Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Saúde mental em pauta na política: o que esperar em 2022? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/02/02/saude-mental-em-pauta-na-politica-o-que-esperar-em-2022/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/02/02/saude-mental-em-pauta-na-politica-o-que-esperar-em-2022/#respond Wed, 02 Feb 2022 08:00:20 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/02/camara-deputados-plenario-2019-7929.jpg-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=643 Dayana Rosa e Maria Fernanda Resende Quartiero

 

Foi dada a largada ao último ano da 56ª Legislatura da Câmara e do Senado Federal, as instituições responsáveis por criar leis e fiscalizar atos do Poder Executivo, ou seja, dos governantes do país. Diretamente de Brasília (ou remotamente, por conta da pandemia), deputados e senadores correm para deixar a casa em ordem neste ano atípico, caracterizado por mudanças relacionadas às eleições, que acontecerão em outubro: suplentes assumem o cargo de prováveis candidatos; comissões têm importantes alterações em suas composições e algumas pautas ganham peso e visibilidade estratégicas, por exemplo.

Neste contexto, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Instituto Cactus inauguram hoje uma série de publicações críticas e propositivas para a agenda eleitoral em 2022, em um tema que é cada vez mais relevante para nossa sociedade: políticas públicas para a saúde mental. Nessa primeira publicação, te convidamos a pensar: o que esperar das políticas e debates no Legislativo sobre a saúde mental?

Para pautar e avançar esse debate nas casas legislativas e nas eleições de 2022, o IEPS e o Instituto Cactus vão qualificar as discussões e propor uma discussão baseada em evidências, que seja, ao mesmo tempo, propositiva e informativa, em um tema que, à primeira vista, pode parecer bastante complexo, mas é extremamente necessário. Afinal, saúde mental é um direito de todas as pessoas.

Saúde mental na pauta política em 2021

Antes da pandemia de Covid-19, a saúde mental já era tema bastante negligenciado: ainda em 2019, o Brasil foi classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o país mais ansioso do mundo, e o quinto país mais depressivo. Em 2021, o estudo “COVID-19 e Saúde Mental: Uma Análise das Tendências Recentes no Brasil”, realizado pelo IEPS, identificou uma piora em indicadores de bem-estar psicológico e saúde mental da população, com a aceleração do número de óbitos desde novembro de 2020. O documento aponta o aumento do número de pessoas com ansiedade e depressão no país, que  oscilou junto ao total de novos óbitos decorrentes de COVID-19.

Já o levantamento “Caminhos em Saúde Mental”, desenvolvido pelo Instituto Cactus, em parceria com o Instituto Veredas, mostra que há ainda públicos que demonstram um quadro ainda mais acentuado, como os adolescentes, as mulheres e a população negra. Na depressão, por exemplo, a ocorrência é mais comum entre a população de menor renda e entre indivíduos pretos ou pardos, e duas vezes mais comum entre mulheres do que entre homens. 

Este cenário de agravamento escancara para os legisladores a necessidade de políticas que garantam o acesso amplo a cuidados, além de políticas intersetoriais que consigam trabalhar a saúde mental de maneira estrutural, uma vez que as consequências serão sentidas ainda por muito tempo, diante da piora socioeconômica do país, e de forma bastante desigual. Tudo isso alerta para a urgência de medidas preventivas e de promoção de saúde, através da construção de políticas de saúde mental para o futuro que considerem os determinantes sociais que afetam a saúde mental e precisam ser trabalhados em conjunto com outras agendas sociais, de forma multidisciplinar e articulada.

O que esperar de 2022? 

Um dos desafios que os parlamentares enfrentarão para aprovar suas propostas de saúde mental é a visível polarização de posicionamentos no debate, notável em subtemas como internação compulsória e participação social, o que cria dois campos: um a favor do modelo territorial e outro do modelo hospitalar. Resumidamente, existe pouco espaço para propostas mais consensuais no “meio do caminho”. Outro exemplo dessa polarização no debate político é a existência de Frentes Parlamentares que representam interesses conflitantes, como a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, e a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas e APACs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). 

Para compreender melhor como as discussões de saúde mental irão se desdobrar neste ano eleitoral, é fundamental entender também quem são os principais atores que têm pavimentado esse debate, para acompanharmos seus posicionamentos e defesas em torno do tema. Nessa linha, o IEPS e o Instituto Cactus analisaram a atual produção legislativa sobre saúde mental, e foi possível identificar importantes contribuições  feitas por parlamentares da Câmara e do Senado, de diversos partidos e posições políticas, como as deputadas Erika Kokay (PT/DF), Tabata Amaral (PSB/SP) e Carmen Zanotto (Cidadania/SC); os deputados Alexandre Padilha (PT/SP), Osmar Terra (MDB/RS) e Ricardo Barros (PP/PR). No Senado, destaca-se o posicionamento dos mandatos de Alessandro Vieira (Cidadania/SE) e Humberto Costa (PT/PE).

Nossa aposta institucional para achar um denominador comum nesta trincheira consiste em fortalecer a saúde mental integrada à Atenção Primária e à Estratégia Saúde da Família. Essa ação pode contribuir para melhores desfechos em indicadores de saúde mental, e é uma posição estratégica privilegiada para oferecer iniciativas de prevenção de doenças e promoção de intervenções psicossociais. Esta é a importância da busca pelo consenso em torno do tema no Poder Legislativo: promover melhoria na qualidade de vida dos brasileiros em questões urgentes, como a ampliação do acesso aos cuidados em saúde mental, em um contexto de luto nacional e piora dos indicadores socioeconômicos. 

Dentre os Projetos de Lei (PLs) que atuam nesse sentido, recebem destaque os PLs nº 3.383 (Senado Federal) e nº 3.408 (Câmara dos Deputados), que instituem a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares, como mais uma forma de integrar a saúde mental no cotidiano da vida das pessoas e articular o tema com outras agendas sociais. De acordo com o levantamento “Caminhos em Saúde Mental”, 50% das condições de saúde mental aparecem até os 14 anos, e 75% até os 24 anos de idade, sendo que a maior parte disso (4 a cada 5 casos) passam sem diagnóstico ou tratamento. Ainda, em pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 56% dos adultos disseram que algum adolescente do domicílio apresentou um ou mais sintomas relacionados à saúde mental durante a pandemia. Sabendo disso e com um olhar que prioriza intervenções precoces, os autores dos projetos, senador Alessandro Vieira e deputada Tabata Amaral, respectivamente, protocolaram as propostas em ambas casas legislativas, dobrando assim o número de chances de implementar ações de promoção, prevenção e atenção psicossocial no âmbito das escolas. 

Um dos espaços privilegiados para essa discussão, na Câmara, é o Grupo de Trabalho (GT) destinado ao estudo sobre o aumento de suicídio, automutilação e problemas psicológicos entre os jovens brasileiros. O GT era coordenado pela deputada Liziane Bayer (PSB/RS) e, no mesmo dia que teve prorrogado seu funcionamento por mais 90 dias, em novembro de 2021, designou o deputado Osmar Terra para compor o GT, em substituição à deputada Érika Kokay. 

Neste ano, podemos contar com a continuidade da polarização dos posicionamentos e das disputas polêmicas, mas o cenário colocado exige do Poder Legislativo a busca por consensos mínimos e possíveis, como o fortalecimento da saúde mental na Atenção Primária, sobretudo em atenção às crianças e aos adolescentes. Também precisamos trazer a discussão sobre saúde mental para o centro do debate, colocando-a cada vez mais próxima do dia a dia dos brasileiros e deixando de ser vista como um tabu e/ou envolta por estigmas. Esse é um desafio que os próximos 594 novos (ou nem tão novos assim) deputados e senadores terão pela frente, fiscalizando as ações do Poder Executivo, a suficiência e a qualidade de programas e políticas de Saúde Mental.

 
>> Para sugestões de pauta, parcerias e comentários, entre em contato através dos e-mails contato@ieps.org.br e contato@institutocactus.org. Até o próximo Saúde Mental em Pauta!

Dayana Rosa é pesquisadora de políticas públicas do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS). Maria Fernanda Resende Quartiero é investidora social e Diretora Presidente do Instituto Cactus, uma organização que trabalha para a prevenção e a promoção da saúde mental no Brasil, através da geração de conhecimento e evidências, identificação e multiplicação de boas práticas, incidência em políticas públicas, articulação de ecossistemas e conscientização da sociedade sobre o tema.

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O SUS e a bipolaridade no debate público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/26/o-sus-e-a-bipolaridade-no-debate-publico/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/26/o-sus-e-a-bipolaridade-no-debate-publico/#respond Wed, 26 Jan 2022 08:00:13 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/01/pronto-socorro-do-hospital-life-center_1_83070-300x215.jpeg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=639 Ricardo de Oliveira

 

A avaliação positiva que o Sistema Único de Saúde (SUS) alcançou no enfrentamento da pandemia de COVID-19 se contrapõe à sua imagem negativa anterior. O que explica a mudança radical na percepção sobre o SUS? Como aproveitar o momento para avançar na melhoria da prestação de serviços de saúde? Essas são reflexões importantes para todos que têm compromisso, ou responsabilidade institucional, na formulação e implantação das políticas públicas de saúde; ainda mais porque o debate é sobre o maior projeto coletivo de inclusão social realizado pela sociedade brasileira nas últimas três décadas e que agora parece ser percebido como tal pela população. 

A pandemia provocou insegurança geral sobre como enfrentar esse desafio de saúde pública. Era um vírus novo, que podia levar à morte; não existia conhecimento científico para orientar o tratamento ou a prevenção, e tampouco podia ser enfrentado apenas de forma individual. Nesse cenário, os olhares se voltaram para o SUS, à espera de uma solução. Desde então, a sociedade brasileira descobriu que dispunha de um instrumento de ação coletiva para proteger a sua saúde.

A mudança na forma de divulgação, pela mídia, da prestação dos serviços do SUS, também ajudou na formação de uma imagem mais positiva. Anteriormente, o noticiário focava maciçamente nos problemas do SUS, em detrimento dos seus acertos, o que contribuía para dificultar uma avaliação realista por parte da opinião pública sobre a eficácia dos serviços de saúde pública.  

Agora, é possível observar que o noticiário sobre o SUS destaca a importância da  prestação de serviços, ao criticar a competência dos seus gestores. O olhar passou a ser para a capacidade desse sistema acolher a todos, de forma ordenada e a partir de prioridades. Os usuários tiveram que esperar a sua vez de serem atendidos devido à pandemia, e isso não provocou uma campanha negativa na mídia, como usualmente acontecia; pelo contrário, se disseminou a percepção de que uma política pública de saúde, que atende 210 milhões de pessoas, precisa ser organizada e bem planejada, principalmente quando todos necessitam dela ao mesmo tempo.

A imagem positiva do SUS na proteção à saúde da população foi construída, ao longo de  quase dois anos de pandemia, devido à  enorme capacidade do sistema em atender à demanda coletiva de vacinação e oferecer serviços médicos/hospitalares. Isso ocorreu sobretudo, por três motivos: desde 1988, os governos têm investido na capacitação da prestação dos serviços do SUS (infraestrutura, equipamentos e tecnologias, formação e capacitação de pesquisadores, gestores e técnicos); a governança cooperativa e entre entes federativos (tripartite, no âmbito do governo federal e bipartite nos estados); a mobilização de parte da população em defesa do SUS, através dos conselhos de saúde espalhados pelos três níveis de governo.

Todavia, o debate atual sobre a prestação dos serviços do SUS enfatiza apenas os resultados positivos, minimizando problemas. Essa forma de divulgação, que oscila entre dois polos, (ou é ótimo, no enfrentamento da pandemia, ou é ruim, como anteriormente no atendimento do dia a dia), não permite um debate público equilibrado entre acertos e problemas ainda existentes. Não podemos esquecer que a imagem negativa foi construída em função da dificuldade de acesso a consultas, exames, internações e cirurgias, e que persistem até hoje. 

Se essa bipolaridade, fruto de uma visão de curto prazo, não for superada ao fim da pandemia, corremos o risco de voltar à situação anterior de imagem negativa. A pandemia  adiou vários serviços públicos de saúde, e o esperado é uma grande pressão de demanda, com potencial de prejudicar novamente a imagem do SUS, talvez até de pior forma do que antes da Covid-19.

A fim de evitar isso, é preciso, urgentemente, organizar um debate sério e transparente no Congresso Nacional, com todos interessados na construção de um entendimento político que faça avançar a prestação de serviços de saúde no país. O debate deve envolver o modelo de atenção, gestão e financiamento, a continuidade das políticas públicas de saúde, o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial, a relação entre o sistema público e privado, e as práticas políticas patrimonialistas que dificultam a melhoria da gestão e do atendimento no setor público.

A falta desse entendimento tem levado a um enorme desperdício de recursos que poderiam ser melhor utilizados em benefício dos cidadãos, por exemplo em equipamentos de saúde sem escala de atendimento; imposição ao SUS de aquisição, via judicial, de serviços e insumos sem uma avaliação de custo/benefício realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC); a dificuldade de construir uma base única de dados sobre o histórico de saúde de cada cidadão, com informações advindas da rede pública e/ou privada; e a utilização do SUS para atender interesses políticos ou econômicos. 

A urgência na resolução da crise sanitária, para podermos retomar a normalidade no convívio social e nos mercados, e a atual imagem positiva do SUS criaram condições para a construção de um amplo entendimento em torno das políticas de saúde, com o objetivo de defender os interesses dos usuários do SUS.  

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor dos livros: Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012 e Gestão Pública e Saúde, FGV/ 2020. Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Membro do comitê de filantropia da UMANE.

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O impacto da tecnologia de ponta na formação do médico do futuro https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/#respond Wed, 08 Dec 2021 08:00:32 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/12/bbc03-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=609 André Raeli

 

O conhecimento médico está avançando em uma velocidade singular. E não é de hoje: basta comparar os primeiros registros do ofício da medicina em civilizações pré-históricas e as modernas práticas da atualidade. 

Estudo da “American Clinical and Climatological Association” realizado em 2011 mostra que o domínio humano sobre esse entendimento prático da profissão avançou exponencialmente. Na década de 1950 do século XX, o tempo de duplicação do saber clínico foi de 50 anos; já em 1980, passou para 7; em 2010, 3,5 anos. Em 2020, a projeção foi de 0,2 anos, ou seja, apenas 73 dias. A incidência de novas patologias, o aumento da população e o avanço nas pesquisas podem ter contribuído para o novo cenário. 

No entanto, nada foi tão impactante nessa trajetória quanto a chegada das mais recentes tecnologias. Do diagnóstico aos processos cirúrgicos refinados, passando pelas mais robustas técnicas de tratamento e controle de doenças, todas as especialidades médicas sofreram o impacto da inovação,  sem, porém, abandonar a essência do cuidado tradicional. 

A inteligência artificial (IA) ou a Internet das Coisas (IoT), por exemplo, são empolgantes, mas não se pode perder de vista a importância da formação e da educação continuada. Cada vez mais novos profissionais precisam se preparar para esse novo horizonte tecnológico, com mais autonomia para a operação de novos sistemas e canais de suporte à decisão clínica. Em 2010, havia 320 mil médicos no Brasil; atualmente são mais de 550 mil em atuação. Portanto, existe um grande contingente que se formou em um paradigma de menos informação e conhecimento em relação à tecnologia aplicada.

Ainda que a natureza da profissão seja a busca ativa e constante por aperfeiçoamento e atualização, é preciso expandir o conhecimento em direção às novas tendências. Muito se fala do médico do futuro, das múltiplas habilidades e dos caminhos essenciais de formação, mas olhando apenas para os próximos anos. O futuro já chegou e capilarizar o conhecimento médico depende de uma mistura de fatores. É urgente falar sobre isso. É primordial manter uma escuta ativa com os médicos e prover novas formas de construir e disseminar o conhecimento.

Em trocas e diálogos contínuos com esses profissionais, é preciso valorizar o argumento do benefício de arquitetar um futuro para medicina, começando hoje. Tecnologias que podem ser ainda disruptivas para algumas áreas já fazem parte da rotina médica e  fazem a diferença em prognósticos e linhas de cuidado. As impressoras 3D para o auxílio em próteses, a ascensão do nicho de imaginologia e a oferta dos dispositivos de ultrassonografia móveis são alguns dos caminhos já bastante estabelecidos.

Na prática, as especializações médicas devem incorporar essa dinâmica de ampliação do conhecimento, de novas técnicas e plataformas, que não param de chegar. A telemedicina, autorizada em função do isolamento social na pandemia, é um exemplo de que as barreiras caíram e as oportunidades se tornam ilimitadas. É importante manter o radar ligado nos novos caminhos de aprendizado, visando sempre às melhores práticas para atender e proporcionar mais qualidade de vida.

É realmente difícil prever com exatidão o futuro, mas antevê-lo tem sido uma realidade frequente por meio da tecnologia. O preparo do médico do futuro não está no amanhã; ele começa agora, de forma muito intensa. O médico de 2040 irá olhar para o médico de hoje da mesma forma que é feito com o médico da idade média. O caminho para não ficar para trás é olhar para frente, compreendendo que há jornadas importantes já otimizadas pela tecnologia e que não irão sucumbir à magnitude do cuidar médico.  

André Raeli é diretor de educação continuada da Afya, maior ecossistema de educação e tecnologia voltada para a saúde no Brasil

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Inovação em saúde: sim, há desafios, mas há também oportunidades https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/#respond Wed, 17 Nov 2021 09:00:41 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/ge_inovação_na_saude-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=592 Ivisen Lourenço

 

Um estudo da “The Economist Intelligence Unit (EIU)”, divisão de pesquisa e análise de risco da revista “The Economist”,  indica que a pandemia de Covid-19 acelerou em 72% a transformação digital nas empresas, além de  estimular a criação e o desenvolvimento de novas startups no Brasil. 

Em relação à área da Saúde, o País já contava, em maio de 2021, com 430 startups no setor, um crescimento de 118% em dois anos. Nesse processo, a adesão à telemedicina durante a pandemia foi essencial, assim como a inteligência artificial (IA) e a internet das coisas (IoT).

Porém, colocar a inovação em prática não é tão simples assim. A 4ª edição da pesquisa “Ace Innovation Survey”, da consultoria de inovação corporativa ACE Cortex, revela que,  apesar de ser prioridade para 85% das empresas, apenas 36% possuem estrutura adequada para desenvolver novas ideias em seus ambientes corporativos. Na saúde, estes números são ainda menores. 

Gargalos da inovação 

Em 2021, o Índice Global de Inovação mostrou que nações com altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), como Suíça, Suécia e EUA, lideram o ranking de países inovadores. O Brasil, décima terceira economia do mundo, está apenas no 57º lugar entre 126 países. 

Mais do que simplesmente adotar tecnologias, é preciso atuar de forma eficiente para dinamizar processos, o que pode exigir mudança cultural e treinamentos. Particularmente, a saúde tem ciclos mais longos de inovação, por exigências inerentes ao setor. Não se trata apenas de comprar softwares e hardwares, mas operá-los para que entreguem agilidade, assertividade e segurança nos resultados para todos os públicos envolvidos em hospitais e clínicas. 

É preciso ainda considerar desafios que hoje impactam diretamente à Saúde:

  • exigências regulatórias do setor: a área é extremamente afetada pela regulação de medicamentos, equipamentos, serviços e insumos.  Adequar-se às mudanças nesse ambiente é um grande desafio – tanto que já existem as regtechs, startups que ajudam empresas a se adequar diante dessas mudanças.  Das 309 regtechs brasileiras, 25 são voltadas para saúde e ciências da vida;
  • desenvolvimento e manutenção de capital intelectual exige tempo e investimento: não se desenvolvem criatividade e experiências de uma hora para outra. Ao mesmo tempo, há a desvalorização e a debandada do capital humano para centros mais desenvolvidos em inovação.
  • dificuldades tecnológicas, especialmente a interoperabilidade: uma solução não opera com outra e, assim, trava fluxos e atrasa resultados. Já existem sistemas extremamente avançados e bem desenvolvidos, especialmente para tratamentos intensivos, mas a preocupação de marcas e fabricantes em fazê-los de forma a otimizar a colaboração não parece ser o foco. Não se trata de integração: um não precisa depender da tecnologia do outro, e sim trabalhar juntos.

Importância da cultura de inovação 

Por outro lado, agora, mais do que nunca, não é hora de parar. A pandemia deixou uma demanda reprimida por exames e tratamentos. Milhares de diagnósticos deixaram de ser feitos precocemente em todo o mundo. Teremos  ondas de doenças mais avançadas sendo identificadas nos próximos meses ou anos – especialmente aquelas que não trazem sintomas e dependem do acompanhamento de rotina.

A pesquisa da CNI também reforça que inovar não é somente um benefício competitivo, mas também de sobrevivência. A cultura de inovação está associada aos valores, normas e atitudes que estimulam o pensamento, para que haja o desenvolvimento das inovações. 

Não faltam mercados e setores que enfrentam obstáculos diários e precisam de soluções inovadores em seus processos e fluxos, como o da saúde. É possível melhorar a vida das pessoas, os custos e as rotinas de empresas e organizações apostando na tecnologia empregada. É possível cuidar do bem-estar, das finanças, do futuro de cidades inteiras; tornar o mundo mais palatável e humano utilizando tecnologia – com sabedoria e assertividade.

 

Ivisen Lourenço é Design Thinker e administrador de sistemas de saúde com experiência formatada em mais de 10 anos de atuação em gestão hospitalar. Atualmente é Head de Open Innovation no InovaHC.

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Orçamento público para a saúde da população negra: uma tarefa por fazer https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/orcamento-publico-para-a-saude-da-populacao-negra-uma-tarefa-por-fazer/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/orcamento-publico-para-a-saude-da-populacao-negra-uma-tarefa-por-fazer/#respond Fri, 05 Nov 2021 08:00:16 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/0b6d7e87ff86e86f6dddbb12ef854e9f_1616619191805_2002334538-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=572 Clara Marinho Pereira e Julia Rodrigues

 

A maioria da população brasileira se declara negra: são 89,7 milhões de pardos e 19,2 milhões de pretos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o 3º trimestre de 2020. No entanto, em face das vulnerabilidades provocadas pelo racismo, os impactos da pandemia do novo coronavírus no Brasil têm sido desproporcionalmente maiores na saúde da população negra por, pelo menos, quatro motivos.

Primeiro, porque a população negra teve menores oportunidades de se isolar. Sem políticas públicas para conter a contaminação em comunidades e favelas, o vírus espalhou-se rapidamente entre os mais pobres. Cabe lembrar que 67% dos moradores das comunidades e favelas brasileiras são negros.

Segundo, porque a população negra é maioria nos segmentos econômicos considerados essenciais para a manutenção da vida coletiva, de natureza intensiva em mão-de-obra. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018 mostram que, na limpeza urbana, 55,4% do total de vínculos eram compostos por negros; na segurança, 52,9%; e na construção civil, 50,2%, dentre tantos outros serviços. No  cotidiano, cada trabalhador(a) negro(a) se expõe ao contato com dezenas, até centenas de pessoas.

Terceiro, porque a população negra também é maioria na informalidade. Dados de 2019 do IBGE mostram que 47,4% dos trabalhadores negros do Brasil estão inseridos na informalidade, contra 34,5% da população branca.  Com a atividade econômica restringida ou afetada pela circulação do vírus, fragilizaram-se os circuitos de trabalho e de ganho diário, lançando rapidamente trabalhadores à pobreza, à miséria e à fome; uma situação que dificulta o isolamento e a capacidade das pessoas negras em ter uma resposta imunológica adequada quando contaminadas.

Quarto, quando contaminados, os negros demoram mais a ter acesso aos serviços de saúde. Muitas vezes impossibilitados de faltar ao trabalho, ou então sem dinheiro para pagar o transporte até o posto de saúde,  negros acabam por postergar a busca pela assistência médica. Quando o fazem, a situação já está agravada.

Não por acaso, negros morrem mais do que brancos. Conforme estudo realizado pelo Instituto Pólis, a taxa de mortalidade padronizada da doença para a população negra foi de 172 mortes para cada 100 mil habitantes entre março e julho de 2020 na cidade de São Paulo – município mais populoso do país. O número é 60% maior do que a taxa de mortalidade padronizada da população branca da cidade, que ficou em 115 mortes para cada 100 mil habitantes.

Em estudo mais recente, de setembro de 2021, e de caráter nacional, pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária mostram, a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, que homens negros morrem mais por Covid-19 do que homens brancos, independentemente da ocupação e mesmo quando estão no topo do mercado de trabalho. Já as mulheres negras morrem mais do que todos os outros grupos (mulheres branca, homens brancos e homens negros) na base do mercado de trabalho, independentemente da ocupação.

No entanto, a vacinação começou com pouca atenção a esses aspectos, partindo do centro para as periferias; dos grupos afluentes para os mais vulneráveis, o que mostra, mais uma vez, o uso seletivo das evidências para informar as políticas públicas. As “evidências”, muitas vezes, são mobilizadas para reforçar estruturas prévias de poder, e não questionar o melhor uso do recurso delas.

Com a Covid-19 ainda no horizonte, quais as chances de racionalizar o debate sobre o gasto em saúde daqui em diante? Aqui, propõe-se o exercício de olhar para trás, com o intuito de entender as possibilidades futuras.

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, construída pela sociedade civil em parceria com o governo federal, estabelece um conjunto de diretrizes para que os serviços públicos de saúde acolham as especificidades da população negra na sua oferta, reconhecendo o racismo como uma determinante social das condições de saúde, ou seja, como o racismo impacta na ocorrência de problemas de saúde e amplifica seus fatores de risco.

A despeito dos imensos esforços colocados desde meados dos anos 1990 para a construção desse arcabouço de intervenção pública, o Estado brasileiro não tem sido diligente para dar visibilidade à sua atuação na garantia do bem-estar da população negra.

Um dos principais instrumentos para atuação do Estado é o orçamento público. É por meio dele que são comunicadas à sociedade as prioridades do governo e são alocados recursos para sua implementação.

O Plano Plurianual (PPA) para o ciclo 2016-2019 do governo federal possuía um programa específico para o enfrentamento das questões raciais: o Programa 2034 – Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo, que tinha como uma das metas “Contribuir para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, incluindo a atualização do seu Plano Operativo” (Meta 4MC). Já no PPA para o ciclo 2020-2023, há um completo apagamento da questão racial, com nenhum programa, objetivo ou meta endereçados ao tema.

Do ponto de vista da Lei Orçamentária Anual (LOA), os recursos são, na maioria das vezes, alocados em ações genéricas, com o objetivo de facilitar o desembolso daqueles. No entanto, essa prática dificulta sobremaneira o controle social, pois impossibilita que sejam acompanhadas as despesas por recortes de gênero, raça, faixa etária e orientação sexual. No Ministério da Saúde, esse fenômeno (as ações genéricas) é recorrente, sendo difícil até mesmo obter a localização geográfica do gasto.

Até o ano de 2020, contudo, era possível enxergar uma (mínima) preocupação do Ministério com a promoção da equidade, devido à existência da ação orçamentária 20YM – Implementação de Políticas de Promoção da Equidade em Saúde, cujo objetivo era a promoção do direito à saúde para segmentos populacionais expostos a iniquidades em saúde, como ciganos, LGBT, populações do campo, da floresta e das águas, população negra, população em situação de rua, população albina e gestores do SUS. No ano de 2016, essa ação chegou a contar com R$46,5 milhões de reais, em 2018 caiu para R$8,8 milhões e, em 2020, chegou a R$28 milhões.

No entanto, em sintonia com o apagamento das questões raciais no PPA 2020-23, a ação 20YM deixou de constar do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para o ano de 2021, encaminhado pelo Poder Executivo. Foi transformada em uma classificação gerencial (chamada Plano Orçamentário e que pode ser modificada a qualquer instante) da ação 21CE – Implementação de Políticas de Atenção Primária à Saúde. Em 2021, foram previstos R$28 milhões e, para 2022, o valor foi repetido, indicando que, em termos reais, os montantes diminuem a cada ano.

Contraditoriamente, portanto, justo quando a questão racial na saúde está exacerbada pelos dados, pelos achados de pesquisas e pelas tragédias, é quando ela mais se ausenta de identificação e controle social no orçamento, bem como de vínculos com o planejamento público de médio prazo.

Qualquer tentativa de assegurar o direito à saúde da maior parte da população brasileira que não observe a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra conjugada à consignação de recursos no orçamento estará condenada ao questionamento de sempre: será mesmo que o Estado brasileiro está comprometido com o atendimento igualitário no Sistema Único de Saúde (SUS)?

Hoje, infelizmente parece que a resposta é “Não”. Fazer mais do mesmo apenas trará mais mortes e iniquidades.

 

Clara Marinho Pereira é Mestre em Desenvolvimento Econômico e Fellow das Nações Unidas para a Década Afrodescendente.

Júlia Rodrigues é Economista, Doutoranda em Ciência Política e Consultora de Orçamento.

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SUS: hora de avançar https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/564/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/564/#respond Wed, 03 Nov 2021 10:00:37 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/sus-agencia-brasil-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=564 Ricardo Oliveira

 

O adiamento de cerca de 1,6 bilhão de procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo estimativas do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), em consequência da pandemia de Covid-19 acrescenta-se às dificuldades de acesso já existentes. Espera-se, portanto,  um cenário de maiores restrições para o atendimento das necessidades de saúde da população brasileira nos próximos anos. 

Por outro lado, a atual crise sanitária criou condições para avançar na qualidade e na eficiência do atendimento aos usuários do SUS, em função, pelo menos, das quatro questões a seguir:

1- A superação da pandemia passou a ser chave para o enfrentamento das crises social e econômica e para a retomada do crescimento econômico e dos empregos, elevando a prioridade das políticas públicas de saúde junto aos governantes.

2- A necessidade, o interesse e a valorização do SUS pela população levaram a mídia, os governantes e os líderes políticos a se mobilizar com mais ênfase no debate sobre as políticas de saúde. Isso pode ser constatado pela criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado e pelo  volume de horas dedicadas à cobertura da pandemia pela imprensa.

3- A crise sanitária teve o efeito de conscientizar a população em relação à importância do autocuidado. Higienizar as mãos com álcool gel ou sabão, usar máscaras e manter distanciamento social se incorporaram como hábitos no dia a dia, mostrando a necessidade de cada um cuidar da sua saúde e da coletividade. O autocuidado é um comportamento fundamental para ajudar o SUS a superar o desafio do atendimento aos seus usuários, porque reduz a demanda ao sistema.

4- A existência de um conjunto de propostas com ampla aceitação acerca da reorganização do modelo de atenção, gestão e financiamento do SUS, a saber: a) superar a fragmentação entre os níveis de atendimento, integrando a atenção primária, especializada e hospitalar; b) implantar um modelo de atenção adequado para tratar as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs); c) organizar as Redes de Atenção (RAS) a partir das regiões de saúde; d) considerar a Atenção Primária à Saúde (APS) como coordenadora da RAS; e) aumentar a informatização da gestão e da prestação dos serviços; f) fortalecer a gestão tripartite; g) aprimorar o controle social; h) prover financiamento adequado; i) fomentar o autocuidado; j) implantar a gestão por resultados, tendo em vista o aumento da qualidade e da eficiência na prestação de serviços.

Essas propostas são bastante complexas e demandam tempo para efetiva consolidação. Por isso, concomitante  a elas, medidas emergenciais  devem ser pensadas para suprir a demanda por serviços de saúde no curto prazo, como consultas, exames, internações e cirurgias.

A pandemia mostrou a necessidade de aumentar o investimento científico, tecnológico e industrial no setor da saúde para desenvolver conhecimento e capacidade de produção de bens e serviços no Brasil. A dependência externa da produção de insumos básicos e fármacos se provou ineficaz para atender as necessidades do SUS.

Para aproveitar a conjuntura favorável ao SUS, é necessário que a comunidade da saúde pública se mobilize, tendo em vista a busca por um consenso político em relação às propostas que melhorem a prestação de serviços, garantam sua implantação ao longo do tempo e contribuam com o debate junto ao Congresso Nacional.

Essa mobilização deve ser compreendida como uma obra coletiva, uma vez que depende da liderança e do comprometimento do Ministério da Saúde (MS), assim como de governadores e prefeitos, gestores e servidores do setor, órgãos públicos que fiscalizam e controlam a gestão e o exercício das profissões da área e, por fim, da fundamental participação da sociedade. 

Apenas o setor público não vai conseguir atender as demandas dos serviços agora e no futuro. Portanto, faz-se necessário reunir todos os parceiros que possam colaborar na superação desse desafio.

O MS, em função do seu papel de coordenador nacional das políticas de saúde, deveria tomar a iniciativa de convidar os representantes do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONSAD), do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para o debate sobre como superar o enorme desafio na prestação de serviços do SUS. Não há tempo a perder!

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo entre 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor dos livros: Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012 e Gestão Pública e Saúde, FGV 2020. Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

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Cuidados adequados e personalizados para o câncer de mama https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/#respond Wed, 27 Oct 2021 10:00:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/cancer_mama-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=558 Vilmar Marques de Oliveira

 

O preconceito e a desinformação ainda são obstáculos para as mulheres – e para toda a sociedade – em relação ao câncer de mama. O estigma em torno de uma doença que pode ser grave e afeta diretamente um dos maiores símbolos da feminilidade atrapalha de várias maneiras: desde o deixar para depois a realização de exames que deveriam ser periódicos até barreiras emocionais que, uma vez feito o diagnóstico, impedem que essa mulher seja protagonista no seu tratamento.

O agravante é que o câncer de mama é uma doença complexa. Existem diferentes perfis de tumor e momentos específicos, que envolvem diferentes decisões. Outra questão é o acesso às opções de tratamento e a própria adesão à conduta escolhida, considerando tratar-se de uma doença tempo-dependente e que não espera nada, nem ninguém, para progredir. Ela é mais rápida ou mais lenta a depender das características que se apresentam em cada caso.

Por isso é que se fala em jornada da paciente com câncer de mama. Uma mulher que é única e tem uma história só sua, mas que deve e pode buscar os cuidados mais adequados e personalizados para o seu perfil. É certo que, nesse caminho, desinformação e prejulgamento fragilizam. Mas diálogo, conhecimento, autocuidado e rede de apoio efetiva, seja de familiares, amigos, colegas de trabalho e mesmo da equipe de saúde, contribuem para a vida antes, durante e depois do câncer. Uma vida que pode ser plena.

Esse olhar coletivo sobre o câncer de mama como um tema de interesse de toda a sociedade é fundamental para a efetivação e o aprimoramento das políticas públicas relacionadas à linha de cuidado da patologia (rastreamento, diagnóstico e tratamento), bem como à navegação das pacientes no sistema de saúde. Embora tenhamos importantes leis aprovadas e um sistema público e universal, ainda há muito a avançar para salvar um número maior de mulheres.

O câncer de mama é o mais frequente entre as brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), e ainda causa a morte de 20 mil mulheres todos os anos. A estimativa de novos casos para 2021 é de aproximadamente 66 mil. Embora seja rastreável desde o início a partir da mamografia de rastreamento, o diagnóstico precoce permanece ocorrendo bem menos vezes do que nos estágios avançados da doença.

A ciência vem fazendo a sua parte. O planejamento adequado logo após o diagnóstico, associado ao melhor tratamento para o perfil da paciente, permite gerenciar o câncer de mama com maior probabilidade de cura ou controle. Sendo ou não invasivo, as chances de cura são elevadas (aproximadamente 95%) quando a detecção ocorre em fase precoce. Cada vez mais a medicina entende as alterações genéticas nas células que originam e caracterizam os tipos de tumores, conhecimento este que possibilita tratamentos mais adequados e eficientes, que muitas vezes associam terapias antes e/ou após a cirurgia, a depender de cada caso.

Para ilustrar a relevância deste conhecimento, podemos citar as pacientes com um biomarcador específico, chamado HER2+. Mulheres cujos tumores apresentam esta mutação podem se beneficiar de terapias direcionadas a essa alteração em diferentes etapas da doença. Quando diagnosticado em estágio inicial, o tratamento correto, no momento mais adequado, pode, inclusive, resguardar pacientes com alto risco de recorrência da doença de evoluir para um estágio metastático, aproximando-as da cura.

Por exemplo, mulheres que precisam iniciar o tratamento antes da cirurgia, pelo fato de terem tumores maiores e/ou linfonodos comprometidos, com o intuito de aumentar suas chances de cura e possibilitar uma cirurgia conservadora, podem ainda apresentar células tumorais no momento da cirurgia, o que indica um risco maior de recorrência. Por isso, essas pacientes precisam de um tratamento de resgate após a cirurgia, para então reduzir as chances de progredir para cenários metastáticos. Todo esse planejamento terapêutico personalizado, feito pela equipe que acompanha a paciente, é essencial para garantir que cada pessoa receba o tratamento mais adequado de acordo com as características do seu tumor.

Não poderia finalizar este texto sem esclarecer, também, que qualquer mulher pode ter câncer de mama. A maioria dos tumores – 90% – não têm origem hereditária. São fatores de risco a alimentação de má qualidade, a ausência de atividade física regular, o excesso de peso, a exposição a hormônios (estrogênios), o tabagismo e o uso excessivo de bebidas alcoólicas, entre outros.

Contudo, não é possível precisar a causa da doença e, por isso, precisamos de uma nova mentalidade. Ao mesmo tempo em que é necessário adotar medidas preventivas que combatam esses fatores de risco – e quanto antes, melhor –, devemos evitar que essa mulher que apresenta o câncer de mama se sinta culpada.

Diante disso, são essenciais movimentos como o “Vem Falar de Vida”, que disseminam informações de qualidade sobre o tema, reverberam ações de múltiplos signatários unidos por esse propósito e fortalecem a mensagem de que o câncer de mama não precisa ser sinônimo de fracasso, de morte ou de mutilação. Existem meios para que cada vez mais histórias de mulheres sejam transformadas. Discutir o acesso a eles é responsabilidade de todos nós.

 

Dr. Vilmar Marques de Oliveira é Chefe de Clínica Adjunto do Hospital da Santa Casa, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e atual presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia.

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Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município do Rio de Janeiro https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/implantacao-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra-no-municipio-do-rio-de-janeiro/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/implantacao-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra-no-municipio-do-rio-de-janeiro/#respond Wed, 13 Oct 2021 10:00:28 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/750_racismo-estrutural-populacao-negra-covid19-pandemia-coronavirus_20201117154514-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=547 Monique Miranda, Louise Mara S. Silva e Michele Gonçalves da Costa

 

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), publicada pela Portaria GM/MS nº 992, de 13 de maio de 2009, pelo Ministério da Saúde (MS), apresenta como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com o objetivo de promover a equidade em saúde. Os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população, segundo a Comissão Nacional de Determinantes Sociais em Saúde (CNDSS).

Políticas de equidade no Brasil, convenções e tratados internacionais demonstram que as desigualdades de raça e gênero determinam oportunidades de trabalho e renda, acesso a recursos institucionais, condições de moradia, vulnerabilidades e exposição à violência. Entretanto, o gênero e, em especial, a variável raça/cor, ainda são insuficientemente incorporados no desenho de políticas, programas e serviços das instituições públicas e privadas.

A PNSIPN endossa e correlaciona-se com outros marcos legais: a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Decreto nº 4.886 de 20 de novembro de 2003), a Regulação do Sistema Único de Saúde-SUS (Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990), o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010), a Política Nacional de Promoção da Saúde (Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006), a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas (Durban 2001), a Década Internacional de Afrodescendentes, proclamada pela Assembleia Geral da ONU (Resolução 68/237, para o período entre 2015 e 2024). Por fim, destaca-se o artigo 196 da Constituição Federal de 1988: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e 207 econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 50,7% da população brasileira é composta por pessoas negras (somatório de autodeclarados pretos e pardos), correspondendo a 96,7 milhões de indivíduos. Na cidade do Rio de Janeiro os dados epidemiológicos apontam maior vulnerabilidade de cidadãos pretos e pardos aos agravos à saúde, embasando a necessidade de se priorizar a implantação de uma política específica de equidade racial da população negra em nossa cidade. Análises dos sistemas de informação em saúde demonstram maior mortalidade infantil da população negra em comparação com a branca; maior risco de morte entre os jovens da população negra em comparação com os jovens brancos; maior mortalidade materna das mulheres negras quando comparadas com as mulheres brancas.  Da mesma forma, a ocorrência de doenças tais como hipertensão, diabetes, tuberculose dentre outras também são prevalentes entre pretos e pardos, inclui-se ainda nesse  padrão os óbitos por Covid-19.

O marco fundamental para o combate às desigualdades étnico-raciais em saúde na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro foi a realização do “II Seminário de Promoção da Saúde: Equidade em Saúde da População Negra”, em dezembro de 2006. Este evento foi organizado pela então Assessoria de Promoção da Saúde em parceria com a ONG de mulheres negras, a Criola.  O seminário teve como intuito sensibilizar profissionais, gestores da saúde e definir estratégias para a implantação da PNSIPN na cidade. Estavam presentes aproximadamente 300 participantes: gestores e profissionais de saúde, ativistas do movimento negro e de mulheres negras, sociedade civil, lideranças comunitárias e representantes das religiões afro-brasileiras. Para o fomentar e articular o processo de implantação da política foram deliberadas as seguintes propostas no evento:

  • criação de um Comitê Técnico de Saúde da População Negra;
  • implantação do registro da variável raça/cor nos impressos oficiais da SMS;
  • diagnóstico epidemiológico da saúde da população negra;
  • formulação e estabelecimento de indicadores;
  • enfrentamento ao racismo institucional;
  • valorização das religiões de matriz africana;
  • institucionalização de recursos financeiros para a implantação da política;
  • fomento da participação do controle social e o fortalecimento de articulações intersetoriais.

No ano de 2007 foi criado o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, por meio da  Resolução SMS Nº 1298/2007, antes mesmo da promulgação da PNSIPN. O referido Comitê Técnico tem como atribuições:

I – sistematizar propostas que visem à promoção da equidade racial na atenção à saúde da população negra;

II – apresentar subsídios técnicos e políticos voltados à melhoria da atenção à saúde da população negra;

III – elaborar e implementar um plano de ação e monitoramento para intervenção pelas diversas instâncias e órgãos do Sistema Único de Saúde;

IV – fomentar e participar de iniciativas intersetoriais relacionadas com a saúde da população negra;

V – atuar na implantação, acompanhamento e avaliação das ações programáticas e políticas referentes à promoção da equidade em saúde da população negra na SMS/Rio, em consonância com as normativas do SUS.

O Comitê é composto por profissionais da gestão da SMS-Rio e de suas áreas técnicas, assim como  pelas representações da  sociedade civil, como universidades, ONGs , coletivos e outas instâncias,  em especial dos movimento negros e do movimento de mulheres.  Desta forma o CTSPN tem tido ao longo desses anos papel fundamental no impulso e acompanhamento da implantação da PNSIPN,  além de ser a instância de permeabilização do diálogo da SMS-Rio com a sociedade civil e na construção conjunta de ações para a redução das desigualdade étnico-raciais.

A mudança do panorama das graves iniquidades que atingem a população negra  requer o reconhecimento da sua situação de saúde. Para isso, é necessário que a variável raça/cor seja incluída em todos os sistemas de informação , formulários, cadastros, prontuários , impressos. Destacamos que um  dos objetivos específicos da PNSIPN é a inclusão do quesito cor em todos os instrumentos de coleta de dados adotados pelos serviços públicos, conveniados ou contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe destacar que o Rio de Janeiro instituiu desde 2008, pela Lei n.º 4.930/08 a inclusão obrigatória do quesito raça em todos formulários de informações em saúde do Município.

É fundamental  que as desigualdades étnico-raciais sejam monitoradas por dados, indicadores e informação em saúde  desagregados  por raça/cor. Embora na SMS-Rio o início da implantação da PNSIPN tenha completado pouco mais de uma década e exista atualmente um bom preenchimento da variável raça/cor , ainda é  incipiente  e descontínua sua utilização  na análise,  planejamento e  tomada de decisões nas  políticas e ações de saúde, assim como no investimento de recursos. Além disso, é necessário que os dados  por raça/cor sejam divulgados e disponibilizados de forma ampla, sistemática e transparente através dos canais de informação da prefeitura e junto  a sociedade civil e a população em geral.

As informações com os dados desagregados por cor ou raça são relevantes para atender ao princípio da equidade do SUS, ao reconhecer as diferenças nas condições de vida e saúde, oferecendo atendimento de acordo com as necessidades das populações, o que pode contribuir na redução do impacto dos determinantes sociais de saúde aos quais estão submetidas. São os dados desagregados por raça/cor que nos permitem confirmar o racismo como determinante social em saúde em um município como o Rio de Janeiro, onde segundo os dados do Instituto Pereira Passos (órgão responsável pela sistematização dos dados demográficos da cidade) a população em 2010 era composta por 51,3% brancos e 11,2% pretos; 36,7% pardos, configurando em 47,9% o quantitativo populacional negro.

Uma multiplicidade de pesquisas e estudos no campo da saúde coletiva expõe através de indicadores de morbimortalidade a grave situação de iniquidade sofrida pela população negra e indígena. Pesquisas qualitativas demonstram que o racismo institucional dificulta o acesso de pessoas pretas, pardas e indígenas aos serviços de saúde, influencia na qualidade da atenção à saúde prestada pelos profissionais e também  agrava a violência institucional  como no atendimento ao parto das mulheres negras.

Reconhecer que as práticas racistas também estão dentro do modelo de atenção à saúde e buscar a transformação desse cenário deve ser um objetivo de todos que estejam envolvidos com o cuidado em saúde e com as instâncias de gestão.  Os indicadores em saúde espelham a realidade da discriminação e desigualdade racial, embasando  a necessidade de se intensificar e ampliar a implantação da PNSIPN. Infelizmente o  racismo institucional na estrutura e entre os agentes públicos  da Prefeitura-Rio pouco mudou, decorrendo então que graves iniquidades raciais em saúde persistem na cidade do Rio de Janeiro.

A PNSIPN (2009) e a  Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas (2002)  são marcos no reconhecimento de diferenças e especificidade étnico-raciais na população brasileira. Essas políticas , em especial a primeira, trazem para a área de atuação dos gestores e profissionais de saúde as questões  da identidade racial e das desigualdades étnico-raciais, demandando para a sua implantação  um intenso e contínuo trabalho de combate ao racismo institucional  e estrutural.

A ampliação do acesso ao SUS e a integralidade das ações de saúde, assim como a transformação das graves desigualdades étnico-raciais demandam que profissionais, gestores e sociedade civil reconheçam o racismo institucional, comprometendo-se para o desafio cotidiano da desconstrução da ideologia racista existente em  nossa sociedade.

 

Monique Miranda é enfermeira, mestre em Saúde Pública/ENSP-Fiocruz e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

Louise Mara S. Silva é enfermeira e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

Michele Gonçalves da Costa é sanitarista, especialista em saúde coletiva, mestranda em Saúde Pública/ENSP-Fiocruz e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

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Cuidados Paliativos em debate: como organizar os sistemas de saúde para a realidade global https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/06/cuidados-paliativos-em-debate-como-organizar-os-sistemas-de-saude-para-a-realidade-global/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/06/cuidados-paliativos-em-debate-como-organizar-os-sistemas-de-saude-para-a-realidade-global/#respond Wed, 06 Oct 2021 10:00:55 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/sus_crise-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=543 Alessandra Pereira da Silva e Mario Dal Poz

 

Os cuidados paliativos ganharam repercussão na mídia devido a informações equivocadas sobre forma e conteúdo dessa área de conhecimento. Tomamos isso como uma oportunidade para esclarecer a relevância do papel de profissionais paliativistas no contexto nacional e internacional e afastar eventuais tentativas de nomear  os cuidados paliativos como práticas reprováveis do ponto de vista ético e científico.

Para enfrentamento do desafio global de ofertar serviços de saúde a uma população longeva, com doenças crônicas e comorbidades, se faz primordial a discussão sobre os Cuidados Paliativos. Segundo estimativa da Aliança Mundial de Cuidados Paliativos, há 20 milhões de pessoas que precisam desse tipo de assistência no mundo anualmente. Os adultos acima dos 60 anos representam 69% e as crianças 6% das pessoas que precisam do tratamento para diversas doenças. A maior proporção de adultos que demandam esse tipo de tratamento está em países de baixa e média renda, como o Brasil. Em 2014 a Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que somente 10% dos que precisam dos cuidados paliativos no mundo recebem o tratamento. A dimensão das doenças crônicas na saúde global e sua relação com o aumento da demanda para cuidados paliativos levam à necessidade de divulgar conceitos corretos para profissionais de saúde e para a sociedade, bem como  organizar os sistemas de saúde para essa realidade.

Em 1990 a OMS definiu um conceito para cuidados paliativos, atualizado em 2002: “Cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos”. Pela abrangência da oferta assistencial prestada, os cuidados paliativos são importantes desde o diagnóstico, tanto para a equipe manejar as indicações de forma assertiva como para pacientes e familiares se sentirem acolhidos e partícipes do tratamento. Porém, devido a fatores técnicos e subjetivos, tais como a formação de profissionais da saúde voltada majoritariamente para a cura e os tabus familiares, sociais e religiosos que envolvem a finitude, há vários obstáculos para reconhecer e aceitar o tratamento em questão. Isso pode ser percebido em expressões consagradas como “fora de possibilidade terapêutica” (FPT), que ainda hoje é largamente utilizada, negligenciando o fato de a paliação constituir uma terapêutica, embora sem um horizonte de cura.

Observa-se que nos dias atuais ainda há um descompasso entre conceitos e expressões, que atrelam os cuidados paliativos necessariamente à morte e não a uma possibilidade de cuidar do ser humano com respeito a sua dignidade até a finitude e para além dela, com atenção ao luto das famílias. Um exemplo é a expressão “prolongamento da vida” que vai de encontro ao consenso atual sobre cuidados paliativos e pode ser confundida com a utilização excessiva e desnecessária de recursos tecnológicos disponíveis sem benefício direto ou indireto, denominada “futilidade terapêutica”.  

O Conselho Federal de Medicina (CFM) na Resolução 1805/2006 permite ao médico limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a vida na fase terminal de doenças graves e incuráveis, com garantia de uma assistência integral no alívio do sofrimento. Os cuidados paliativos oncológicos foram inseridos como componente do cuidado integral na Portaria nº 874 de 2013. A partir desse marco no Brasil, os cuidados paliativos foram finalmente consagrados como uma modalidade de tratamento. O diferencial é que a utilização de recursos terapêuticos com foco exclusivo para a cura foi ampliada para a oferta de tratamento digno quando não há possibilidade de recuperação da doença, visando o alívio do sofrimento, com protagonismo do paciente nas decisões e inclusão da família na oferta de assistência pela equipe.

Dentre os princípios dos cuidados paliativos, a Resolução do MS nº 41 de 2018 repudia as futilidades diagnósticas e terapêuticas, com ênfase à afirmação da vida, à aceitação da morte como um processo natural e ao respeito à evolução natural da doença, sem acelerar nem retardar a morte. Dessa forma, os cuidados paliativos constituem um suporte para que o paciente viva com autonomia, e o mais ativamente possível de acordo com as limitações impostas. O papel dos cuidados paliativos na atenção integral foi evidenciado na 67ª Assembleia da OMS, realizada em 2014, com a recomendação para o desenvolvimento, fortalecimento e implementação de políticas públicas para apoiar os sistemas de saúde, em todos os níveis.

Em comparação com o cenário internacional, os cuidados paliativos no Brasil são realizados com estrutura frágil, serviços numericamente insuficientes e sem a prática difusa de referência e contrarreferência desde a atenção primária, passando pelas emergências, hospitais especializados e assistência domiciliar. No âmbito da Rede de Atenção à Saúde (RAS), a proposta para organizar as diretrizes dos cuidados paliativos no SUS, no contexto de continuidade e integralidade da assistência, foi apresentada na Resolução nº 41 de 31 de outubro de 2018. Essa norma define pontos importantes do que essa modalidade de tratamento preconiza como:  multidisciplinaridade, prevenção e alívio do sofrimento, início da oferta dos cuidados paliativos a partir do diagnóstico e abordagem e sintomas de origem física, psicossocial e espiritual.

O objetivo é que os cuidados paliativos estejam integrados na RAS para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares, com assistência humanizada, abrangência de todas as linhas de cuidado e todos os níveis de atenção, baseada em evidências e com acesso equitativo. Dessa forma, há previsão de oferta de cuidados paliativos na atenção básica, na atenção domiciliar, em serviços ambulatoriais, urgências, emergências e atenção hospitalar com acompanhamento longitudinal, coordenação de cuidados e plano terapêutico ajustado à complexidade das necessidades e possibilidades do paciente e dos familiares.

 

Uma vez que a melhoria da qualidade de vida associada à longevidade deverá acarretar o aumento da incidência de doenças crônicas e constituirá um desafio para os sistemas de saúde, o dimensionamento do quadro de pessoal para o controle da doença ganha relevância. Por isso, a preocupação sobre suficiência ou insuficiência de profissionais para acolher e tratar pessoas com câncer deve estar na pauta do dia.

Os cuidados paliativos necessitam de uma equipe capacitada e dimensionada adequadamente para ofertar serviços de qualidade aos pacientes e familiares. Ao mesmo tempo, a concepção da paliação deve estar disseminada entre todos os profissionais, inclusive os que atuam nas linhas de tratamento com objetivo de cura. Uma diretriz política e de organização de serviços deve ser a atenção ao cuidado dos trabalhadores, com reconhecimento do impacto da rotina e da carga de trabalho em graus variados nas questões físicas, psicológicas e sociais dos profissionais de saúde. Equipes mal dimensionadas, distribuídas inadequadamente e com carga de trabalho elevada tendem a apresentar maior grau de sofrimento, adoecimento e absenteísmo, sobrecarregando as equipes e afetando a prestação de cuidado e os resultados de saúde.

Nas discussões sobre o acesso global aos cuidados paliativos há uma agenda de pesquisa que está avançando, com estudiosos que se dedicam a projetar a necessidade de cuidados paliativos até 2060, baseados no conceito e metodologia da Comissão de Acesso Global ao Cuidado Paliativo e Alívio da Dor. O foco do estudo é minimizar o sofrimento da população relacionado às doenças que acometem de forma mais expressiva idosos e pessoas com demência nos países de baixa renda.

 

Perspectivas

Acompanhando a tendência global, o sistema de saúde brasileiro precisará incluir, num futuro próximo, os cuidados paliativos como um tratamento que inicia com o diagnóstico de uma doença crônica e acompanha o paciente até a prestação de cuidados de fim de vida e suporte aos familiares no processo de luto. Para isso, é urgente consolidar e normatizar uma Política Nacional de Cuidados Paliativos, disseminar o tratamento como possível de ser iniciado em todos os níveis de atenção à saúde, promover ações educativas e conscientizar profissionais que lidam com quaisquer doenças crônico-degenerativas sobre a importância do tema. Além disso, a valorização dos profissionais que atuam na área pode ser traduzida pelo dimensionamento e pela distribuição adequada de equipes e pela melhoria das condições de trabalho tendo em vista a peculiaridade das atividades realizadas. Com o aprofundamento dos debates em instâncias científicas, a sociedade se beneficiará com profissionais preparados, cuidado tempestivo e um sistema de saúde capaz de ofertar atenção integral às doenças crônicas, considerando toda a complexidade envolvida.

 

Alessandra Pereira da Silva, enfermeira, Doutora em Saúde Coletiva (UERJ) e Analista de Ciência e Tecnologia do INCA.

Mario Dal Poz, Professor Titular no Instituto de Medicina Social.

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A privatização da formação em saúde no Brasil: tendências e desafios https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/a-privatizacao-da-formacao-em-saude-no-brasil-tendencias-e-desafios/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/a-privatizacao-da-formacao-em-saude-no-brasil-tendencias-e-desafios/#respond Wed, 29 Sep 2021 10:00:27 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/4bb6474b-8770-41fe-ae8d-8c6ec626fa89_1140x641-compressed-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=536 Mario Roberto Dal Poz e Leila Senna Maia

 

Nunca foi tão necessário e crítico refletir sobre os desafios do processo de formação e educação das profissões em saúde no Brasil, em especial na medicina, enfermagem e odontologia, dadas as recentes tendências de mudança verificadas nesse campo, e impulsionadas pela privatização do setor.

Nas últimas décadas, o crescimento global das Instituições de Ensino Superior Privadas (IESP), sobretudo aquelas com fins lucrativos, ampliou o debate sobre a natureza dos bens públicos e privados na educação superior, especialmente sobre o papel do setor privado e o seu impacto na formação acadêmica. O sistema educacional responde tanto às exigências do sistema de saúde quanto à dinâmica do mercado de trabalho, cruciais na transformação do sistema de saúde e no desenvolvimento econômico e social.

No Brasil, os cursos da área da saúde acompanharam de forma geral a tendência do ensino superior, tanto em relação ao aumento de matrículas quanto no crescimento da participação das instituições privadas na oferta de cursos e de matrículas efetivas. Entre os anos de 1991 e 2014, a proporção de cursos privados na área da saúde passou de 51% para 72% e o número de vagas foi de 61% para 91%.

O fenômeno da privatização na educação superior em saúde tem se caracterizado pelo crescimento dinâmico e acelerado. Suas tendências de expansão estão relacionadas, especialmente, às políticas públicas, que influenciam, e mesmo favorecem, o aumento dessas instituições. 

A expansão do ensino superior privado no Brasil, em número de instituições, vagas e cursos, foi justificada pela ampliação e democratização do acesso ao ensino superior e fortalecida pelo arcabouço político, jurídico e institucional. Somaram-se ao cenário incentivos, imunidades e isenções fiscais; repasses estatais ao setor privado, com a implantação de políticas de financiamento e bolsas estudantis e linhas de crédito, a exemplo dos Programas de Melhoria Institucional implementados pelo BNDES.

Políticas e programas governamentais contribuíram, a partir de 1999, para o crescimento do setor privado de ensino por meio de aporte de recursos governamentais, isenção fiscal e redução de até 90% do valor da dívida ativa com a União em troca da oferta de bolsas parciais ou integrais a estudantes das instituições participantes. 

Os principais programas e políticas que auxiliaram na retenção de estudantes, na redução de vagas ociosas e das taxas de evasão e de inadimplência foram o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) instituído pela Lei nº 10.260/01 27; o Programa Universidade para Todos (PROUNI), instituído pela Lei n° 11.096/2005 28, e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), instituído pela Lei no. 12.688/2012, 29.

No caso específico das escolas médicas, além do Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o governo federal disponibilizou ainda o FIESmed, um programa específico instituído por meio da Lei n° 12.202/2010, para abatimento mensal de 1% do saldo devedor, incluídos os juros devidos no período, da dívida dos médicos que financiaram seu curso pelo Fies. A condição é que estes passassem a atuar em Estratégia de Saúde da Família (ESF) em municípios definidos como prioritários pelo Ministério da Saúde (MS) ou que fossem médicos residentes matriculados em programa credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica e  cursando uma das 19 especialidades prioritárias para o SUS. O FIESmed previa ainda a extensão da carência de pagamento.

Em 2013 foi instituído o Programa Mais Médicos (PMM) que, além do recrutamento emergencial de médicos para atenção assistencial em regiões prioritárias do país por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), autorizou a expansão da oferta de cursos e vagas de medicina em instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas. Dois anos após a promulgação dessa Lei foram criadas 5.300 novas vagas para a graduação em medicina — 68% em instituições privadas. O aumento no número de cursos privados de medicina de 2000 a 2017 foi de 200%.

No entanto, o número limitado de estudos e evidências sobre a dinâmica dos mercados educacional e de trabalho em saúde nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento dificulta compreender as suas relações com os sistemas de saúde. Recentemente, o grupo de pesquisadores sobre saúde global e força de trabalho em saúde publicou três estudos buscando demonstrar a pertinência e a abrangência do processo de privatização das escolas de medicina , odontologia e enfermagem, fazendo uma reflexão sobre as implicações desse processo no atendimento das demandas do sistema de saúde no Brasil.

Em agosto de 2021, o Brasil dispunha de 372 cursos de medicina públicos e privados que, juntos, ofertam 39.636 vagas. Destes, 228 cursos foram oferecidos por instituições privadas responsáveis por 27.785 (70%) do total das vagas disponíveis. No mesmo período, o país contava com um total de 579 cursos de odontologia que juntos dispunham de 79.737 vagas anuais das quais 93% (74.434) eram de responsabilidade de 511 IESP.  No caso da enfermagem, foram oferecidas 211.466 vagas presenciais por meio de 178 cursos públicos e 1.193 privados. Estes últimos responsáveis por 94% (199.682) da oferta anual deste tipo de vagas. Na modalidade a distância 12 cursos privados de enfermagem disponibilizaram um total de 112.860 vagas distribuídas nacionalmente em 1.557 polos educacionais.

Em relação ao total de vagas há claramente uma tendência à concentração do setor educacional brasileiro para a formação em saúde em alguns grupos educacionais, e mais especificamente das IESP com cursos de medicina.

A expansão global dos cursos privados de medicina representa um grande desafio: como expandir o número de vagas e ao mesmo tempo garantir qualidade e acesso democrático a essa forma de educação. Por isso é relevante a constituição de uma agenda de pesquisa em âmbitos nacional e internacional que permita acompanhar os processos de reconfiguração empresarial do setor, além de  investigar as relações entre os mercados público e privado de formação, assim como a empregabilidade dos profissionais médicos pelos sistemas nacionais de saúde, correlacionando esses fatores com as necessidades assistenciais das populações. 

Como os indicadores de qualidade e desempenho do setor privado tem ficado aquém daqueles do  ensino público, é necessário realizar mais estudos sobre as avaliações realizadas pelo Ministério da Educação, bem como implantar novos procedimentos e mecanismos de avaliação, como testes de progresso aplicados pelas próprias instituições, avaliações externas para estudantes de graduação  ou credenciamento de escolas e métodos de avaliação de estudantes mais adequados às mudanças no currículo dos cursos de graduação.

Pesquisas avaliativas poderiam monitorar ou medir a implementação das propostas educacionais formuladas pela primeira vez quando as escolas são credenciadas, para verificar se as escolas e faculdades possuem a infra-estrutura mínima necessária, incluindo laboratórios e biblioteca, se estão de fato integradas ao sistema de saúde local e regional, se trabalham em conjunto com hospitais de ensino ou unidades públicas de saúde capazes de fornecer residências e experiência prática para os estudantes, e se existe um corpo docente estabelecido, com professores experientes e qualificados trabalhando exclusivamente ou prioritariamente na escola.  

Há necessidade de analisar quaisquer obstáculos para identificar novos mecanismos de democratização do acesso ao ensino superior. No caso da medicina, mesmo com os novos cursos e as novas vagas oferecidas, os procedimentos de admissão –que para as universidades públicas envolvem exames extremamente competitivos — e as altas taxas cobradas pelos cursos particulares, tendem a fomentar a desigualdade de acesso, pois favorecem os estudantes de origens mais abastadas. Como os cursos de medicina são mais competitivos e caros, poucos estudantes receberam incentivos do programa Universidade para Todos (Prouni), do Fundo de Empréstimos para Estudantes de Ensino Superior (Fies), e de programas específicos de inclusão, cotas e ações afirmativas.  

 

Mario Roberto Dal Poz é professor titular no Instituto de Medicina Social da UERJ.

Leila Senna Maia é pesquisadora no Instituto de Medicina Social da UERJ.

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