Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O SUS e a bipolaridade no debate público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/26/o-sus-e-a-bipolaridade-no-debate-publico/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/26/o-sus-e-a-bipolaridade-no-debate-publico/#respond Wed, 26 Jan 2022 08:00:13 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/01/pronto-socorro-do-hospital-life-center_1_83070-300x215.jpeg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=639 Ricardo de Oliveira

 

A avaliação positiva que o Sistema Único de Saúde (SUS) alcançou no enfrentamento da pandemia de COVID-19 se contrapõe à sua imagem negativa anterior. O que explica a mudança radical na percepção sobre o SUS? Como aproveitar o momento para avançar na melhoria da prestação de serviços de saúde? Essas são reflexões importantes para todos que têm compromisso, ou responsabilidade institucional, na formulação e implantação das políticas públicas de saúde; ainda mais porque o debate é sobre o maior projeto coletivo de inclusão social realizado pela sociedade brasileira nas últimas três décadas e que agora parece ser percebido como tal pela população. 

A pandemia provocou insegurança geral sobre como enfrentar esse desafio de saúde pública. Era um vírus novo, que podia levar à morte; não existia conhecimento científico para orientar o tratamento ou a prevenção, e tampouco podia ser enfrentado apenas de forma individual. Nesse cenário, os olhares se voltaram para o SUS, à espera de uma solução. Desde então, a sociedade brasileira descobriu que dispunha de um instrumento de ação coletiva para proteger a sua saúde.

A mudança na forma de divulgação, pela mídia, da prestação dos serviços do SUS, também ajudou na formação de uma imagem mais positiva. Anteriormente, o noticiário focava maciçamente nos problemas do SUS, em detrimento dos seus acertos, o que contribuía para dificultar uma avaliação realista por parte da opinião pública sobre a eficácia dos serviços de saúde pública.  

Agora, é possível observar que o noticiário sobre o SUS destaca a importância da  prestação de serviços, ao criticar a competência dos seus gestores. O olhar passou a ser para a capacidade desse sistema acolher a todos, de forma ordenada e a partir de prioridades. Os usuários tiveram que esperar a sua vez de serem atendidos devido à pandemia, e isso não provocou uma campanha negativa na mídia, como usualmente acontecia; pelo contrário, se disseminou a percepção de que uma política pública de saúde, que atende 210 milhões de pessoas, precisa ser organizada e bem planejada, principalmente quando todos necessitam dela ao mesmo tempo.

A imagem positiva do SUS na proteção à saúde da população foi construída, ao longo de  quase dois anos de pandemia, devido à  enorme capacidade do sistema em atender à demanda coletiva de vacinação e oferecer serviços médicos/hospitalares. Isso ocorreu sobretudo, por três motivos: desde 1988, os governos têm investido na capacitação da prestação dos serviços do SUS (infraestrutura, equipamentos e tecnologias, formação e capacitação de pesquisadores, gestores e técnicos); a governança cooperativa e entre entes federativos (tripartite, no âmbito do governo federal e bipartite nos estados); a mobilização de parte da população em defesa do SUS, através dos conselhos de saúde espalhados pelos três níveis de governo.

Todavia, o debate atual sobre a prestação dos serviços do SUS enfatiza apenas os resultados positivos, minimizando problemas. Essa forma de divulgação, que oscila entre dois polos, (ou é ótimo, no enfrentamento da pandemia, ou é ruim, como anteriormente no atendimento do dia a dia), não permite um debate público equilibrado entre acertos e problemas ainda existentes. Não podemos esquecer que a imagem negativa foi construída em função da dificuldade de acesso a consultas, exames, internações e cirurgias, e que persistem até hoje. 

Se essa bipolaridade, fruto de uma visão de curto prazo, não for superada ao fim da pandemia, corremos o risco de voltar à situação anterior de imagem negativa. A pandemia  adiou vários serviços públicos de saúde, e o esperado é uma grande pressão de demanda, com potencial de prejudicar novamente a imagem do SUS, talvez até de pior forma do que antes da Covid-19.

A fim de evitar isso, é preciso, urgentemente, organizar um debate sério e transparente no Congresso Nacional, com todos interessados na construção de um entendimento político que faça avançar a prestação de serviços de saúde no país. O debate deve envolver o modelo de atenção, gestão e financiamento, a continuidade das políticas públicas de saúde, o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial, a relação entre o sistema público e privado, e as práticas políticas patrimonialistas que dificultam a melhoria da gestão e do atendimento no setor público.

A falta desse entendimento tem levado a um enorme desperdício de recursos que poderiam ser melhor utilizados em benefício dos cidadãos, por exemplo em equipamentos de saúde sem escala de atendimento; imposição ao SUS de aquisição, via judicial, de serviços e insumos sem uma avaliação de custo/benefício realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC); a dificuldade de construir uma base única de dados sobre o histórico de saúde de cada cidadão, com informações advindas da rede pública e/ou privada; e a utilização do SUS para atender interesses políticos ou econômicos. 

A urgência na resolução da crise sanitária, para podermos retomar a normalidade no convívio social e nos mercados, e a atual imagem positiva do SUS criaram condições para a construção de um amplo entendimento em torno das políticas de saúde, com o objetivo de defender os interesses dos usuários do SUS.  

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor dos livros: Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012 e Gestão Pública e Saúde, FGV/ 2020. Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Membro do comitê de filantropia da UMANE.

]]>
0
Healthtechs: o que podemos esperar? https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/07/healthtechs-o-que-podemos-esperar/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2022/01/07/healthtechs-o-que-podemos-esperar/#respond Fri, 07 Jan 2022 08:00:44 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2022/01/c-3-730x487-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=614 Ivisen Lourenço

 

A quantidade de startups na área de saúde cresceu significativamente nos últimos 4 anos, principalmente durante a pandemia. Se, em 2018, no primeiro levantamento feito pela plataforma de inovação “Distrito”, eram 248 “healthtechs”, em setembro deste ano já são 945 – crescimento de 281%. O mercado já reconhece o crescimento e a força das healthtechs, com investimentos que ultrapassam US$ 450 milhões desde 2018, de acordo com dados da Distrito.

O franco crescimento de qualquer startup é resultado de tecnologia e inovação. O cenário é animador, tanto para iniciativas empreendedoras mais maduras, que buscam expansão, quanto para novas iniciativas. Porém, é necessário um olhar mais crítico para o atual momento e entender como as tecnologias chegam aos pacientes, principalmente aqueles atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

SUS e as healthtechs 

Quando falamos em saúde, precisamos levar em consideração a força do SUS. Cerca de 71,5%, ou 150 milhões dos brasileiros, dependiam exclusivamente dele, ainda em 2019, antes da pandemia. No entanto, só nos dois primeiros meses de pandemia, 283 mil pessoas perderam seus planos de saúde, aumentando, diante da crise econômica e do desemprego, a dependência do brasileiro ao SUS.

Se existe uma palavra que define a vantagem de integração das healthtechs, neste contexto, é “escalabilidade”, ou seja, a oportunidade de aumentar os atendimentos em saúde, sem de fato expandir os custos.  O intuito, no entanto, é exatamente o inverso: custos reduzidos e serviço otimizado. 

A oportunidade de integração das startups ao setor público também pode corrigir um erro antigo da gestão em saúde: ser “hospitalocêntrico”, isto é, a saúde pública atuar focada na estrutura física e no volume de atendimentos, e não no valor e no desfecho clínico favorável ao paciente. As tecnologias possibilitam mudar essa estrutura e fazer o paciente protagonista – como sempre deve ser – a partir da ampliação de ações de prevenção e diagnóstico.

Quando olhamos para as healthtechs, precisa haver espaço para desenvolvimento e atuação. A falta de regulamentação, as dificuldades regulatórias para aprovação de novas tecnologias e a falta de políticas públicas de fomento à inovação no SUS são barreiras substanciais. Na prática, isso significa um número gigante de empresas interessadas em um mercado privado, que, porém, não se conecta diretamente ao Sistema Único de Saúde e tampouco se multiplica no ambiente mais necessário, o público.

A telessaúde, por exemplo, só foi regulamentada temporariamente por meio de um projeto de lei de 2020, que já se arrastava por 20 anos. Além da interpretação das entidades de classe, deve-se lembrar também do papel dos órgãos reguladores, principalmente quando o assunto são novas tecnologias, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o próprio Ministério da Saúde, com seus grupos de avaliação de tecnologia. Há a necessidade latente de revisão ágil dos arcabouços legais e regulatórios, de modo que, preferencialmente, acompanhe a velocidade do desenvolvimento tecnológico. 

A adoção de tecnologias também passa pela capacidade de internalização dos próprios profissionais de saúde. Esse é um ponto compartilhado entre políticas públicas e setor privado. De um lado, há a falta de ações sistemáticas de desenvolvimento e capacitação pelo Estado; do outro, a necessidade de o setor privado facilitar e considerar essa dimensão no desenvolvimento e na implantação dos projetos. 

Avanço inevitável 

A pandemia escancarou que muitos avanços já poderiam ter sido colocados em prática, com o uso da tecnologia em saúde. Retroceder não é uma opção. Vale destacar algumas iniciativas: 

Inovação orientada a desafios 

O IdeiaGov, iniciativa do governo do Estado de São Paulo, possibilitou o lançamento de desafios de saúde focados no combate à pandemia. Nesse programa, startups encontraram um caminho para apresentar tecnologias e se conectarem com atores do setor público. O programa nasceu em plena pandemia e hoje já é reconhecido como referência de conexão entre startups e governo.

Hubs de Inovação focados em saúde

O InovaHC se destaca como catalisador de inovação em saúde, o que facilita o desenvolvimento de novas soluções em saúde, por meio da conexão entre universidade, setor privado e governo. O InovaHC é o hub de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, conta com programas de apoio à inovação que facilitam a jornada dos empreendedores, sendo também um dos principais centros de pesquisa e inovação em saúde do mundo. 

Programas de aceleração de negócio

Programa de aceleração de startups 100% gratuito, o BNDES Garagem é uma parceria entre Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e aceleradoras de mercado. Com um olhar específico para govtechs, saúde e potencial de investimento, o BNDES Garagem é um dos principais programas em nível nacional para empresas nascentes. 

Para o desenvolvimento contínuo das tecnologias no SUS, são necessários: maior esforço do setor público para expandir projetos; desburocratizar normas; uma efetiva e clara regulamentação; e mudança de mentalidade. As healthtechs são o agora, já que os benefícios de suas aplicações devem expandir o atendimento em saúde e melhorar a qualidade do SUS. O futuro é uma saúde pública ainda mais conectada e online, com o paciente no centro do atendimento.

Ivisen Lourenço é Head de Open Innovation da InovaHC

]]>
0
O impacto da tecnologia de ponta na formação do médico do futuro https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/12/08/o-impacto-da-tecnologia-de-ponta-na-formacao-do-medico-do-futuro/#respond Wed, 08 Dec 2021 08:00:32 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/12/bbc03-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=609 André Raeli

 

O conhecimento médico está avançando em uma velocidade singular. E não é de hoje: basta comparar os primeiros registros do ofício da medicina em civilizações pré-históricas e as modernas práticas da atualidade. 

Estudo da “American Clinical and Climatological Association” realizado em 2011 mostra que o domínio humano sobre esse entendimento prático da profissão avançou exponencialmente. Na década de 1950 do século XX, o tempo de duplicação do saber clínico foi de 50 anos; já em 1980, passou para 7; em 2010, 3,5 anos. Em 2020, a projeção foi de 0,2 anos, ou seja, apenas 73 dias. A incidência de novas patologias, o aumento da população e o avanço nas pesquisas podem ter contribuído para o novo cenário. 

No entanto, nada foi tão impactante nessa trajetória quanto a chegada das mais recentes tecnologias. Do diagnóstico aos processos cirúrgicos refinados, passando pelas mais robustas técnicas de tratamento e controle de doenças, todas as especialidades médicas sofreram o impacto da inovação,  sem, porém, abandonar a essência do cuidado tradicional. 

A inteligência artificial (IA) ou a Internet das Coisas (IoT), por exemplo, são empolgantes, mas não se pode perder de vista a importância da formação e da educação continuada. Cada vez mais novos profissionais precisam se preparar para esse novo horizonte tecnológico, com mais autonomia para a operação de novos sistemas e canais de suporte à decisão clínica. Em 2010, havia 320 mil médicos no Brasil; atualmente são mais de 550 mil em atuação. Portanto, existe um grande contingente que se formou em um paradigma de menos informação e conhecimento em relação à tecnologia aplicada.

Ainda que a natureza da profissão seja a busca ativa e constante por aperfeiçoamento e atualização, é preciso expandir o conhecimento em direção às novas tendências. Muito se fala do médico do futuro, das múltiplas habilidades e dos caminhos essenciais de formação, mas olhando apenas para os próximos anos. O futuro já chegou e capilarizar o conhecimento médico depende de uma mistura de fatores. É urgente falar sobre isso. É primordial manter uma escuta ativa com os médicos e prover novas formas de construir e disseminar o conhecimento.

Em trocas e diálogos contínuos com esses profissionais, é preciso valorizar o argumento do benefício de arquitetar um futuro para medicina, começando hoje. Tecnologias que podem ser ainda disruptivas para algumas áreas já fazem parte da rotina médica e  fazem a diferença em prognósticos e linhas de cuidado. As impressoras 3D para o auxílio em próteses, a ascensão do nicho de imaginologia e a oferta dos dispositivos de ultrassonografia móveis são alguns dos caminhos já bastante estabelecidos.

Na prática, as especializações médicas devem incorporar essa dinâmica de ampliação do conhecimento, de novas técnicas e plataformas, que não param de chegar. A telemedicina, autorizada em função do isolamento social na pandemia, é um exemplo de que as barreiras caíram e as oportunidades se tornam ilimitadas. É importante manter o radar ligado nos novos caminhos de aprendizado, visando sempre às melhores práticas para atender e proporcionar mais qualidade de vida.

É realmente difícil prever com exatidão o futuro, mas antevê-lo tem sido uma realidade frequente por meio da tecnologia. O preparo do médico do futuro não está no amanhã; ele começa agora, de forma muito intensa. O médico de 2040 irá olhar para o médico de hoje da mesma forma que é feito com o médico da idade média. O caminho para não ficar para trás é olhar para frente, compreendendo que há jornadas importantes já otimizadas pela tecnologia e que não irão sucumbir à magnitude do cuidar médico.  

André Raeli é diretor de educação continuada da Afya, maior ecossistema de educação e tecnologia voltada para a saúde no Brasil

]]>
0
Inovação em saúde: sim, há desafios, mas há também oportunidades https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/inovacao-em-saude-sim-ha-desafios-mas-ha-tambem-oportunidades/#respond Wed, 17 Nov 2021 09:00:41 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/ge_inovação_na_saude-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=592 Ivisen Lourenço

 

Um estudo da “The Economist Intelligence Unit (EIU)”, divisão de pesquisa e análise de risco da revista “The Economist”,  indica que a pandemia de Covid-19 acelerou em 72% a transformação digital nas empresas, além de  estimular a criação e o desenvolvimento de novas startups no Brasil. 

Em relação à área da Saúde, o País já contava, em maio de 2021, com 430 startups no setor, um crescimento de 118% em dois anos. Nesse processo, a adesão à telemedicina durante a pandemia foi essencial, assim como a inteligência artificial (IA) e a internet das coisas (IoT).

Porém, colocar a inovação em prática não é tão simples assim. A 4ª edição da pesquisa “Ace Innovation Survey”, da consultoria de inovação corporativa ACE Cortex, revela que,  apesar de ser prioridade para 85% das empresas, apenas 36% possuem estrutura adequada para desenvolver novas ideias em seus ambientes corporativos. Na saúde, estes números são ainda menores. 

Gargalos da inovação 

Em 2021, o Índice Global de Inovação mostrou que nações com altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), como Suíça, Suécia e EUA, lideram o ranking de países inovadores. O Brasil, décima terceira economia do mundo, está apenas no 57º lugar entre 126 países. 

Mais do que simplesmente adotar tecnologias, é preciso atuar de forma eficiente para dinamizar processos, o que pode exigir mudança cultural e treinamentos. Particularmente, a saúde tem ciclos mais longos de inovação, por exigências inerentes ao setor. Não se trata apenas de comprar softwares e hardwares, mas operá-los para que entreguem agilidade, assertividade e segurança nos resultados para todos os públicos envolvidos em hospitais e clínicas. 

É preciso ainda considerar desafios que hoje impactam diretamente à Saúde:

  • exigências regulatórias do setor: a área é extremamente afetada pela regulação de medicamentos, equipamentos, serviços e insumos.  Adequar-se às mudanças nesse ambiente é um grande desafio – tanto que já existem as regtechs, startups que ajudam empresas a se adequar diante dessas mudanças.  Das 309 regtechs brasileiras, 25 são voltadas para saúde e ciências da vida;
  • desenvolvimento e manutenção de capital intelectual exige tempo e investimento: não se desenvolvem criatividade e experiências de uma hora para outra. Ao mesmo tempo, há a desvalorização e a debandada do capital humano para centros mais desenvolvidos em inovação.
  • dificuldades tecnológicas, especialmente a interoperabilidade: uma solução não opera com outra e, assim, trava fluxos e atrasa resultados. Já existem sistemas extremamente avançados e bem desenvolvidos, especialmente para tratamentos intensivos, mas a preocupação de marcas e fabricantes em fazê-los de forma a otimizar a colaboração não parece ser o foco. Não se trata de integração: um não precisa depender da tecnologia do outro, e sim trabalhar juntos.

Importância da cultura de inovação 

Por outro lado, agora, mais do que nunca, não é hora de parar. A pandemia deixou uma demanda reprimida por exames e tratamentos. Milhares de diagnósticos deixaram de ser feitos precocemente em todo o mundo. Teremos  ondas de doenças mais avançadas sendo identificadas nos próximos meses ou anos – especialmente aquelas que não trazem sintomas e dependem do acompanhamento de rotina.

A pesquisa da CNI também reforça que inovar não é somente um benefício competitivo, mas também de sobrevivência. A cultura de inovação está associada aos valores, normas e atitudes que estimulam o pensamento, para que haja o desenvolvimento das inovações. 

Não faltam mercados e setores que enfrentam obstáculos diários e precisam de soluções inovadores em seus processos e fluxos, como o da saúde. É possível melhorar a vida das pessoas, os custos e as rotinas de empresas e organizações apostando na tecnologia empregada. É possível cuidar do bem-estar, das finanças, do futuro de cidades inteiras; tornar o mundo mais palatável e humano utilizando tecnologia – com sabedoria e assertividade.

 

Ivisen Lourenço é Design Thinker e administrador de sistemas de saúde com experiência formatada em mais de 10 anos de atuação em gestão hospitalar. Atualmente é Head de Open Innovation no InovaHC.

]]>
0
Panorama atual e desafios da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/12/panorama-atual-e-desafios-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/12/panorama-atual-e-desafios-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra/#respond Fri, 12 Nov 2021 08:00:58 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/covid-negros-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=586 Ionara Magalhães

 

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) enumera um conjunto de lutas históricas dos movimentos sociais negros. No campo de disputas por um projeto de sociedade equânime e democrática, essa luta representa um importante marco político no enfrentamento do racismo estrutural. A PNSIPN é uma política transversal, contra-hegemônica, fundamentada no reconhecimento do racismo como determinante da precariedade das condições de saúde da população negra. A PNSIPN tem caráter específico e compensatório, pois as políticas universalistas não têm alcançado populações vulneráveis e acabam por reproduzir as iniquidades. A PNSIPN visa a assegurar os princípios antirracistas e não discriminatórios, correspondendo, portanto, a uma ação afirmativa no SUS.

Os dados de morbimortalidade (índice de pessoas mortas em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional) da população negra revelam a insuficiência e a ineficiência de ações governamentais para redução das iniquidades étnico-raciais. Não existe predisposição nata ao adoecimento e mortalidade precoce das pessoas negras. Com efeito, há um pequeno elenco de morbidades determinadas geneticamente. Todavia, prevalecem doenças e agravos sociais resultantes do racismo que estrutura as desigualdades sociais. 

Se a saúde é determinada por políticas macroeconômicas, por capital social e cultural, por condições de vida, ambiente e trabalho moldadas pela distribuição de dinheiro, por recursos e por relações de poder, as condições de saúde da população negra têm correspondência direta com as iniquidades sociais, e suscitam política específica. Nesse sentido, a institucionalização da saúde da população negra no SUS aponta para o cuidado preventivo, assistencial e promocional da saúde, previsto nos planos operativos da PNSIPN.

Após doze anos de instituição, a PNSIPN foi efetiva em apenas 57 dos 5.570 municípios brasileiros. Os problemas persistem: falta de financiamento, insuficiência de suporte técnico, falta de comitês técnicos estaduais e municipais de saúde da população negra, desconhecimento da população usuária do SUS sobre a PNSIPN e, sobretudo, a cultura do racismo institucional. Os comitês técnicos de saúde da população negra têm caráter deliberativo e executivo, representam a interlocução entre as comunidades negras e as instituições de governo, além de que visam a garantir a implementação da política. Todavia, em 2018, não havia 10% dos comitês técnicos de monitoramento em todos os municípios. Por certo, uma investigação atual revelaria dados ainda mais estarrecedores.

A gestão da PNSIPN deve ser compartilhada entre União, estados e municípios, e prevê o exercício e fortalecimento do controle social, da produção da informação, do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra, e da valorização dos saberes e práticas populares de saúde, inclusive das religiões de matrizes africanas. Além disso, a política preconiza o monitoramento, a avaliação das ações referentes ao combate ao racismo nas distintas esferas de governo e a garantia do amplo acesso da população negra às ações e aos serviços de saúde.

No bojo da análise da implementação da PNSIPN, destaca-se que muitos sistemas de informação em saúde não dispõem do quesito “raça/cor da pele”. Tampouco há esforços da gestão em fazer o registro compulsório deste campo e sanções pelo não cumprimento do preenchimento, estabelecido pela Portaria 344/2017. Além disso, denota-se a necessidade de melhora da coleta, do processamento e da análise dos dados desagregados por raça/cor da pele/etnia para a produção, do monitoramento, da avaliação de indicadores e das metas destinadas à promoção da equidade étnico-racial na saúde.

Um grande entrave corresponde à inclusão da temática “relações étnico-raciais, racismo e saúde da população negra” na educação permanente voltada aos trabalhadores , gestores e usuários  nos currículos de formação dos cursos de saúde. Essas temáticas são ignoradas pelas instituições ou não reconhecidas como fundamentais pela sociedade brasileira. 

A implementação da PNSIPN implica o fortalecimento do SUS – o maior patrimônio público e maior política social do país. Entretanto, os ataques ao SUS, traduzidos pelo subfinanciamento crônico e desfinanciamento, pela destituição dos direitos sociais, civis e políticos, e pela adoção de políticas antidemocráticas e conservadoras, atingem diretamente a população negra e, consequentemente, fragiliza o processo de implementação da PNSIPN. 

É premente que, para além dos comitês técnicos, das organizações sociais e dos movimentos negros, o Estado estabeleça mecanismos institucionais de gerenciamento e monitoramento da implementação da PNSIPN. Logo, seria a implementação da PNSIPN uma questão técnica ou política? O maior desafio da PNSIPN é, incontestavelmente, a sua implementação, que esbarra na estrutura, disposição e política institucional desfavoráveis. Seguramente, sem a devida implementação e avaliação, o ciclo da política não se completa.

Portanto, no panorama atual de implementação da PNSIPN, observam-se ações descontínuas, isoladas, descoordenadas e o descompromisso governamental com  a sua implementação. O fracasso no processo de implementação da PNSIPN representa uma ameaça ao projeto civilizatório, Muitos avanços têm sido desconstituídos e prejudicado o exercício do direito à saúde da população negra. Nessa correlação de forças, segue em curso uma longa disputa pela democratização da saúde, pelo resgate da credibilidade institucional e pela efetivação de uma política de legitimidade histórica.

 

Ionara Magalhães é professora Adjunta da UFRB, membra do Comitê Técnico Estadual de Saúde da População Negra e do GT Racismo e Saúde da ABRASCO

]]>
0
SUS: hora de avançar https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/564/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/564/#respond Wed, 03 Nov 2021 10:00:37 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/sus-agencia-brasil-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=564 Ricardo Oliveira

 

O adiamento de cerca de 1,6 bilhão de procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo estimativas do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), em consequência da pandemia de Covid-19 acrescenta-se às dificuldades de acesso já existentes. Espera-se, portanto,  um cenário de maiores restrições para o atendimento das necessidades de saúde da população brasileira nos próximos anos. 

Por outro lado, a atual crise sanitária criou condições para avançar na qualidade e na eficiência do atendimento aos usuários do SUS, em função, pelo menos, das quatro questões a seguir:

1- A superação da pandemia passou a ser chave para o enfrentamento das crises social e econômica e para a retomada do crescimento econômico e dos empregos, elevando a prioridade das políticas públicas de saúde junto aos governantes.

2- A necessidade, o interesse e a valorização do SUS pela população levaram a mídia, os governantes e os líderes políticos a se mobilizar com mais ênfase no debate sobre as políticas de saúde. Isso pode ser constatado pela criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado e pelo  volume de horas dedicadas à cobertura da pandemia pela imprensa.

3- A crise sanitária teve o efeito de conscientizar a população em relação à importância do autocuidado. Higienizar as mãos com álcool gel ou sabão, usar máscaras e manter distanciamento social se incorporaram como hábitos no dia a dia, mostrando a necessidade de cada um cuidar da sua saúde e da coletividade. O autocuidado é um comportamento fundamental para ajudar o SUS a superar o desafio do atendimento aos seus usuários, porque reduz a demanda ao sistema.

4- A existência de um conjunto de propostas com ampla aceitação acerca da reorganização do modelo de atenção, gestão e financiamento do SUS, a saber: a) superar a fragmentação entre os níveis de atendimento, integrando a atenção primária, especializada e hospitalar; b) implantar um modelo de atenção adequado para tratar as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs); c) organizar as Redes de Atenção (RAS) a partir das regiões de saúde; d) considerar a Atenção Primária à Saúde (APS) como coordenadora da RAS; e) aumentar a informatização da gestão e da prestação dos serviços; f) fortalecer a gestão tripartite; g) aprimorar o controle social; h) prover financiamento adequado; i) fomentar o autocuidado; j) implantar a gestão por resultados, tendo em vista o aumento da qualidade e da eficiência na prestação de serviços.

Essas propostas são bastante complexas e demandam tempo para efetiva consolidação. Por isso, concomitante  a elas, medidas emergenciais  devem ser pensadas para suprir a demanda por serviços de saúde no curto prazo, como consultas, exames, internações e cirurgias.

A pandemia mostrou a necessidade de aumentar o investimento científico, tecnológico e industrial no setor da saúde para desenvolver conhecimento e capacidade de produção de bens e serviços no Brasil. A dependência externa da produção de insumos básicos e fármacos se provou ineficaz para atender as necessidades do SUS.

Para aproveitar a conjuntura favorável ao SUS, é necessário que a comunidade da saúde pública se mobilize, tendo em vista a busca por um consenso político em relação às propostas que melhorem a prestação de serviços, garantam sua implantação ao longo do tempo e contribuam com o debate junto ao Congresso Nacional.

Essa mobilização deve ser compreendida como uma obra coletiva, uma vez que depende da liderança e do comprometimento do Ministério da Saúde (MS), assim como de governadores e prefeitos, gestores e servidores do setor, órgãos públicos que fiscalizam e controlam a gestão e o exercício das profissões da área e, por fim, da fundamental participação da sociedade. 

Apenas o setor público não vai conseguir atender as demandas dos serviços agora e no futuro. Portanto, faz-se necessário reunir todos os parceiros que possam colaborar na superação desse desafio.

O MS, em função do seu papel de coordenador nacional das políticas de saúde, deveria tomar a iniciativa de convidar os representantes do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONSAD), do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para o debate sobre como superar o enorme desafio na prestação de serviços do SUS. Não há tempo a perder!

 

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção, foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo entre 2005 a 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor dos livros: Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012 e Gestão Pública e Saúde, FGV 2020. Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

]]>
0
Cuidados adequados e personalizados para o câncer de mama https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/#respond Wed, 27 Oct 2021 10:00:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/cancer_mama-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=558 Vilmar Marques de Oliveira

 

O preconceito e a desinformação ainda são obstáculos para as mulheres – e para toda a sociedade – em relação ao câncer de mama. O estigma em torno de uma doença que pode ser grave e afeta diretamente um dos maiores símbolos da feminilidade atrapalha de várias maneiras: desde o deixar para depois a realização de exames que deveriam ser periódicos até barreiras emocionais que, uma vez feito o diagnóstico, impedem que essa mulher seja protagonista no seu tratamento.

O agravante é que o câncer de mama é uma doença complexa. Existem diferentes perfis de tumor e momentos específicos, que envolvem diferentes decisões. Outra questão é o acesso às opções de tratamento e a própria adesão à conduta escolhida, considerando tratar-se de uma doença tempo-dependente e que não espera nada, nem ninguém, para progredir. Ela é mais rápida ou mais lenta a depender das características que se apresentam em cada caso.

Por isso é que se fala em jornada da paciente com câncer de mama. Uma mulher que é única e tem uma história só sua, mas que deve e pode buscar os cuidados mais adequados e personalizados para o seu perfil. É certo que, nesse caminho, desinformação e prejulgamento fragilizam. Mas diálogo, conhecimento, autocuidado e rede de apoio efetiva, seja de familiares, amigos, colegas de trabalho e mesmo da equipe de saúde, contribuem para a vida antes, durante e depois do câncer. Uma vida que pode ser plena.

Esse olhar coletivo sobre o câncer de mama como um tema de interesse de toda a sociedade é fundamental para a efetivação e o aprimoramento das políticas públicas relacionadas à linha de cuidado da patologia (rastreamento, diagnóstico e tratamento), bem como à navegação das pacientes no sistema de saúde. Embora tenhamos importantes leis aprovadas e um sistema público e universal, ainda há muito a avançar para salvar um número maior de mulheres.

O câncer de mama é o mais frequente entre as brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), e ainda causa a morte de 20 mil mulheres todos os anos. A estimativa de novos casos para 2021 é de aproximadamente 66 mil. Embora seja rastreável desde o início a partir da mamografia de rastreamento, o diagnóstico precoce permanece ocorrendo bem menos vezes do que nos estágios avançados da doença.

A ciência vem fazendo a sua parte. O planejamento adequado logo após o diagnóstico, associado ao melhor tratamento para o perfil da paciente, permite gerenciar o câncer de mama com maior probabilidade de cura ou controle. Sendo ou não invasivo, as chances de cura são elevadas (aproximadamente 95%) quando a detecção ocorre em fase precoce. Cada vez mais a medicina entende as alterações genéticas nas células que originam e caracterizam os tipos de tumores, conhecimento este que possibilita tratamentos mais adequados e eficientes, que muitas vezes associam terapias antes e/ou após a cirurgia, a depender de cada caso.

Para ilustrar a relevância deste conhecimento, podemos citar as pacientes com um biomarcador específico, chamado HER2+. Mulheres cujos tumores apresentam esta mutação podem se beneficiar de terapias direcionadas a essa alteração em diferentes etapas da doença. Quando diagnosticado em estágio inicial, o tratamento correto, no momento mais adequado, pode, inclusive, resguardar pacientes com alto risco de recorrência da doença de evoluir para um estágio metastático, aproximando-as da cura.

Por exemplo, mulheres que precisam iniciar o tratamento antes da cirurgia, pelo fato de terem tumores maiores e/ou linfonodos comprometidos, com o intuito de aumentar suas chances de cura e possibilitar uma cirurgia conservadora, podem ainda apresentar células tumorais no momento da cirurgia, o que indica um risco maior de recorrência. Por isso, essas pacientes precisam de um tratamento de resgate após a cirurgia, para então reduzir as chances de progredir para cenários metastáticos. Todo esse planejamento terapêutico personalizado, feito pela equipe que acompanha a paciente, é essencial para garantir que cada pessoa receba o tratamento mais adequado de acordo com as características do seu tumor.

Não poderia finalizar este texto sem esclarecer, também, que qualquer mulher pode ter câncer de mama. A maioria dos tumores – 90% – não têm origem hereditária. São fatores de risco a alimentação de má qualidade, a ausência de atividade física regular, o excesso de peso, a exposição a hormônios (estrogênios), o tabagismo e o uso excessivo de bebidas alcoólicas, entre outros.

Contudo, não é possível precisar a causa da doença e, por isso, precisamos de uma nova mentalidade. Ao mesmo tempo em que é necessário adotar medidas preventivas que combatam esses fatores de risco – e quanto antes, melhor –, devemos evitar que essa mulher que apresenta o câncer de mama se sinta culpada.

Diante disso, são essenciais movimentos como o “Vem Falar de Vida”, que disseminam informações de qualidade sobre o tema, reverberam ações de múltiplos signatários unidos por esse propósito e fortalecem a mensagem de que o câncer de mama não precisa ser sinônimo de fracasso, de morte ou de mutilação. Existem meios para que cada vez mais histórias de mulheres sejam transformadas. Discutir o acesso a eles é responsabilidade de todos nós.

 

Dr. Vilmar Marques de Oliveira é Chefe de Clínica Adjunto do Hospital da Santa Casa, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e atual presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia.

]]>
0
Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município do Rio de Janeiro https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/implantacao-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra-no-municipio-do-rio-de-janeiro/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/implantacao-da-politica-nacional-de-saude-integral-da-populacao-negra-no-municipio-do-rio-de-janeiro/#respond Wed, 13 Oct 2021 10:00:28 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/750_racismo-estrutural-populacao-negra-covid19-pandemia-coronavirus_20201117154514-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=547 Monique Miranda, Louise Mara S. Silva e Michele Gonçalves da Costa

 

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), publicada pela Portaria GM/MS nº 992, de 13 de maio de 2009, pelo Ministério da Saúde (MS), apresenta como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com o objetivo de promover a equidade em saúde. Os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população, segundo a Comissão Nacional de Determinantes Sociais em Saúde (CNDSS).

Políticas de equidade no Brasil, convenções e tratados internacionais demonstram que as desigualdades de raça e gênero determinam oportunidades de trabalho e renda, acesso a recursos institucionais, condições de moradia, vulnerabilidades e exposição à violência. Entretanto, o gênero e, em especial, a variável raça/cor, ainda são insuficientemente incorporados no desenho de políticas, programas e serviços das instituições públicas e privadas.

A PNSIPN endossa e correlaciona-se com outros marcos legais: a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Decreto nº 4.886 de 20 de novembro de 2003), a Regulação do Sistema Único de Saúde-SUS (Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990), o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010), a Política Nacional de Promoção da Saúde (Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006), a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas (Durban 2001), a Década Internacional de Afrodescendentes, proclamada pela Assembleia Geral da ONU (Resolução 68/237, para o período entre 2015 e 2024). Por fim, destaca-se o artigo 196 da Constituição Federal de 1988: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e 207 econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 50,7% da população brasileira é composta por pessoas negras (somatório de autodeclarados pretos e pardos), correspondendo a 96,7 milhões de indivíduos. Na cidade do Rio de Janeiro os dados epidemiológicos apontam maior vulnerabilidade de cidadãos pretos e pardos aos agravos à saúde, embasando a necessidade de se priorizar a implantação de uma política específica de equidade racial da população negra em nossa cidade. Análises dos sistemas de informação em saúde demonstram maior mortalidade infantil da população negra em comparação com a branca; maior risco de morte entre os jovens da população negra em comparação com os jovens brancos; maior mortalidade materna das mulheres negras quando comparadas com as mulheres brancas.  Da mesma forma, a ocorrência de doenças tais como hipertensão, diabetes, tuberculose dentre outras também são prevalentes entre pretos e pardos, inclui-se ainda nesse  padrão os óbitos por Covid-19.

O marco fundamental para o combate às desigualdades étnico-raciais em saúde na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro foi a realização do “II Seminário de Promoção da Saúde: Equidade em Saúde da População Negra”, em dezembro de 2006. Este evento foi organizado pela então Assessoria de Promoção da Saúde em parceria com a ONG de mulheres negras, a Criola.  O seminário teve como intuito sensibilizar profissionais, gestores da saúde e definir estratégias para a implantação da PNSIPN na cidade. Estavam presentes aproximadamente 300 participantes: gestores e profissionais de saúde, ativistas do movimento negro e de mulheres negras, sociedade civil, lideranças comunitárias e representantes das religiões afro-brasileiras. Para o fomentar e articular o processo de implantação da política foram deliberadas as seguintes propostas no evento:

  • criação de um Comitê Técnico de Saúde da População Negra;
  • implantação do registro da variável raça/cor nos impressos oficiais da SMS;
  • diagnóstico epidemiológico da saúde da população negra;
  • formulação e estabelecimento de indicadores;
  • enfrentamento ao racismo institucional;
  • valorização das religiões de matriz africana;
  • institucionalização de recursos financeiros para a implantação da política;
  • fomento da participação do controle social e o fortalecimento de articulações intersetoriais.

No ano de 2007 foi criado o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, por meio da  Resolução SMS Nº 1298/2007, antes mesmo da promulgação da PNSIPN. O referido Comitê Técnico tem como atribuições:

I – sistematizar propostas que visem à promoção da equidade racial na atenção à saúde da população negra;

II – apresentar subsídios técnicos e políticos voltados à melhoria da atenção à saúde da população negra;

III – elaborar e implementar um plano de ação e monitoramento para intervenção pelas diversas instâncias e órgãos do Sistema Único de Saúde;

IV – fomentar e participar de iniciativas intersetoriais relacionadas com a saúde da população negra;

V – atuar na implantação, acompanhamento e avaliação das ações programáticas e políticas referentes à promoção da equidade em saúde da população negra na SMS/Rio, em consonância com as normativas do SUS.

O Comitê é composto por profissionais da gestão da SMS-Rio e de suas áreas técnicas, assim como  pelas representações da  sociedade civil, como universidades, ONGs , coletivos e outas instâncias,  em especial dos movimento negros e do movimento de mulheres.  Desta forma o CTSPN tem tido ao longo desses anos papel fundamental no impulso e acompanhamento da implantação da PNSIPN,  além de ser a instância de permeabilização do diálogo da SMS-Rio com a sociedade civil e na construção conjunta de ações para a redução das desigualdade étnico-raciais.

A mudança do panorama das graves iniquidades que atingem a população negra  requer o reconhecimento da sua situação de saúde. Para isso, é necessário que a variável raça/cor seja incluída em todos os sistemas de informação , formulários, cadastros, prontuários , impressos. Destacamos que um  dos objetivos específicos da PNSIPN é a inclusão do quesito cor em todos os instrumentos de coleta de dados adotados pelos serviços públicos, conveniados ou contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe destacar que o Rio de Janeiro instituiu desde 2008, pela Lei n.º 4.930/08 a inclusão obrigatória do quesito raça em todos formulários de informações em saúde do Município.

É fundamental  que as desigualdades étnico-raciais sejam monitoradas por dados, indicadores e informação em saúde  desagregados  por raça/cor. Embora na SMS-Rio o início da implantação da PNSIPN tenha completado pouco mais de uma década e exista atualmente um bom preenchimento da variável raça/cor , ainda é  incipiente  e descontínua sua utilização  na análise,  planejamento e  tomada de decisões nas  políticas e ações de saúde, assim como no investimento de recursos. Além disso, é necessário que os dados  por raça/cor sejam divulgados e disponibilizados de forma ampla, sistemática e transparente através dos canais de informação da prefeitura e junto  a sociedade civil e a população em geral.

As informações com os dados desagregados por cor ou raça são relevantes para atender ao princípio da equidade do SUS, ao reconhecer as diferenças nas condições de vida e saúde, oferecendo atendimento de acordo com as necessidades das populações, o que pode contribuir na redução do impacto dos determinantes sociais de saúde aos quais estão submetidas. São os dados desagregados por raça/cor que nos permitem confirmar o racismo como determinante social em saúde em um município como o Rio de Janeiro, onde segundo os dados do Instituto Pereira Passos (órgão responsável pela sistematização dos dados demográficos da cidade) a população em 2010 era composta por 51,3% brancos e 11,2% pretos; 36,7% pardos, configurando em 47,9% o quantitativo populacional negro.

Uma multiplicidade de pesquisas e estudos no campo da saúde coletiva expõe através de indicadores de morbimortalidade a grave situação de iniquidade sofrida pela população negra e indígena. Pesquisas qualitativas demonstram que o racismo institucional dificulta o acesso de pessoas pretas, pardas e indígenas aos serviços de saúde, influencia na qualidade da atenção à saúde prestada pelos profissionais e também  agrava a violência institucional  como no atendimento ao parto das mulheres negras.

Reconhecer que as práticas racistas também estão dentro do modelo de atenção à saúde e buscar a transformação desse cenário deve ser um objetivo de todos que estejam envolvidos com o cuidado em saúde e com as instâncias de gestão.  Os indicadores em saúde espelham a realidade da discriminação e desigualdade racial, embasando  a necessidade de se intensificar e ampliar a implantação da PNSIPN. Infelizmente o  racismo institucional na estrutura e entre os agentes públicos  da Prefeitura-Rio pouco mudou, decorrendo então que graves iniquidades raciais em saúde persistem na cidade do Rio de Janeiro.

A PNSIPN (2009) e a  Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas (2002)  são marcos no reconhecimento de diferenças e especificidade étnico-raciais na população brasileira. Essas políticas , em especial a primeira, trazem para a área de atuação dos gestores e profissionais de saúde as questões  da identidade racial e das desigualdades étnico-raciais, demandando para a sua implantação  um intenso e contínuo trabalho de combate ao racismo institucional  e estrutural.

A ampliação do acesso ao SUS e a integralidade das ações de saúde, assim como a transformação das graves desigualdades étnico-raciais demandam que profissionais, gestores e sociedade civil reconheçam o racismo institucional, comprometendo-se para o desafio cotidiano da desconstrução da ideologia racista existente em  nossa sociedade.

 

Monique Miranda é enfermeira, mestre em Saúde Pública/ENSP-Fiocruz e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

Louise Mara S. Silva é enfermeira e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

Michele Gonçalves da Costa é sanitarista, especialista em saúde coletiva, mestranda em Saúde Pública/ENSP-Fiocruz e membra da comissão executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro.

]]>
0
A privatização da formação em saúde no Brasil: tendências e desafios https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/a-privatizacao-da-formacao-em-saude-no-brasil-tendencias-e-desafios/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/a-privatizacao-da-formacao-em-saude-no-brasil-tendencias-e-desafios/#respond Wed, 29 Sep 2021 10:00:27 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/4bb6474b-8770-41fe-ae8d-8c6ec626fa89_1140x641-compressed-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=536 Mario Roberto Dal Poz e Leila Senna Maia

 

Nunca foi tão necessário e crítico refletir sobre os desafios do processo de formação e educação das profissões em saúde no Brasil, em especial na medicina, enfermagem e odontologia, dadas as recentes tendências de mudança verificadas nesse campo, e impulsionadas pela privatização do setor.

Nas últimas décadas, o crescimento global das Instituições de Ensino Superior Privadas (IESP), sobretudo aquelas com fins lucrativos, ampliou o debate sobre a natureza dos bens públicos e privados na educação superior, especialmente sobre o papel do setor privado e o seu impacto na formação acadêmica. O sistema educacional responde tanto às exigências do sistema de saúde quanto à dinâmica do mercado de trabalho, cruciais na transformação do sistema de saúde e no desenvolvimento econômico e social.

No Brasil, os cursos da área da saúde acompanharam de forma geral a tendência do ensino superior, tanto em relação ao aumento de matrículas quanto no crescimento da participação das instituições privadas na oferta de cursos e de matrículas efetivas. Entre os anos de 1991 e 2014, a proporção de cursos privados na área da saúde passou de 51% para 72% e o número de vagas foi de 61% para 91%.

O fenômeno da privatização na educação superior em saúde tem se caracterizado pelo crescimento dinâmico e acelerado. Suas tendências de expansão estão relacionadas, especialmente, às políticas públicas, que influenciam, e mesmo favorecem, o aumento dessas instituições. 

A expansão do ensino superior privado no Brasil, em número de instituições, vagas e cursos, foi justificada pela ampliação e democratização do acesso ao ensino superior e fortalecida pelo arcabouço político, jurídico e institucional. Somaram-se ao cenário incentivos, imunidades e isenções fiscais; repasses estatais ao setor privado, com a implantação de políticas de financiamento e bolsas estudantis e linhas de crédito, a exemplo dos Programas de Melhoria Institucional implementados pelo BNDES.

Políticas e programas governamentais contribuíram, a partir de 1999, para o crescimento do setor privado de ensino por meio de aporte de recursos governamentais, isenção fiscal e redução de até 90% do valor da dívida ativa com a União em troca da oferta de bolsas parciais ou integrais a estudantes das instituições participantes. 

Os principais programas e políticas que auxiliaram na retenção de estudantes, na redução de vagas ociosas e das taxas de evasão e de inadimplência foram o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) instituído pela Lei nº 10.260/01 27; o Programa Universidade para Todos (PROUNI), instituído pela Lei n° 11.096/2005 28, e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), instituído pela Lei no. 12.688/2012, 29.

No caso específico das escolas médicas, além do Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o governo federal disponibilizou ainda o FIESmed, um programa específico instituído por meio da Lei n° 12.202/2010, para abatimento mensal de 1% do saldo devedor, incluídos os juros devidos no período, da dívida dos médicos que financiaram seu curso pelo Fies. A condição é que estes passassem a atuar em Estratégia de Saúde da Família (ESF) em municípios definidos como prioritários pelo Ministério da Saúde (MS) ou que fossem médicos residentes matriculados em programa credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica e  cursando uma das 19 especialidades prioritárias para o SUS. O FIESmed previa ainda a extensão da carência de pagamento.

Em 2013 foi instituído o Programa Mais Médicos (PMM) que, além do recrutamento emergencial de médicos para atenção assistencial em regiões prioritárias do país por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), autorizou a expansão da oferta de cursos e vagas de medicina em instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas. Dois anos após a promulgação dessa Lei foram criadas 5.300 novas vagas para a graduação em medicina — 68% em instituições privadas. O aumento no número de cursos privados de medicina de 2000 a 2017 foi de 200%.

No entanto, o número limitado de estudos e evidências sobre a dinâmica dos mercados educacional e de trabalho em saúde nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento dificulta compreender as suas relações com os sistemas de saúde. Recentemente, o grupo de pesquisadores sobre saúde global e força de trabalho em saúde publicou três estudos buscando demonstrar a pertinência e a abrangência do processo de privatização das escolas de medicina , odontologia e enfermagem, fazendo uma reflexão sobre as implicações desse processo no atendimento das demandas do sistema de saúde no Brasil.

Em agosto de 2021, o Brasil dispunha de 372 cursos de medicina públicos e privados que, juntos, ofertam 39.636 vagas. Destes, 228 cursos foram oferecidos por instituições privadas responsáveis por 27.785 (70%) do total das vagas disponíveis. No mesmo período, o país contava com um total de 579 cursos de odontologia que juntos dispunham de 79.737 vagas anuais das quais 93% (74.434) eram de responsabilidade de 511 IESP.  No caso da enfermagem, foram oferecidas 211.466 vagas presenciais por meio de 178 cursos públicos e 1.193 privados. Estes últimos responsáveis por 94% (199.682) da oferta anual deste tipo de vagas. Na modalidade a distância 12 cursos privados de enfermagem disponibilizaram um total de 112.860 vagas distribuídas nacionalmente em 1.557 polos educacionais.

Em relação ao total de vagas há claramente uma tendência à concentração do setor educacional brasileiro para a formação em saúde em alguns grupos educacionais, e mais especificamente das IESP com cursos de medicina.

A expansão global dos cursos privados de medicina representa um grande desafio: como expandir o número de vagas e ao mesmo tempo garantir qualidade e acesso democrático a essa forma de educação. Por isso é relevante a constituição de uma agenda de pesquisa em âmbitos nacional e internacional que permita acompanhar os processos de reconfiguração empresarial do setor, além de  investigar as relações entre os mercados público e privado de formação, assim como a empregabilidade dos profissionais médicos pelos sistemas nacionais de saúde, correlacionando esses fatores com as necessidades assistenciais das populações. 

Como os indicadores de qualidade e desempenho do setor privado tem ficado aquém daqueles do  ensino público, é necessário realizar mais estudos sobre as avaliações realizadas pelo Ministério da Educação, bem como implantar novos procedimentos e mecanismos de avaliação, como testes de progresso aplicados pelas próprias instituições, avaliações externas para estudantes de graduação  ou credenciamento de escolas e métodos de avaliação de estudantes mais adequados às mudanças no currículo dos cursos de graduação.

Pesquisas avaliativas poderiam monitorar ou medir a implementação das propostas educacionais formuladas pela primeira vez quando as escolas são credenciadas, para verificar se as escolas e faculdades possuem a infra-estrutura mínima necessária, incluindo laboratórios e biblioteca, se estão de fato integradas ao sistema de saúde local e regional, se trabalham em conjunto com hospitais de ensino ou unidades públicas de saúde capazes de fornecer residências e experiência prática para os estudantes, e se existe um corpo docente estabelecido, com professores experientes e qualificados trabalhando exclusivamente ou prioritariamente na escola.  

Há necessidade de analisar quaisquer obstáculos para identificar novos mecanismos de democratização do acesso ao ensino superior. No caso da medicina, mesmo com os novos cursos e as novas vagas oferecidas, os procedimentos de admissão –que para as universidades públicas envolvem exames extremamente competitivos — e as altas taxas cobradas pelos cursos particulares, tendem a fomentar a desigualdade de acesso, pois favorecem os estudantes de origens mais abastadas. Como os cursos de medicina são mais competitivos e caros, poucos estudantes receberam incentivos do programa Universidade para Todos (Prouni), do Fundo de Empréstimos para Estudantes de Ensino Superior (Fies), e de programas específicos de inclusão, cotas e ações afirmativas.  

 

Mario Roberto Dal Poz é professor titular no Instituto de Medicina Social da UERJ.

Leila Senna Maia é pesquisadora no Instituto de Medicina Social da UERJ.

]]>
0
Possíveis caminhos para solucionar os gargalos de implementação das Linhas de Cuidado de DCNTs na APS https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/22/possiveis-caminhos-para-os-gargalos-na-implementacao-das-linhas-de-cuidado-de-dcnts-na-aps/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/09/22/possiveis-caminhos-para-os-gargalos-na-implementacao-das-linhas-de-cuidado-de-dcnts-na-aps/#respond Wed, 22 Sep 2021 10:00:04 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/eccbfb94-6a3c-4a17-a605-ca23957ed714-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=529 Fernanda Leal e Helyn Thami

 

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) respondem por 3 de cada 4 mortes de brasileiros e brasileiras, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O envelhecimento da população e o aumento da prevalência de fatores de risco comportamentais — como inatividade física e alimentação inadequada —, tende a elevar, nos próximos anos, a incidência de DCNTs na população brasileira, pressionando a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

Uma pesquisa desenvolvida pelo IEPS em parceria com a Umane (Panorama IEPS n. 2) mostrou que as Linhas de Cuidado (LC) para DCNTs — conjunto de fluxos assistenciais que manejam as múltiplas necessidades dos portadores dessas doenças — não estão plenamente implementadas nos municípios brasileiros. As Linhas de Cuidado devem atender às diversas demandas dos usuários, em diferentes níveis de complexidade, garantindo a promoção e a restauração da saúde.

Para os principais desafios encontrados são apontados os possíveis caminhos para…

1. Reduzir barreiras de acesso

A baixa cobertura da Atenção Primária à Saúde (APS) em alguns locais faz com que uma parte importante da população brasileira não tenha acesso a serviços essenciais. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, 40% dos domicílios não estão cadastrados na APS. É preciso eliminar barreiras de acesso aos serviços já existentes. Para ampliar a cobertura da Atenção Primária, alguns passos são cruciais: 

  • Mapear a mancha de cobertura de equipes da APS e identificar vazios sanitários; 
  • Identificar e hierarquizar vulnerabilidades, dando ênfase às áreas mais críticas; 
  • Planejar a expansão da APS, estimando necessidade de pessoal e equipamentos; 
  • Implantar uma estrutura física; 
  • Recrutar e selecionar os profissionais para integrar as novas equipes.

Para operacionalizar isso, pode-se, por exemplo:

  • Buscar financiamento para extensão de horários de atendimento (por exemplo, pelo programa Saúde na Hora, do governo Federal) e diversificar modelos de assistência (atendimento em horários estendidos e intervenções em vias públicas e demais pontos de circulação e socialização); 
  • Apostar no treinamento de profissionais, envolvendo também usuários, para redução de barreiras de acesso ligados a comportamentos dos membros das equipes.

2. Garantir profissionais com treinamento apropriado e em número adequado

O cuidado de qualidade às pessoas portadoras de DCNTs passa pela atuação de profissionais de diferentes áreas, mas na realidade dos municípios há ausência de treinamento apropriado e efetivo para atender às demandas dos usuários crônicos. Para resolver isso, é possível:

  • Atuar, junto a instituições de ensino e pesquisa, na criação de programas específicos para provisão de novos profissionais para esse nível de atenção;
  • Elaborar um plano de valorização e carreira para os profissionais atuantes na APS, visando a fixação de equipes.

Quanto aos modelos de treinamento e difusão do conhecimento, poderíamos:

  • Garantir que se apliquem protocolos baseados na melhor evidência disponível; 
  • Ter materiais simples e de consulta rápida para que os profissionais usem; 
  • Apostar em metodologias mais ativas para apoio de construção e implementação de protocolos.

3. Integrar melhor os níveis de cuidado

Integrar serviços de saúde está entre um dos maiores desafios do SUS.  No cuidado às pessoas com doenças crônicas, essa integração é absolutamente crucial para que haja bom uso de recursos e se consigam melhores resultados de saúde. Para promover essa interlocução, indicamos:

  • Garantir o compartilhamento de informações clínicas entre serviços em toda a rede; 
  • Realização de planejamento conjunto entre serviços envolvidos nas Linhas de Cuidado; 
  • Compartilhar recursos e metas entre serviços; 
  • Investir em posições de liderança para a integração.

4. Ampliar e melhorar o acompanhamento dos usuários

Uma vez que não se tem Linhas de Cuidado plenamente estruturadas, o acompanhamento de quem tem doenças crônicas fica comprometido. Acompanhar adequadamente esses usuários significa ter um calendário de ações de cuidado que contemple desde a promoção da saúde e a prevenção até a recuperação da saúde e limitação de danos. Para que isso seja efetivado, vale a pena:

  • Levantar lista de usuários diagnosticados com DCNTs nos territórios; 
  • Verificar a rotina de consultas e exames destes, além de apontar aqueles que ainda não estão dentro do padrão de cuidado preconizado; 
  • Entrar em contato com usuários para agendar consultas e atividades de acompanhamento; 
  • Realizar busca ativa daqueles que forem difíceis de contactar ou que tenham faltas às atividades.

5. Ampliar os cadastros de usuários

O cadastramento é uma função primordial da APS. A não realização dos cadastros dos usuários do território implica que estes não são rotineiramente acompanhados pelas equipes e, quando o são, são atendidos em condições de demandas mais urgentes, quando, em geral, houve um quadro de agudização que poderia ter sido evitado. Para cadastrar adequadamente os usuários orienta-se seguir dois caminhos, que devem ser implementados de modo simultâneo: cadastrar por meio de visitas dos Agentes Comunitários de Saúde às residências; e ações de mobilização que ajudem as populações mais facilmente ignoradas a obter o acesso aos serviços. 

No primeiro caso, é necessário:

  • Elaborar, junto aos ACS, um cronograma para realização de cadastros e recadastros no território, através de visitas; 
  • Monitorar a execução desse calendário; 
  • Identificar barreiras para realização de cadastros e formulação de planos de ação para mitigá-los. 

No segundo caso, é recomendado: 

  • Planejar ações para mobilizar/buscar ativamente grupos populacionais invisibilizados nos serviços; 
  • Criar estratégias de busca ativa com apoio de lideranças comunitárias; 
  • Acompanhar o aumento de cadastros e cuidado ofertado aos novos usuários.

6. Acelerar a informatização da Atenção Primária à Saúde

Informatizar é uma forma de qualificar a gestão da saúde. A informatização permite compilar e analisar informações, o que pode não só agilizar, mas melhorar a tomada de decisão. No Brasil, persistem alguns gargalos de implementação relacionados aos equipamentos e infraestrutura de conectividade. Contudo, municípios podem tentar financiamento federal por meio do Programa Informatiza APS. Ajudariam muito os seguintes  passos: 

  • Estudar o mapa de infraestrutura e hierarquizar as unidades que podem ou não imediatamente receber recursos de informatização; 
  • Inscrever-se nos programas de financiamento disponíveis; 
  • Planejar as compras de equipamentos; 
  • Estabelecer programas de treinamento para as equipes, de modo a garantir o preenchimento correto das ferramentas de gestão informatizadas e o uso das informações para tomada de decisão no nível local.

7. Aumentar a adesão ao tratamento

As doenças crônicas pressupõem tratamentos e acompanhamento de longo prazo. Por vezes, o tratamento exige mudança profunda de comportamento e impõe graus variados de efeitos colaterais. A falha de adesão ao tratamento configura, portanto, um grave problema a endereçar. Apontamos como caminhos: 

  • Diversificar estratégias de desenvolvimento de vínculo e garantia de acesso. Por exemplo, por meio de atividades coletivas e atuação em espaços de socialização dos usuários; 
  • Organização do trabalho da equipe com ênfase no protagonismo da enfermagem, que é capaz de melhorar adesão; 
  • Desenvolver habilidades de ciência comportamental nas equipes, qualificando a abordagem às mudanças de comportamento necessárias para o melhor controle das doenças. 

Esses pontos estão sumarizados no Olhar IEPS, policy brief que condensa estudos científicos e endereça recomendações para gestores de saúde. O conteúdo desse material também foi discutido no Diálogos IEPS, série de webinários temáticos do IEPS, em uma mesa composta por Michael Duncan (Médico de Família e Comunidade e assessor técnico da Superintendência de APS do município do Rio de Janeiro), Patrícia Jaime (Pesquisadora do Departamento de Nutrição da USP e vice coordenadora do NUPENS), Evelyn Santos (Coordenadora de Projetos da Umane), Arthur Aguillar (Coordenador de Políticas Públicas do IEPS) e Ricardo Gandour (jornalista e mediador).

 

Fernanda Leal, Analista de Políticas Públicas do IEPS.

Helyn Thami, Pesquisadora de Políticas Públicas do IEPS.

]]>
0