessaúde, por exemplo, só foi regulamentada temporariamente por meio de um projeto de lei de 2020, que já se arrastava por 20 anos. Além da interpretação das entidades de classe, deve-se lembrar também do papel dos órgãos reguladores, principalmente quando o assunto são novas tecnologias, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o próprio Ministério da Saúde, com seus grupos de avaliação de tecnologia. Há a necessidade latente de revisão ágil dos arcabouços legais e regulatórios, de modo que, preferencialmente, acompanhe a velocidade do desenvolvimento tecnológico. 

A adoção de tecnologias também passa pela capacidade de internalização dos próprios profissionais de saúde. Esse é um ponto compartilhado entre políticas públicas e setor privado. De um lado, há a falta de ações sistemáticas de desenvolvimento e capacitação pelo Estado; do outro, a necessidade de o setor privado facilitar e considerar essa dimensão no desenvolvimento e na implantação dos projetos. 

Avanço inevitável 

A pandemia escancarou que muitos avanços já poderiam ter sido colocados em prática, com o uso da tecnologia em saúde. Retroceder não é uma opção. Vale destacar algumas iniciativas: 

Inovação orientada a desafios 

O IdeiaGov, iniciativa do governo do Estado de São Paulo, possibilitou o lançamento de desafios de saúde focados no combate à pandemia. Nesse programa, startups encontraram um caminho para apresentar tecnologias e se conectarem com atores do setor público. O programa nasceu em plena pandemia e hoje já é reconhecido como referência de conexão entre startups e governo.

Hubs de Inovação focados em saúde

O InovaHC se destaca como catalisador de inovação em saúde, o que facilita o desenvolvimento de novas soluções em saúde, por meio da conexão entre universidade, setor privado e governo. O InovaHC é o hub de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, conta com programas de apoio à inovação que facilitam a jornada dos empreendedores, sendo também um dos principais centros de pesquisa e inovação em saúde do mundo. 

Programas de aceleração de negócio

Programa de aceleração de startups 100% gratuito, o BNDES Garagem é uma parceria entre Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e aceleradoras de mercado. Com um olhar específico para govtechs, saúde e potencial de investimento, o BNDES Garagem é um dos principais programas em nível nacional para empresas nascentes. 

Para o desenvolvimento contínuo das tecnologias no SUS, são necessários: maior esforço do setor público para expandir projetos; desburocratizar normas; uma efetiva e clara regulamentação; e mudança de mentalidade. As healthtechs são o agora, já que os benefícios de suas aplicações devem expandir o atendimento em saúde e melhorar a qualidade do SUS. O futuro é uma saúde pública ainda mais conectada e online, com o paciente no centro do atendimento.

Ivisen Lourenço é Head de Open Innovation da InovaHC

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O impacto da tecnologia de ponta na formação do médico do futuro https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/#respond Wed, 08 Dec 2021 08:00:32 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/12/bbc03-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=609 André Raeli

 

O conhecimento médico está avançando em uma velocidade singular. E não é de hoje: basta comparar os primeiros registros do ofício da medicina em civilizações pré-históricas e as modernas práticas da atualidade. 

Estudo da “American Clinical and Climatological Association” realizado em 2011 mostra que o domínio humano sobre esse entendimento prático da profissão avançou exponencialmente. Na década de 1950 do século XX, o tempo de duplicação do saber clínico foi de 50 anos; já em 1980, passou para 7; em 2010, 3,5 anos. Em 2020, a projeção foi de 0,2 anos, ou seja, apenas 73 dias. A incidência de novas patologias, o aumento da população e o avanço nas pesquisas podem ter contribuído para o novo cenário. 

No entanto, nada foi tão impactante nessa trajetória quanto a chegada das mais recentes tecnologias. Do diagnóstico aos processos cirúrgicos refinados, passando pelas mais robustas técnicas de tratamento e controle de doenças, todas as especialidades médicas sofreram o impacto da inovação,  sem, porém, abandonar a essência do cuidado tradicional. 

A inteligência artificial (IA) ou a Internet das Coisas (IoT), por exemplo, são empolgantes, mas não se pode perder de vista a importância da formação e da educação continuada. Cada vez mais novos profissionais precisam se preparar para esse novo horizonte tecnológico, com mais autonomia para a operação de novos sistemas e canais de suporte à decisão clínica. Em 2010, havia 320 mil médicos no Brasil; atualmente são mais de 550 mil em atuação. Portanto, existe um grande contingente que se formou em um paradigma de menos informação e conhecimento em relação à tecnologia aplicada.

Ainda que a natureza da profissão seja a busca ativa e constante por aperfeiçoamento e atualização, é preciso expandir o conhecimento em direção às novas tendências. Muito se fala do médico do futuro, das múltiplas habilidades e dos caminhos essenciais de formação, mas olhando apenas para os próximos anos. O futuro já chegou e capilarizar o conhecimento médico depende de uma mistura de fatores. É urgente falar sobre isso. É primordial manter uma escuta ativa com os médicos e prover novas formas de construir e disseminar o conhecimento.

Em trocas e diálogos contínuos com esses profissionais, é preciso valorizar o argumento do benefício de arquitetar um futuro para medicina, começando hoje. Tecnologias que podem ser ainda disruptivas para algumas áreas já fazem parte da rotina médica e  fazem a diferença em prognósticos e linhas de cuidado. As impressoras 3D para o auxílio em próteses, a ascensão do nicho de imaginologia e a oferta dos dispositivos de ultrassonografia móveis são alguns dos caminhos já bastante estabelecidos.

Na prática, as especializações médicas devem incorporar essa dinâmica de ampliação do conhecimento, de novas técnicas e plataformas, que não param de chegar. A telemedicina, autorizada em função do isolamento social na pandemia, é um exemplo de que as barreiras caíram e as oportunidades se tornam ilimitadas. É importante manter o radar ligado nos novos caminhos de aprendizado, visando sempre às melhores práticas para atender e proporcionar mais qualidade de vida.

É realmente difícil prever com exatidão o futuro, mas antevê-lo tem sido uma realidade frequente por meio da tecnologia. O preparo do médico do futuro não está no amanhã; ele começa agora, de forma muito intensa. O médico de 2040 irá olhar para o médico de hoje da mesma forma que é feito com o médico da idade média. O caminho para não ficar para trás é olhar para frente, compreendendo que há jornadas importantes já otimizadas pela tecnologia e que não irão sucumbir à magnitude do cuidar médico.  

André Raeli é diretor de educação continuada da Afya, maior ecossistema de educação e tecnologia voltada para a saúde no Brasil

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Inovação em saúde: sim, há desafios, mas há também oportunidades https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/#respond Wed, 17 Nov 2021 09:00:41 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/ge_inovação_na_saude-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=592 Ivisen Lourenço

 

Um estudo da “The Economist Intelligence Unit (EIU)”, divisão de pesquisa e análise de risco da revista “The Economist”,  indica que a pandemia de Covid-19 acelerou em 72% a transformação digital nas empresas, além de  estimular a criação e o desenvolvimento de novas startups no Brasil. 

Em relação à área da Saúde, o País já contava, em maio de 2021, com 430 startups no setor, um crescimento de 118% em dois anos. Nesse processo, a adesão à telemedicina durante a pandemia foi essencial, assim como a inteligência artificial (IA) e a internet das coisas (IoT).

Porém, colocar a inovação em prática não é tão simples assim. A 4ª edição da pesquisa “Ace Innovation Survey”, da consultoria de inovação corporativa ACE Cortex, revela que,  apesar de ser prioridade para 85% das empresas, apenas 36% possuem estrutura adequada para desenvolver novas ideias em seus ambientes corporativos. Na saúde, estes números são ainda menores. 

Gargalos da inovação 

Em 2021, o Índice Global de Inovação mostrou que nações com altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), como Suíça, Suécia e EUA, lideram o ranking de países inovadores. O Brasil, décima terceira economia do mundo, está apenas no 57º lugar entre 126 países. 

Mais do que simplesmente adotar tecnologias, é preciso atuar de forma eficiente para dinamizar processos, o que pode exigir mudança cultural e treinamentos. Particularmente, a saúde tem ciclos mais longos de inovação, por exigências inerentes ao setor. Não se trata apenas de comprar softwares e hardwares, mas operá-los para que entreguem agilidade, assertividade e segurança nos resultados para todos os públicos envolvidos em hospitais e clínicas. 

É preciso ainda considerar desafios que hoje impactam diretamente à Saúde:

  • exigências regulatórias do setor: a área é extremamente afetada pela regulação de medicamentos, equipamentos, serviços e insumos.  Adequar-se às mudanças nesse ambiente é um grande desafio – tanto que já existem as regtechs, startups que ajudam empresas a se adequar diante dessas mudanças.  Das 309 regtechs brasileiras, 25 são voltadas para saúde e ciências da vida;
  • desenvolvimento e manutenção de capital intelectual exige tempo e investimento: não se desenvolvem criatividade e experiências de uma hora para outra. Ao mesmo tempo, há a desvalorização e a debandada do capital humano para centros mais desenvolvidos em inovação.
  • dificuldades tecnológicas, especialmente a interoperabilidade: uma solução não opera com outra e, assim, trava fluxos e atrasa resultados. Já existem sistemas extremamente avançados e bem desenvolvidos, especialmente para tratamentos intensivos, mas a preocupação de marcas e fabricantes em fazê-los de forma a otimizar a colaboração não parece ser o foco. Não se trata de integração: um não precisa depender da tecnologia do outro, e sim trabalhar juntos.

Importância da cultura de inovação 

Por outro lado, agora, mais do que nunca, não é hora de parar. A pandemia deixou uma demanda reprimida por exames e tratamentos. Milhares de diagnósticos deixaram de ser feitos precocemente em todo o mundo. Teremos  ondas de doenças mais avançadas sendo identificadas nos próximos meses ou anos – especialmente aquelas que não trazem sintomas e dependem do acompanhamento de rotina.

A pesquisa da CNI também reforça que inovar não é somente um benefício competitivo, mas também de sobrevivência. A cultura de inovação está associada aos valores, normas e atitudes que estimulam o pensamento, para que haja o desenvolvimento das inovações. 

Não faltam mercados e setores que enfrentam obstáculos diários e precisam de soluções inovadores em seus processos e fluxos, como o da saúde. É possível melhorar a vida das pessoas, os custos e as rotinas de empresas e organizações apostando na tecnologia empregada. É possível cuidar do bem-estar, das finanças, do futuro de cidades inteiras; tornar o mundo mais palatável e humano utilizando tecnologia – com sabedoria e assertividade.

 

Ivisen Lourenço é Design Thinker e administrador de sistemas de saúde com experiência formatada em mais de 10 anos de atuação em gestão hospitalar. Atualmente é Head de Open Innovation no InovaHC.

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Desenvolvimento em saúde depende do desafio da inovação https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/desenvolvimento-em-saude-depende-do-desafio-da-inovacao/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/desenvolvimento-em-saude-depende-do-desafio-da-inovacao/#respond Wed, 10 Nov 2021 08:00:51 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/8508-scaled-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=580 Suellen Pereira de Carvalho

 

Cresce o número de iniciativas governamentais para impulsionar startups e GovTechs (startups focadas em gerar inovação para o setor público). Inovação, novas tecnologias e digitalização são elementos importantes de ganho de escala e da qualidade nos serviços públicos, ao mesmo tempo que exigem investimento em recursos financeiros e humanos. 

No campo da política pública, a questão da inovação é tratada sob dois aspectos centrais: o desenvolvimento econômico proporcionado pelo aquecimento do ecossistema, pelo investimento e pela geração de negócios; e a resolução de problemas complexos com o uso de inovação, aprimorando tanto a qualidade dos serviços prestados ao cidadão, quanto as condições de trabalho do agente público.

Antes mesmo da pandemia de Covid-19, a inovação em saúde era um desafio no setor público. Em 2017, os gastos em saúde somaram 9,2% do PIB do país. A pandemia mobilizou governos, empresas e sociedade civil na busca por soluções para o combate ao vírus e às consequências econômicas e sociais. As instituições públicas e privadas precisaram ser rápidas na adoção de tecnologias, para continuar produtivas. 

Na saúde, foi emblemática a velocidade com a qual a telemedicina foi aprovada no Brasil. Na carona do que ocorreu no mundo, o uso de inteligência artificial para apoiar médicos no diagnóstico da Covid-19 também foi adotado no país. As parcerias entre governos e empresas farmacêuticas, via ICTs (Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação), permitiram o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde. 

O legado dessa mobilização de agentes públicos e privados para viabilizar soluções inovadoras em escala nacional já existe. Há uma sucessão de instrumentos legais aprovados recentemente, que propiciam maior segurança jurídica ao agente público e viabilizam acordos para o desenvolvimento da inovação. Como exemplos, a Política Nacional de Inovação (outubro 2020), a Nova Lei de Licitações (abril 2021) e o Marco Legal da Startups (junho 2021). 

Apesar dos avanços no período pandêmico, barreiras significativas para a inovação em saúde ainda precisam ser superadas:

  • Altos investimentos e de risco: inovação de base científica e tecnológica necessita de alto investimento. O governo deve compartilhar os riscos do desenvolvimento dessas soluções, como ocorreu no desenvolvimento das vacinas, além de criar incentivos para um ambiente propício ao desenvolvimento de soluções tecnológicas;
  • Maturidade das soluções: identificar potencial, selecionar soluções cujo grau de maturidade não esteja avançado e desenhar fluxos de apoio ao desenvolvimento, com ambiente de teste das soluções;
  • Adesão às tecnologias pela ponta – a ponta, que vai receber e implementar a inovação, pode não ter a infraestrutura necessária. Questões corriqueiras em grandes centros urbanos, como o acesso à internet, podem inviabilizar a adoção de soluções digitais na periferia do país;
  • Interconexão e fluxo de comunicação entre as redes primária, secundária e terciária, para adoção de soluções;
  • Startups devem atender o desafio da escala em esfera governamental, tanto do ponto de vista da solução quanto do modelo de negócios;
  • Construir cases de uso dos instrumentos legais para compra e adoção de inovação em saúde, e que possam ser referência para gestores públicos de diferentes esferas governamentais.

Tendo em vista o tamanho dos desafios, as instituições governamentais brasileiras têm diferentes papéis a empenhar: fomentar o ecossistema de inovação em saúde com políticas públicas, linhas de crédito específicas e legislação que crie um ambiente propício à inovação; adotar soluções em saúde que melhorem a qualidade dos serviços prestados ao cidadão; e apoiar o desenvolvimento de soluções com conhecimento científico, infraestrutura e ambiente de testes existentes nas ICTs. 

As startups e GovTechs, do lado da oferta, têm o desafio de direcionar esforços para o desenvolvimento de soluções que considerem as necessidades da saúde pública, além de serem agentes transformadores no apoio à adoção dessas soluções pelos agentes públicos na ponta, como parte do modelo de negócios. 

 

Suellen Pereira de Carvalho é Diretora de Inovação e Design no Instituto Tellus. Administradora pública pela Unesp, pós graduada em Gestão de Projetos pela FGV e Gestão da Inovação Social pelo Instituto Amani – Quênia.

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Atuar na prevenção e tratamento em saúde mental de mulheres e adolescentes é prioridade https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/atuar-na-prevencao-e-tratamento-em-saude-mental-de-mulheres-e-adolescentes-e-prioridade/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/atuar-na-prevencao-e-tratamento-em-saude-mental-de-mulheres-e-adolescentes-e-prioridade/#respond Wed, 11 Aug 2021 10:00:39 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/istock-mulher-terapia_widelg-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=474 Maria Fernanda Quartiero e Luciana Barrancos

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) acaba de divulgar novas diretrizes sobre cuidados em saúde mental, priorizando a recuperação de comunidades e com orientações de combate às violações de direitos humanos. Promover saúde, na lógica dos direitos humanos, significa ir além da lógica estritamente sanitária, muitas vezes centrada na superação dos adoecimentos e não em sua prevenção, para assumir a lógica do bem-estar da saúde de forma integral.

Para o Instituto Cactus combater as violações de direitos humanos no campo da saúde mental requer compreender que não existe uma “receita de bolo” para trabalhar os sofrimentos psíquicos, tampouco existe um caminho que serve para todos ou uma solução que dê conta de toda a complexidade desse tema. Quando falamos em saúde mental, é preciso incorporar uma “lente de aumento” para viabilizar olhares segmentados e adequados para cada grupo, pois suas especificidades determinam como se deve atuar. 

Para criar esses olhares segmentados, pode-se adotar o uso de dados e indicadores na gestão pública, que funcionam como sinalizadores da realidade e podem orientar a tomada de decisões. Cruzar e interpretar essas informações ajuda a compreender as dinâmicas locais, características e necessidades de diferentes territórios e, em consequência, melhora a qualidade dos serviços oferecidos. Os grupos, por sua vez, têm que ser segmentados com base em perfis que incluem preferências, estilos de vida e condições sociais, o que se apoia em uma visão de indivíduo como ser biopsicossocial, integrando questões biológicas, psicológicas e sociais. Ao abordar o indivíduo como ser biopsicossocial e a sua associação com saúde mental como um estado de bem-estar, há que se atentar para não elevar para a saúde mental o nível de exigência que temos para a saúde biológica –já que conflito, inadequação e sofrimento fazem parte do cenário.

Na impossibilidade de atacar todos os problemas de uma única vez de forma efetiva e consistente, o Instituto Cactus elege as mulheres e os adolescentes como públicos prioritários para pavimentar o caminho no campo da saúde mental. O primeiro esforço nesse sentido foi a publicação do levantamento Caminhos em Saúde Mental, desenvolvido em parceria com o Instituto Veredas com o objetivo de oferecer um entendimento amplo e complexo a respeito do campo da saúde mental, considerando tanto os consensos produzidos pelos organismos internacionais quanto a própria experiência brasileira, e ouvindo especialistas das mais diversas áreas: sociologia, gestão pública, medicina e atores do campo.

A escolha desses públicos ilustra como um olhar cuidadoso, empático e direcionado pode ser feito quando se trata de olhar para públicos específicos em saúde mental.  Entendemos que esses públicos trazem questões relevantes que merecem ser priorizadas na compreensão e abordagem da saúde mental, como detalhado a seguir.

 

Adolescentes 

A adolescência é um período marcado por transformações psicossociais em que  acontece a construção da identidade e existem inúmeras mudanças na anatomia, fisiologia, no ambiente social, na relação com a sexualidade etc. Apesar disso, é um momento invisível e negligenciado, o que gera estigmas e impactos negativos na qualidade de vida dos adolescentes, e que serão carregados até a fase adulta. 

De acordo com os dados reunidos no levantamento Caminhos em Saúde Mental, 50% das condições de saúde mental começam até os 14 anos de idade e afetam 3 a cada 4 pessoas até os 24 anos. Ainda, segundo a OMS, suicídio é segunda causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos. Esse é o público que, no futuro, serão os líderes da sociedade, cidadãos e agentes de transformação do mundo. Mas como construir o futuro sem cuidar no presente da saúde mental de quem será responsável por ele? 

Aproximadamente 80% dos casos não são diagnosticados ou tratados adequadamente e, por isso, muitos dos quadros que poderiam ser prevenidos ou recebido intervenções precocemente se agravam e afetam não só o indivíduo, mas todo o seu entorno. Nesse sentido, a prevenção em saúde mental é extremamente necessária. Não podemos continuar sendo um país que apaga incêndios e não ataca a raiz dos problemas com ações sistemáticas para resolvê-los a longo prazo. Os estigmas e as consequências de transtornos não tratados impactam a qualidade de vida desses adolescentes por toda a vida, sua habilidade de convívio em comunidade, sua produtividade e suas relações sociais e com o meio ambiente. 

O rótulo de “aborrescente”, que os define como inconsequentes e rebeldes sem causa, naturaliza os obstáculos dessa fase da vida e diminui o sofrimento decorrente de violências sexuais e domésticas, bullying etc.. Têm também repercussões drásticas na vida desses jovens, como o uso abusivo de substâncias, desenvolvimento de psicopatologias, reflexos negativos nas relações interpessoais e comportamentos de risco para aqueles que são tidos como o “futuro da nação”. 

 

Mulheres

A prevalência de condições de saúde mental é maior nas mulheres, quando comparadas aos homens, e isso vai muito além da perspectiva biológica. Segundo a OMS, o gênero implica diferentes suscetibilidades e exposições a riscos específicos para a saúde mental, por conta de diferentes processos biológicos e relações sociais. Nascer mulher perpassa papéis, comportamentos, atividades e oportunidades que determinam o que podemos experimentar ao longo da vida e, portanto, estabelece vivências estruturalmente diferentes daquelas experimentadas pelos homens. 

Uma em cada cinco mulheres apresenta transtornos mentais comuns e a taxa de depressão é, em média, o dobro da taxa de homens com o mesmo sofrimento, podendo ainda ser mais persistente nas mulheres. A sobrecarga física e mental de trabalho é apontada como um dos principais fatores que deixam as mulheres especialmente vulneráveis aos sofrimentos psicológicos: em mulheres com alta sobrecarga doméstica, por exemplo, o número de mulheres com transtornos mentais comuns vai de 1 a cada 5 mulheres para 1 a cada 2 mulheres. Esses dados impactam também os dados sobre tentativas de suicídio –mulheres são duas vezes mais propensas.

Nesse sentido, o acolhimento das mulheres com questões de saúde mental demanda um olhar ampliado para outras questões físicas, psicológicas e sociais relacionadas ao gênero. Os transtornos alimentares, por exemplo, são causas importantes de morbidade e mortalidade entre mulheres jovens e precisam ser considerados a partir de um debate sobre os padrões físicos impostos pela mídia e pela indústria da beleza. Além disso podemos vivenciar transtornos mentais associados à gestação, ao aborto, ao puerpério e à menopausa, inclusive como sequelas de violência médica e obstétrica. 

Que marcas a violência obstétrica, que tem como maiores vítimas as mulheres negras, deixa na vida de uma mulher que não é poupada da dor no momento de dar a luz e não recebe uma série de outros cuidados tão importantes nesse momento? Por isso precisamos olhar para esse público de forma segmentada e específica. Como um primeiro passo para avançar nesse desafio, além de consolidar dados e convocar mais olhares para o tema no “Caminhos em Saúde Mental”, o Instituto Cactus apoia um projeto de acolhimento psicológico de emergência para mulheres negras, pardas, indígenas e/ou periféricas da Casa de Marias, iniciativa focado em democratizar acesso a ferramentas de alívio emergencial de sofrimento mental para esse público. 

 

Porque priorizar a saúde mental de adolescentes e mulheres 

Adolescentes e mulheres são importantes vetores de mudança para a sociedade. Eles são os líderes dessa e das próximas gerações e elas, as principais responsáveis por práticas de cuidado, predominando em categorias como educadoras, enfermeiras, assistentes sociais etc., além de  referências em seus núcleos familiares. Ambos possuem uma grande importância e têm, no melhor dos casos, recebido uma atenção parcial no país. Por isso a decisão de focar as ações do Instituto Cactus, inicialmente, nesses públicos. 

Sabemos que esse recorte não é exclusivo ou exaustivo e que existem diversos outros grupos que merecem atenção e cuidado de forma emergencial, como a população negra, os povos indígenas e as populações que são submetidas a situações de emergência humanitária, mas nossa escolha pelos públicos de mulheres e adolescentes se baseia, em grande parte, no entendimento de que estes grupos não só mereciam mais atenção como multiplicadores de mudança, mas também como bastante negligenciados pelas políticas públicas e iniciativas atuais e, portanto, com uma grande oportunidade de atuação e impacto positivo.

O foco nesses públicos faz parte de um esforço vital para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e da Agenda 2030 da ONU. O ODS número 3 tem como meta boa saúde e bem-estar, o que requer a redução da carga de transtornos mentais e mortes por suicídio. O ODS 5 busca a igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas. Esses dois objetivos andam de mãos dadas, pois sabemos que meninas e mulheres sofrem desproporcionalmente as consequências negativas dos transtornos mentais comuns, que estão fortemente associados às experiências femininas de violência e oportunidades e compensação desiguais em termos de educação e oportunidades no mercado de trabalho. 

Construir olhares segmentados que deem conta da individualidade de cada um, com empatia, e que contribuam para a construção de práticas e intervenções mais efetivas é fundamental para um trabalho mais assertivo e sustentável para trabalhar a saúde mental.

 

Maria Fernanda Quartiero é investidora social e Diretora Presidente do Instituto Cactus, uma organização que trabalha para a prevenção e a promoção da saúde mental no Brasil, através da geração de conhecimento e evidências, identificação e multiplicação de boas práticas, incidência em políticas públicas, articulação de ecossistemas e conscientização da sociedade sobre o tema.

Luciana Barrancos é Gerente Executiva do Instituto Cactus e é advogada e administradora de empresas pela FGV, com MBA por Stanford, com experiência em investimentos de impacto na International Finance Corporation e em startups de saúde mental no Vale do Silício. 

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Saúde mental: indicadores e dados descomplicados são fundamentais para melhorar a efetividade dos serviços no Brasil https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/21/saude-mental-indicadores-e-dados-descomplicados-sao-fundamentais-para-melhorar-a-efetividade-dos-servicos-no-brasil/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/21/saude-mental-indicadores-e-dados-descomplicados-sao-fundamentais-para-melhorar-a-efetividade-dos-servicos-no-brasil/#respond Wed, 21 Jul 2021 10:00:30 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/1d7dc5b1146b96618d440d3a8ddadd46_05-29-17_05-35-32-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=456 Maria Fernanda Quartiero, Luciana Barrancos, Daniela Krausz e Isabel Opice 

 

Uso de dados e indicadores na gestão de saúde potencializa a implementação de políticas públicas e a formulação de metas de cuidado relacionadas à saúde mental

 

Como se mede a satisfação de usuários e o sucesso dos serviços de saúde mental? Para rever e ajustar estratégias de cuidado oferecidas no Sistema Único de Saúde (SUS), é necessário entender o que está funcionando, o que não está e porquê. Dados e indicadores são fundamentais para apoiar tomadas de decisão com base em evidências e avançar no seu uso na gestão pública é uma oportunidade para alavancar formas de avaliação e aprimoramento dos serviços de saúde mental no Brasil.  

Atualmente, não existe um conjunto de indicadores que seja aplicado de forma consensual e consistente, tendo como objetivo monitorar e medir a efetividade do sistema de saúde mental no nível no país. Sabemos que sete a cada 10 pessoas dependem exclusivamente do SUS, e também que saúde mental foi o sexto motivo mais frequente apontado como impedimento para a realização de atividades habituais –como mostrou o último levantamento sobre acesso e utilização dos serviços de saúde do IBGE em 2019.

Mas apesar de a saúde mental ser um tema cada vez mais presente na agenda do dia, por que razão os governos ainda têm pouco acesso a informações de qualidade e não usam indicadores para direcionar esforços e recursos em direção às necessidades da população?

São três os principais desafios identificados para o uso de indicadores no desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental no Brasil.

O primeiro desafio refere-se à subjetividade do diagnóstico. Diferentemente de indicadores relativos a doenças como hipertensão e diabetes, muitas vezes binários e mais objetivos (há ou não há determinado quadro), o diagnóstico na saúde mental é mais subjetivo. Definir um distúrbio depende de observações e de um entendimento amplo e integral do usuário, razão pela qual se recomenda que os diagnósticos sejam feitos dentro de um espectro –desde casos mais leves a casos mais graves. A complexidade do diagnóstico no nível individual dificulta o entendimento mais amplo e a construção de indicadores no nível das redes de saúde.  

Como segundo elemento, destaca-se a  falta de uma visão completa do usuário e de sua trajetória dentro da  rede de atenção psicossocial. Para utilizar dados e indicadores, é crucial entender a trajetória de uma pessoa dentro do sistema, oferecendo informações sobre a continuidade de tratamentos iniciados dentro do equipamento e apontando caminhos para melhorias nas práticas de cuidado. Hoje, as principais informações registradas sobre cidadãos no sistemas de saúde –como quantidade de atendimentos realizados, por exemplo– não são suficientes para desenvolver indicadores que permitam o entendimento de onde esse fluxo não está funcionando. A multiplicidade de sistemas existentes também contribui para esse desafio, com a gestão pública se deparando com problemas na trajetória do usuário, mas não dispondo de métricas para entender o tamanho do problema ou o ponto exato onde o fluxo está disfuncional.

Por fim, há o obstáculo relativo ao  baixo uso de indicadores de sucesso e de resultado dos serviços de saúde mental. Não há, de forma consistente no Brasil, métricas de resultado e sucesso que ajudem gestores a entender deficiências dos serviços e a rever as estratégias para ajustar o que for necessário, com base em dados concretos. Por exemplo, o que leva uma pessoa a abandonar um tratamento em saúde mental? Qual é o impacto de um serviço na qualidade de vida das pessoas que passam por ele? Quais são os serviços capazes de potencializar a autonomia de pessoas com transtornos de saúde mental? No Canadá, mede-se a taxa de repetição de hospitalizações para pessoas com doença mental em um ano, já que uma taxa alta pode indicar uma deficiência do atendimento. 

Em função desses desafios, dada a importância da saúde mental para a qualidade de vida dos brasileiros, o Instituto Cactus e a ImpulsoGov estão desenvolvendo projeto piloto, em parceria com governos municipais, com o objetivo de consolidar indicadores de saúde mental que forneçam informações-chave ao gestor público, e que ajudem a melhorar a qualidade dos atendimentos e possam ser utilizados em outras cidades do Brasil. 

Para isso, envolver o ecossistema de saúde mental do Brasil no uso de indicadores é fundamental. Acreditamos que todo esse processo precisa ser feito de maneira integrada ao dia a dia da gestão e ao funcionamento dos equipamentos de saúde pública. Criar indicadores de saúde mental, gerando informação de qualidade e descomplicada, é um passo-chave que terá impacto positivo a cuidadores e usuários do sistema de saúde, permitindo que a alocação e uso do orçamento de recursos públicos sejam otimizados, e que os processos decisórios, a qualidade e a efetividade dos serviços públicos de saúde mental sejam aprimorados no Brasil, impactando milhões de brasileiros.

 

Maria Fernanda Quartiero é investidora social e Diretora Presidente do Instituto Cactus, uma organização que trabalha para a prevenção e a promoção da saúde mental no Brasil, através da geração de conhecimento e evidências, identificação e multiplicação de boas práticas, incidência em políticas públicas, articulação de ecossistemas e conscientização da sociedade sobre o tema.

Luciana Barrancos é Gerente Executiva do Instituto Cactus e é advogada e administradora de empresas pela FGV, com MBA por Stanford, com experiência em investimentos de impacto na International Finance Corporation e em startups de saúde mental no Vale do Silício.

Daniela Krausz é Gerente Sênior de Projetos na ImpulsoGov, uma organização brasileira de saúde pública que tem como objetivo impulsionar o uso de dados e tecnologia no setor público para assegurar o direito a uma vida saudável a todas as brasileiras e brasileiros, sem exceção.

Isabel Opice é Co-fundadora e Diretora de Operações da ImpulsoGov e Mestre em Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Harvard, com experiência no Governo do Estado de São Paulo e no Instituto Ayrton Senna.

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O enfrentamento à pandemia pela transformação digital no Recife https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/o-enfrentamento-a-pandemia-pela-transformacao-digital-no-recife/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/o-enfrentamento-a-pandemia-pela-transformacao-digital-no-recife/#respond Wed, 07 Jul 2021 10:00:11 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/e622b8ea-ac89-47d8-b60e-c6cb46ade602-300x215.jpeg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=442 Agatha Eleone, Gustavo Godoy e Rafael Figueiredo

 

De todos os problemas de saúde, cerca de 85% podem ser resolvidos por meio da Atenção Primária, nome que se dá ao modelo de acolhimento que comprovadamente reduz custos em saúde. O motivo é um instrumento que contempla ações individuais e coletivas voltadas para promoção, proteção da saúde e prevenção de doenças, e para além da abrangência do diagnóstico, do tratamento e da reabilitação.

Apesar do seu inegável e histórico avanço, o modelo ainda é insuficiente em diversos âmbitos, principalmente no que diz respeito à infraestrutura e à disponibilidade de recursos humanos. No intuito de ordenar esforços para melhorar cuidados em saúde e dada a necessidade premente (e impulsionada pela pandemia) de medidas para contenção do colapso dos sistemas de saúde, o uso de tecnologias resolutivas e de ações de inovação se faz ainda mais necessário para superar esses desafios. Experiências internacionais de combate à covid-19 destacam, por exemplo, a oferta à população de aplicativos para identificação de casos leves e graves da doença, além da oferta de teleconsultas, serviços de apoio a pessoas em sofrimento psíquico  e monitoramento de casos em isolamento domiciliar. 

No Brasil o município do Recife, em parceria com o estado de Pernambuco, desenvolveu o aplicativo Atende em Casa. Por meio de um contact center composto por médicos, enfermeiros, operadores de teleatendimento e com o apoio da SUSi – chatbot do aplicativo com mais de 40 perguntas e respostas frequentes –, o aplicativo oferta atendimento através de chamada de vídeo, telefone ou via chat para pessoas com suspeita de covid-19, além de prover orientação sobre as medidas de distanciamento social e isolamento domiciliar. A ferramenta oferece, ainda, teleorientação com profissionais de saúde em casos de risco de agravamento da doença e, se necessário, encaminha o usuário ao serviço de saúde mais próximo e adequado à gravidade, amparando o monitoramento sistemático durante o período de isolamento domiciliar (telemonitoramento) e oferecendo suporte à saúde mental de pessoas em sofrimento psíquico (teleacolhimento). Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, o aplicativo também passou a servir como apoio antes, durante e após a vacinação. Por consequência, continua prevenindo aglomerações e filas nas unidades de saúde.

A expansão do uso do Atende em Casa pela população recifense, associada às normativas vigentes de distanciamento no ambiente de trabalho, culminou no investimento em tecnologia VoIP (sigla para Voice Over IP, telefonia baseada na internet) para o contato telefônico, permitindo que parte da equipe de profissionais que o opera pudesse atuar em regime de trabalho remoto. Para o atendimento, são criadas salas digitais (webconferência) de colaboração em tempo real entre teleorientadores e profissionais referência de coordenação, que distribuem informações e atualizações para toda a equipe de saúde. A limitação de acesso à internet no Recife e no Brasil é um fator que, em muitos casos, impossibilita a condução de videochamadas e dificulta o processo de transformação digital. Por essa razão, boa parte dos atendimentos são realizados por telefone. Ainda assim, ambos os recursos (a videochamada e o atendimento telefônico) possibilitaram que profissionais do grupo de risco para covid-19 pudessem continuar a exercer suas atividades de forma segura.

O data analytics acessado pela equipe de monitoramento dos indicadores avalia que mais de 240 mil pessoas no estado estão cadastradas no aplicativo. Foram realizados, até agora, mais de 200 mil atendimentos por médicos e enfermeiros, em chamadas de vídeo ou telefone, e avaliadas mais de 117 mil pessoas com sintomas de risco para formas graves da doença. O impacto do teleatendimento e do telemonitoramento é notório. Apenas 14,7% do total de pessoas atendidas precisaram ser encaminhadas para consulta presencial. Todo o restante da população que recebeu atendimento pôde ser acolhida e orientada a manter o isolamento domiciliar, evitando o deslocamento desnecessário de milhares de pessoas com quadros leves de covid-19. A SUSi, assistente virtual do Atende em Casa, resolveu 67% dos mais de 250 mil atendimentos via chat no “Posso ajudar”. Com relação ao teleacolhimento, a iniciativa garantiu o apoio emocional por profissionais da Rede de Atenção Psicossocial do Recife em quase 5 mil atendimentos.

A ferramenta tecnológica permitiu a ampliação do acesso e a melhoria contínua da qualidade de atenção para a população. A autoavaliação de sintomas com classificação de risco, teleorientação e telemonitoramento com profissionais de saúde pode ajudar pessoas a cuidar melhor da hipertensão arterial, da diabetes, apoiar o acompanhamento das gestantes durante o pré-natal, melhorar a adesão ao tratamento de pessoas com tuberculose e hanseníase e apoiar emocionalmente pessoas em tratamento para depressão e ansiedade, entre outros benefícios já relatados por inúmeras pesquisas ao redor do mundo. A telessaúde do Recife não tem a proposta de substituir o cuidado presencial, mas vem rompendo barreiras de acesso aos serviços de saúde e ocupando lacunas de monitoramento sem competir com serviços de saúde já implantados.

O caráter dinâmico e transitório da pandemia, apesar de intensificar as fragilidades dos serviços públicos de saúde, proporcionou ao Recife a criação de um projeto que pode ser expandido tanto para diversas linhas de cuidado quanto para outros serviços do sistema de saúde, além de desafiar o planejamento e a mobilização de recursos humanos para responder à alta demanda de atendimentos. Os resultados consolidados pela experiência do Atende em Casa evidenciam a necessidade de firmar bases para sua continuidade sustentável e servem como ponto de partida para diversas outras iniciativas inovadoras.

 

Agatha Eleone, Pesquisadora de Políticas Públicas do IEPS.

Gustavo Godoy, Coordenador do Núcleo Municipal de Telessaúde do Recife.

Rafael Figueiredo, Secretário Executivo de Transformação Digital do Recife.

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