Saúde em Público https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br Políticas de saúde no Brasil em debate Wed, 02 Feb 2022 14:49:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Cuidados adequados e personalizados para o câncer de mama https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/cuidados-adequados-e-personalizados-para-o-cancer-de-mama/#respond Wed, 27 Oct 2021 10:00:05 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/cancer_mama-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=558 Vilmar Marques de Oliveira

 

O preconceito e a desinformação ainda são obstáculos para as mulheres – e para toda a sociedade – em relação ao câncer de mama. O estigma em torno de uma doença que pode ser grave e afeta diretamente um dos maiores símbolos da feminilidade atrapalha de várias maneiras: desde o deixar para depois a realização de exames que deveriam ser periódicos até barreiras emocionais que, uma vez feito o diagnóstico, impedem que essa mulher seja protagonista no seu tratamento.

O agravante é que o câncer de mama é uma doença complexa. Existem diferentes perfis de tumor e momentos específicos, que envolvem diferentes decisões. Outra questão é o acesso às opções de tratamento e a própria adesão à conduta escolhida, considerando tratar-se de uma doença tempo-dependente e que não espera nada, nem ninguém, para progredir. Ela é mais rápida ou mais lenta a depender das características que se apresentam em cada caso.

Por isso é que se fala em jornada da paciente com câncer de mama. Uma mulher que é única e tem uma história só sua, mas que deve e pode buscar os cuidados mais adequados e personalizados para o seu perfil. É certo que, nesse caminho, desinformação e prejulgamento fragilizam. Mas diálogo, conhecimento, autocuidado e rede de apoio efetiva, seja de familiares, amigos, colegas de trabalho e mesmo da equipe de saúde, contribuem para a vida antes, durante e depois do câncer. Uma vida que pode ser plena.

Esse olhar coletivo sobre o câncer de mama como um tema de interesse de toda a sociedade é fundamental para a efetivação e o aprimoramento das políticas públicas relacionadas à linha de cuidado da patologia (rastreamento, diagnóstico e tratamento), bem como à navegação das pacientes no sistema de saúde. Embora tenhamos importantes leis aprovadas e um sistema público e universal, ainda há muito a avançar para salvar um número maior de mulheres.

O câncer de mama é o mais frequente entre as brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), e ainda causa a morte de 20 mil mulheres todos os anos. A estimativa de novos casos para 2021 é de aproximadamente 66 mil. Embora seja rastreável desde o início a partir da mamografia de rastreamento, o diagnóstico precoce permanece ocorrendo bem menos vezes do que nos estágios avançados da doença.

A ciência vem fazendo a sua parte. O planejamento adequado logo após o diagnóstico, associado ao melhor tratamento para o perfil da paciente, permite gerenciar o câncer de mama com maior probabilidade de cura ou controle. Sendo ou não invasivo, as chances de cura são elevadas (aproximadamente 95%) quando a detecção ocorre em fase precoce. Cada vez mais a medicina entende as alterações genéticas nas células que originam e caracterizam os tipos de tumores, conhecimento este que possibilita tratamentos mais adequados e eficientes, que muitas vezes associam terapias antes e/ou após a cirurgia, a depender de cada caso.

Para ilustrar a relevância deste conhecimento, podemos citar as pacientes com um biomarcador específico, chamado HER2+. Mulheres cujos tumores apresentam esta mutação podem se beneficiar de terapias direcionadas a essa alteração em diferentes etapas da doença. Quando diagnosticado em estágio inicial, o tratamento correto, no momento mais adequado, pode, inclusive, resguardar pacientes com alto risco de recorrência da doença de evoluir para um estágio metastático, aproximando-as da cura.

Por exemplo, mulheres que precisam iniciar o tratamento antes da cirurgia, pelo fato de terem tumores maiores e/ou linfonodos comprometidos, com o intuito de aumentar suas chances de cura e possibilitar uma cirurgia conservadora, podem ainda apresentar células tumorais no momento da cirurgia, o que indica um risco maior de recorrência. Por isso, essas pacientes precisam de um tratamento de resgate após a cirurgia, para então reduzir as chances de progredir para cenários metastáticos. Todo esse planejamento terapêutico personalizado, feito pela equipe que acompanha a paciente, é essencial para garantir que cada pessoa receba o tratamento mais adequado de acordo com as características do seu tumor.

Não poderia finalizar este texto sem esclarecer, também, que qualquer mulher pode ter câncer de mama. A maioria dos tumores – 90% – não têm origem hereditária. São fatores de risco a alimentação de má qualidade, a ausência de atividade física regular, o excesso de peso, a exposição a hormônios (estrogênios), o tabagismo e o uso excessivo de bebidas alcoólicas, entre outros.

Contudo, não é possível precisar a causa da doença e, por isso, precisamos de uma nova mentalidade. Ao mesmo tempo em que é necessário adotar medidas preventivas que combatam esses fatores de risco – e quanto antes, melhor –, devemos evitar que essa mulher que apresenta o câncer de mama se sinta culpada.

Diante disso, são essenciais movimentos como o “Vem Falar de Vida”, que disseminam informações de qualidade sobre o tema, reverberam ações de múltiplos signatários unidos por esse propósito e fortalecem a mensagem de que o câncer de mama não precisa ser sinônimo de fracasso, de morte ou de mutilação. Existem meios para que cada vez mais histórias de mulheres sejam transformadas. Discutir o acesso a eles é responsabilidade de todos nós.

 

Dr. Vilmar Marques de Oliveira é Chefe de Clínica Adjunto do Hospital da Santa Casa, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e atual presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia.

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O cenário das doenças crônicas no Brasil e as pressões orçamentárias sobre o SUS https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/08/25/o-cenario-das-doencas-cronicas-no-brasil-e-as-pressoes-orcamentarias-sobre-o-sus/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/08/25/o-cenario-das-doencas-cronicas-no-brasil-e-as-pressoes-orcamentarias-sobre-o-sus/#respond Wed, 25 Aug 2021 10:00:42 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/saude-dinheiro-800x533-1-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=496 Maria Letícia Machado e Rebeca Freitas

 

Um dos aprendizados de 2020 é que o enfrentamento à pandemia poderia ter tido maior sucesso se a estrutura da atenção primária tivesse sido melhor utilizada. Em um contexto de emergência sanitária, testemunhamos a despriorização das ações de vigilância comunitária e epidemiológica, cruciais no rastreamento e contenção do contágio pelo vírus. Muito se noticiou sobre a ausência de testes de Covid-19 e a insuficiência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para minimizar a contaminação de profissionais de saúde. No entanto, um assunto que recebeu menos holofotes, mas que exerce grande impacto sobre o sistema de saúde foram os efeitos da pandemia sobre o represamento de serviços, como o cuidado longitudinal de doentes crônicos.

As Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNTs), classificação em que se encontram doenças cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias crônicas e diabetes, são tipos de disfunções que possuem fatores de risco comuns e evitáveis, como colesterol alto e hipertensão, e que necessitam de acompanhamento constante. Uma vez que se desenvolve uma  DCNT, a qualidade de vida também se torna condicionada a um processo de cuidado contínuo. 

Dentro da estrutura do sistema de saúde brasileiro, a Atenção Primária atua de forma estratégica para proporcionar o acompanhamento dos usuários crônicos. Está dentro das atribuições da Estratégia Saúde da Família, por meio do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), a identificação de demandas de saúde, a circulação de informações e a orientação sobre cuidados. As visitas domiciliares dos ACS, em especial, permitem um cuidado à saúde mais humanizado, estabelecendo laços de confiança entre os profissionais de saúde e a população.

No entanto, com a chegada do coronavírus no Brasil, tornou-se mais difícil tanto detectar precocemente quanto acompanhar sistematicamente as condições crônicas de saúde na população e a função de “porta de entrada”dos usuários no Sistema Único de Saúde (SUS) exercida pela Atenção Básica foi prejudicada. No que se refere à rotina das unidades básicas de saúde, em algumas localidades, procedimentos foram descaracterizados, como o trabalho de rua dos ACS, e atendimentos precisaram ser paralisados para o redirecionamento da força de trabalho para ações de combate a Covid-19. Também a necessidade de adoção do isolamento social fez com que muitos usuários ficassem receosos de se deslocar até os estabelecimentos de saúde. 

Em números, o reflexo dessa quebra do vínculo entre os usuários e as unidades de saúde durante a pandemia se traduz na queda brusca da quantidade de consultas da atenção básica, reduzidas em quase 50% no ano de 2020. Dados de um estudo recente realizado pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e por pesquisadores do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV-Saúde) demonstram a interrupção de procedimentos preventivos e de detecção precoce. Em comparação com 2019, o estudo evidenciou uma queda generalizada em 2020 na produção ambulatorial, que inclui procedimentos diagnósticos (-21,7%), de rastreio (-32,9%) e consultas médicas (-32,1%). 

Somado à queda nos demais níveis de atenção, em serviços como os de cirurgias e transplantes, o número de procedimentos totais realizados caiu, no mesmo ano, 19,2%. Em termos econômicos, essa contração significou uma redução de transferências federais para o SUS de aproximadamente R$ 3,6 bilhões em 2020. Os resultados do estudo apontam para um cenário preocupante de aumento de demanda dos serviços de atenção à saúde no país e, na sua contramão, o agravamento da insustentabilidade financeira do sistema.
No segundo semestre de 2021, a pandemia continua demandando intensamente dos profissionais e serviços de saúde e a Covid-19 tem deixado sequelas nos casos mais graves dos acometidos pela doença, o que pode vir a exigir cuidados de médio a longo prazo. Não bastasse esse cenário desolador, tudo indica que a atual pressão orçamentária deve ainda ser acrescida da demanda reprimida de doentes crônicos.  

Em 2019, no Brasil pré-pandemia, as DCNTs foram responsáveis pela morte de 1.025.708 brasileiros em idade inferior a 70 anos, número equivalente a 77,86% do total de mortes no ano — percentual calculado a partir do total de mortos em 2019 em idade inferior a 70 anos informado pelo IBGE. No Brasil da Covid-19, presenciamos o agravamento da insegurança alimentar no país, com 9% da população brasileira enfrentando a fome e o aumento no consumo de tabaco e álcool, fenômenos que sabidamente contribuem para o desenvolvimento de doenças crônicas.

Para enfrentar esse horizonte nada animador seriam necessários investimentos e planejamento estatal robusto e baseado em evidências, que permitisse preparar o sistema de saúde para atender simultaneamente às vítimas da Covid-19 e aos novos e antigos doentes crônicos. Na contramão disso, o que vemos é uma espécie de apagão estatístico sobre a saúde da população durante a pandemia e a não publicação do relatório de 2020 da Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), principal instrumento de acompanhamento de fatores de risco para DCNT. Para agravar a situação, até o momento corremos o risco da não realização da pesquisa em 2021

O fato é que a Atenção Básica brasileira, uma das grandes referências para o resto do mundo, vem sofrendo fragilizações sistemáticas e o cenário das doenças crônicas no país é um gigante debaixo de um tapete que não pode mais ser ignorado. A “conta” que ficará para a população só cresce e, caso o orçamento público federal para a saúde não seja reavaliado, a consequência direta será o aumento do número de mortes evitáveis no país. 

 

Maria Letícia Machado é pesquisadora de políticas públicas no Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS).

Rebeca Freitas é especialista em relações governamentais no Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS).

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O enfrentamento à pandemia pela transformação digital no Recife https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/o-enfrentamento-a-pandemia-pela-transformacao-digital-no-recife/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/o-enfrentamento-a-pandemia-pela-transformacao-digital-no-recife/#respond Wed, 07 Jul 2021 10:00:11 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/e622b8ea-ac89-47d8-b60e-c6cb46ade602-300x215.jpeg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=442 Agatha Eleone, Gustavo Godoy e Rafael Figueiredo

 

De todos os problemas de saúde, cerca de 85% podem ser resolvidos por meio da Atenção Primária, nome que se dá ao modelo de acolhimento que comprovadamente reduz custos em saúde. O motivo é um instrumento que contempla ações individuais e coletivas voltadas para promoção, proteção da saúde e prevenção de doenças, e para além da abrangência do diagnóstico, do tratamento e da reabilitação.

Apesar do seu inegável e histórico avanço, o modelo ainda é insuficiente em diversos âmbitos, principalmente no que diz respeito à infraestrutura e à disponibilidade de recursos humanos. No intuito de ordenar esforços para melhorar cuidados em saúde e dada a necessidade premente (e impulsionada pela pandemia) de medidas para contenção do colapso dos sistemas de saúde, o uso de tecnologias resolutivas e de ações de inovação se faz ainda mais necessário para superar esses desafios. Experiências internacionais de combate à covid-19 destacam, por exemplo, a oferta à população de aplicativos para identificação de casos leves e graves da doença, além da oferta de teleconsultas, serviços de apoio a pessoas em sofrimento psíquico  e monitoramento de casos em isolamento domiciliar. 

No Brasil o município do Recife, em parceria com o estado de Pernambuco, desenvolveu o aplicativo Atende em Casa. Por meio de um contact center composto por médicos, enfermeiros, operadores de teleatendimento e com o apoio da SUSi – chatbot do aplicativo com mais de 40 perguntas e respostas frequentes –, o aplicativo oferta atendimento através de chamada de vídeo, telefone ou via chat para pessoas com suspeita de covid-19, além de prover orientação sobre as medidas de distanciamento social e isolamento domiciliar. A ferramenta oferece, ainda, teleorientação com profissionais de saúde em casos de risco de agravamento da doença e, se necessário, encaminha o usuário ao serviço de saúde mais próximo e adequado à gravidade, amparando o monitoramento sistemático durante o período de isolamento domiciliar (telemonitoramento) e oferecendo suporte à saúde mental de pessoas em sofrimento psíquico (teleacolhimento). Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, o aplicativo também passou a servir como apoio antes, durante e após a vacinação. Por consequência, continua prevenindo aglomerações e filas nas unidades de saúde.

A expansão do uso do Atende em Casa pela população recifense, associada às normativas vigentes de distanciamento no ambiente de trabalho, culminou no investimento em tecnologia VoIP (sigla para Voice Over IP, telefonia baseada na internet) para o contato telefônico, permitindo que parte da equipe de profissionais que o opera pudesse atuar em regime de trabalho remoto. Para o atendimento, são criadas salas digitais (webconferência) de colaboração em tempo real entre teleorientadores e profissionais referência de coordenação, que distribuem informações e atualizações para toda a equipe de saúde. A limitação de acesso à internet no Recife e no Brasil é um fator que, em muitos casos, impossibilita a condução de videochamadas e dificulta o processo de transformação digital. Por essa razão, boa parte dos atendimentos são realizados por telefone. Ainda assim, ambos os recursos (a videochamada e o atendimento telefônico) possibilitaram que profissionais do grupo de risco para covid-19 pudessem continuar a exercer suas atividades de forma segura.

O data analytics acessado pela equipe de monitoramento dos indicadores avalia que mais de 240 mil pessoas no estado estão cadastradas no aplicativo. Foram realizados, até agora, mais de 200 mil atendimentos por médicos e enfermeiros, em chamadas de vídeo ou telefone, e avaliadas mais de 117 mil pessoas com sintomas de risco para formas graves da doença. O impacto do teleatendimento e do telemonitoramento é notório. Apenas 14,7% do total de pessoas atendidas precisaram ser encaminhadas para consulta presencial. Todo o restante da população que recebeu atendimento pôde ser acolhida e orientada a manter o isolamento domiciliar, evitando o deslocamento desnecessário de milhares de pessoas com quadros leves de covid-19. A SUSi, assistente virtual do Atende em Casa, resolveu 67% dos mais de 250 mil atendimentos via chat no “Posso ajudar”. Com relação ao teleacolhimento, a iniciativa garantiu o apoio emocional por profissionais da Rede de Atenção Psicossocial do Recife em quase 5 mil atendimentos.

A ferramenta tecnológica permitiu a ampliação do acesso e a melhoria contínua da qualidade de atenção para a população. A autoavaliação de sintomas com classificação de risco, teleorientação e telemonitoramento com profissionais de saúde pode ajudar pessoas a cuidar melhor da hipertensão arterial, da diabetes, apoiar o acompanhamento das gestantes durante o pré-natal, melhorar a adesão ao tratamento de pessoas com tuberculose e hanseníase e apoiar emocionalmente pessoas em tratamento para depressão e ansiedade, entre outros benefícios já relatados por inúmeras pesquisas ao redor do mundo. A telessaúde do Recife não tem a proposta de substituir o cuidado presencial, mas vem rompendo barreiras de acesso aos serviços de saúde e ocupando lacunas de monitoramento sem competir com serviços de saúde já implantados.

O caráter dinâmico e transitório da pandemia, apesar de intensificar as fragilidades dos serviços públicos de saúde, proporcionou ao Recife a criação de um projeto que pode ser expandido tanto para diversas linhas de cuidado quanto para outros serviços do sistema de saúde, além de desafiar o planejamento e a mobilização de recursos humanos para responder à alta demanda de atendimentos. Os resultados consolidados pela experiência do Atende em Casa evidenciam a necessidade de firmar bases para sua continuidade sustentável e servem como ponto de partida para diversas outras iniciativas inovadoras.

 

Agatha Eleone, Pesquisadora de Políticas Públicas do IEPS.

Gustavo Godoy, Coordenador do Núcleo Municipal de Telessaúde do Recife.

Rafael Figueiredo, Secretário Executivo de Transformação Digital do Recife.

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Vacinação, voz e a impossibilidade de saída na pandemia https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/06/09/vacinacao-voz-e-a-impossibilidade-de-saida-na-pandemia/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/06/09/vacinacao-voz-e-a-impossibilidade-de-saida-na-pandemia/#respond Wed, 09 Jun 2021 10:00:52 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/img20201218103533331-768x512-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=409 Agatha Eleone e Arthur Aguillar

 

A lentidão do processo de vacinação e a recente segunda onda da Covid-19 no Brasil tem criado uma série de questões sociais. Empresários buscam adquirir vacinas para si, suas famílias e seus empregados. Para esses últimos, o objetivo é possibilitar a retomada econômica o quanto antes. Uma parte considerável da elite já está voando para Miami, agora que o governo norte-americano anunciou a vacinação de turistas. Não é para menos: em um mundo com uma prevalência desigual da doença, a vacina funciona como um novo seguro de saúde que nos permitirá dormir em paz, sabendo que nem nós, nem os nossos perecerão. Para além disso, será também um passaporte para a realização de muitos desejos reprimidos: viagens, festas, idas a restaurantes e a casas noturnas voltam a ser uma possibilidade, já muito ansiada após quase um ano e meio dentro de casa – para aqueles que tiveram o privilégio de poder se proteger da doença através do isolamento. 

A possibilidade de buscar uma via privada para adquirir vacinas e proteger-se da Covid-19 é o que o falecido economista Albert Hirschman, um tipo de patrono dos economistas que se arriscam na interdisciplinaridade, chamaria de “saída”. Ao analisar a dinâmica entre a qualidade entre trens e rodovias na Nigéria, Hirschman criou uma tipologia para entender a dinâmica de qualidade e eficácia de serviços públicos. 

Diante de um serviço público considerado ruim, como o caso dos trens na Nigéria dos anos 1970, um beneficiário deste serviço (por exemplo, um grande produtor de biscoitos, como o pai da protagonista do livro Hibisco Roxo, da escritora Chimamanda Ngozi Adichie) tem, usualmente, duas opções. Ele pode simplesmente deixar de usar o serviço de trens (saída) e começar a usar caminhões para escoar sua produção. Alternativamente, ele pode também reclamar do serviço (voz), exercendo a ação coletiva através de reclamações formais e informais, protestos e ativação da mídia, criticando a qualidade dos serviços. Hirschman nos mostra em seu livro Saída, Voz e Lealdade que ainda que um produtor de biscoitos possa deixar de usar o trem (sair) para usar as rodovias, ele não pode optar por sair de ambos os serviços, pois afinal, ainda precisa de um meio para escoar a sua produção. Nesse exemplo, os empresários locais possuem, portanto, a opção de saída do serviço. A teoria levantada por Hirschman propõe que, quanto maior a possibilidade de saída do sistema público, menos provável que as elites locais utilizem sua voz e conexões políticas para exigir a melhora de um serviço.

Hirschman, um cidadão do mundo que sempre esteve em contato com os maiores desafios do seu tempo, seja ajudando judeus a fugirem da Europa ocupada pelos nazistas, contribuindo como economista no Plano Marshall ou mesmo enquanto participante da primeira missão do Banco Mundial em um país em desenvolvimento, certamente se interessaria pela dinâmica entre voz e saída dos sistemas públicos de saúde em face da pandemia de Covid-19.

A primeira conclusão a que chegamos a partir do arcabouço de Saída, Voz e Lealdade é que o processo de contornar o SUS para se vacinar contra a Covid-19 encarna um desejo humano natural que só pode ser exercido pelas camadas mais ricas da população diante de um serviço público de qualidade insatisfatória: se possível, sair. O exercício deste desejo, no entanto, tem consequências sociais óbvias, já que os mais ricos são justamente o grupo social com a maior capacidade de ação coletiva e mobilização (voz). Quando aqueles capazes de cobrar a gestão pública (seja por doarem grandes somas às campanhas eleitorais, possuírem espaço na mídia ou qualquer outra forma de influência) deixam de fazê-lo em função da opção de saída, todos os beneficiários do serviço perdem.

A segunda conclusão é que no caso da pandemia da Covid-19 — e de maneira geral, na maioria dos desafios de saúde coletiva –, a saída, na verdade, é uma impossibilidade lógica. Isso acontece porque em um evento desse tipo, a saúde do indivíduo não depende apenas de suas ações individuais, mas possui uma relação de interdependência com as ações de todos os outros indivíduos que compõem uma sociedade: mesmo que um empresário consiga tomar a vacina, isso não altera de maneira significativa a transmissibilidade e a vulnerabilidade associada à Covid-19: grande parte da força de trabalho ainda estará impedida de realizar suas atividades; medidas restritivas de ordem coletiva ainda serão necessárias para frear a doença; e a vulnerabilidade social e insegurança alimentar que decorrem da paralisação econômica continuarão a demandar um papel ativo do estado no fortalecimento das redes de proteção social.

Se estamos convencidos que a saída é uma impossibilidade lógica, resta exercer a voz. Aqui, temos muito o que fazer: é possível propor parcerias eficazes entre entidades privadas e serviço público. No nível da opinião pública existe um longo caminho a ser percorrido na comunicação de risco com a população, na disseminação de informações confiáveis sobre a pandemia e no combate às fake news. No nível da gestão pública, nossos municípios precisam de ajuda com a aquisição de insumos, transporte e armazenamento de vacinas, assim como na vigilância epidemiológica, tarefa complexa que muitas cidades pequenas não têm escala para executar. E no nível macro, é necessário responsabilizar o governo federal por sua omissão e negligência tanto na tomada de medidas restritivas quanto no processo de compra e aquisição de vacinas.

Hirschman, um economista que gostava de palíndromos e outros jogos de palavras (chegando a partir deles a importantes hipóteses sobre a inter-relação de forças políticas e forças econômicas), possivelmente notaria a ironia intrínseca ao momento presente. A pandemia trouxe à tona o que há muito não víamos no contexto da saúde brasileira: “obrigou os produtores de biscoitos a usar o trem”. É possível voar para os EUA para vacinar a si e os mais chegados gastando 450 mil reais (o suficiente para comprar 45 mil doses de Coronavac), como fez recentemente um empresário. Mas não dá pra levar a empresa no bagageiro do avião. Para aqueles que não têm acesso à saída (hoje, o conjunto total de pessoas que vivem no Brasil), resta apenas a voz.

 

Agatha Eleone, Pesquisadora de Políticas Públicas do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS).

Arthur Aguillar, Coordenador de Políticas Públicas do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS).

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Engajar a todos: comunicação de risco como uma estratégia para reduzir os danos da Covid-19 antes, durante e após a vacinação https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/28/engajar-a-todos-comunicacao-de-risco-como-uma-estrategia-para-reduzir-os-danos-da-covid-19-antes-durante-e-apos-a-vacinacao/ https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/2021/04/28/engajar-a-todos-comunicacao-de-risco-como-uma-estrategia-para-reduzir-os-danos-da-covid-19-antes-durante-e-apos-a-vacinacao/#respond Wed, 28 Apr 2021 10:00:15 +0000 https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/panfleto-2-300x215.jpg https://saudeempublico.blogfolha.uol.com.br/?p=378 Pedro de Paula e Gilberto Perre

 

Enquanto enfrentamos os tristes recordes diários de mortes na pandemia de COVID-19 e o colapso do sistema de saúde nacional, a vacinação  – nossa luz no fim do túnel – anda a passos lentos. Apenas 6% de toda a população recebeu as duas doses da vacina até agora. Com a baixa oferta de vacinas no Brasil, a comunicação de risco, encorajando as medidas de saúde pública e sociais, é nossa melhor arma contra a COVID-19.

A gravidade do que vivemos muda rapidamente, novos estudos científicos sobre a COVID-19 surgem diariamente e enfrentamos com frequência a desinformação. Nesse contexto, é a “comunicação de risco” que deve ajudar o governo a responder a emergências e a ajudar as pessoas a entenderem a gravidade da ameaça e quais ações elas podem tomar para reduzir os riscos a elas e suas comunidades. A comunicação de risco também auxilia gestores públicos a compartilharem informações sobre a crise em seus diversos estágios. Esta abordagem foi ainda apoiada por uma recente pesquisa da rede de Pesquisa Solidária, que confirmou que as campanhas de comunicação e informação são fundamentais para conter a disseminação do COVID-19.

Para que a comunicação de risco seja bem-sucedida, os governos devem, antes de mais nada, ter empatia com sua população. Demonstrando compreensão dos medos, emoções e desafios que as pessoas estão vivendo. Durante tempos de incerteza como o que vivemos, os governos podem construir confiança. Assim, as pessoas podem fazer escolhas para tomar medidas e atitudes mais viáveis para proteger a si mesmas, suas famílias e comunidades.

Se um risco é comunicado com antecedência, de forma precisa, transparente, unificada e com uma relação clara de causa e consequência, as chances das pessoas adotarem as recomendações e confiarem na ciência podem aumentar significativamente. As informações compartilhadas com o público devem ser precisas e oportunas, e comunicadas de uma forma que seja facilmente acessada e compreendida dentro do contexto local.

Há alguns anos, órgãos internacionais de saúde reconhecem a importância da comunicação de riscos. Em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatizou a necessidade da comunicação de riscos como parte das estratégias para ajudar a prevenir e responder a sérios riscos à saúde pública.

Em nossas experiências em saúde pública e nas parcerias desenvolvidas com a OMS e outros especialistas, temos visto o sucesso da comunicação de risco quando as pessoas são informadas de quais riscos à saúde estão sujeitas e quais medidas podem tomar para se proteger.

A campanha Cidades Contra Covid-19 é um bom exemplo de como engajar os governos e gestores. Nós, da Frente Nacional de Prefeitos e da Vital Strategies, unimos forças com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e também do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e desenvolvemos um conjunto de materiais para oferecer guias de aplicação prática de comunicação de risco e peças para diversas plataformas. Toda a comunicação foi baseada em recomendações científicas.

Uma população exposta ao risco é menos vulnerável se dispõe de informações e orientações sobre as reações mais adequadas. Enquanto a maioria da população aguarda a vacina, os planos de imunização precisam ser comunicados de forma rápida e clara, ao mesmo tempo em que deve ser reforçada a importância do uso de máscara, mantendo distanciamento físico das outras pessoas e evitando aglomerações e locais fechados.

Os governantes precisam estar preparados para enfrentar esta situação e integrar a comunicação da crise na estrutura de liderança da cidade ou estado. É evidente, dentro e fora do país, que o Brasil carece de coordenação nacional para responder à pandemia. Na ausência de um sistema nacional para informar as políticas, entidades e organizações têm se mobilizado para encontrar soluções para informar a população. Comunicar ao público diariamente  –  através de diferentes canais de comunicação – usando a imprensa como aliada e engajando líderes comunitários que possam apoiar esse esforço de comunicação, especialmente com populações marginalizadas e de alto risco, estão entre as estratégias que nos ajudarão a superar esta difícil crise que estamos passando.

O fim da pandemia é possível com vontade política, coordenação e comunicação clara, empática, transparente e baseada na ciência. Os líderes governamentais precisam fornecer orientação com antecedência e compartilhar dilemas, sem tranquilizar ou prometer demais. É uma questão de priorizar a vida: esta é a principal missão dos gestores públicos!

 

Pedro de Paula, Diretor Executivo da Vital Strategies no Brasil
Gilberto Perre, Secretário Executivo da Frente Nacional de Prefeitos

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