Healthtechs: o que podemos esperar?
Ivisen Lourenço
A quantidade de startups na área de saúde cresceu significativamente nos últimos 4 anos, principalmente durante a pandemia. Se, em 2018, no primeiro levantamento feito pela plataforma de inovação “Distrito”, eram 248 “healthtechs”, em setembro deste ano já são 945 – crescimento de 281%. O mercado já reconhece o crescimento e a força das healthtechs, com investimentos que ultrapassam US$ 450 milhões desde 2018, de acordo com dados da Distrito.
O franco crescimento de qualquer startup é resultado de tecnologia e inovação. O cenário é animador, tanto para iniciativas empreendedoras mais maduras, que buscam expansão, quanto para novas iniciativas. Porém, é necessário um olhar mais crítico para o atual momento e entender como as tecnologias chegam aos pacientes, principalmente aqueles atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
SUS e as healthtechs
Quando falamos em saúde, precisamos levar em consideração a força do SUS. Cerca de 71,5%, ou 150 milhões dos brasileiros, dependiam exclusivamente dele, ainda em 2019, antes da pandemia. No entanto, só nos dois primeiros meses de pandemia, 283 mil pessoas perderam seus planos de saúde, aumentando, diante da crise econômica e do desemprego, a dependência do brasileiro ao SUS.
Se existe uma palavra que define a vantagem de integração das healthtechs, neste contexto, é “escalabilidade”, ou seja, a oportunidade de aumentar os atendimentos em saúde, sem de fato expandir os custos. O intuito, no entanto, é exatamente o inverso: custos reduzidos e serviço otimizado.
A oportunidade de integração das startups ao setor público também pode corrigir um erro antigo da gestão em saúde: ser “hospitalocêntrico”, isto é, a saúde pública atuar focada na estrutura física e no volume de atendimentos, e não no valor e no desfecho clínico favorável ao paciente. As tecnologias possibilitam mudar essa estrutura e fazer o paciente protagonista – como sempre deve ser – a partir da ampliação de ações de prevenção e diagnóstico.
Quando olhamos para as healthtechs, precisa haver espaço para desenvolvimento e atuação. A falta de regulamentação, as dificuldades regulatórias para aprovação de novas tecnologias e a falta de políticas públicas de fomento à inovação no SUS são barreiras substanciais. Na prática, isso significa um número gigante de empresas interessadas em um mercado privado, que, porém, não se conecta diretamente ao Sistema Único de Saúde e tampouco se multiplica no ambiente mais necessário, o público.
A telessaúde, por exemplo, só foi regulamentada temporariamente por meio de um projeto de lei de 2020, que já se arrastava por 20 anos. Além da interpretação das entidades de classe, deve-se lembrar também do papel dos órgãos reguladores, principalmente quando o assunto são novas tecnologias, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o próprio Ministério da Saúde, com seus grupos de avaliação de tecnologia. Há a necessidade latente de revisão ágil dos arcabouços legais e regulatórios, de modo que, preferencialmente, acompanhe a velocidade do desenvolvimento tecnológico.
A adoção de tecnologias também passa pela capacidade de internalização dos próprios profissionais de saúde. Esse é um ponto compartilhado entre políticas públicas e setor privado. De um lado, há a falta de ações sistemáticas de desenvolvimento e capacitação pelo Estado; do outro, a necessidade de o setor privado facilitar e considerar essa dimensão no desenvolvimento e na implantação dos projetos.
Avanço inevitável
A pandemia escancarou que muitos avanços já poderiam ter sido colocados em prática, com o uso da tecnologia em saúde. Retroceder não é uma opção. Vale destacar algumas iniciativas:
Inovação orientada a desafios
O IdeiaGov, iniciativa do governo do Estado de São Paulo, possibilitou o lançamento de desafios de saúde focados no combate à pandemia. Nesse programa, startups encontraram um caminho para apresentar tecnologias e se conectarem com atores do setor público. O programa nasceu em plena pandemia e hoje já é reconhecido como referência de conexão entre startups e governo.
Hubs de Inovação focados em saúde
O InovaHC se destaca como catalisador de inovação em saúde, o que facilita o desenvolvimento de novas soluções em saúde, por meio da conexão entre universidade, setor privado e governo. O InovaHC é o hub de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, conta com programas de apoio à inovação que facilitam a jornada dos empreendedores, sendo também um dos principais centros de pesquisa e inovação em saúde do mundo.
Programas de aceleração de negócio
Programa de aceleração de startups 100% gratuito, o BNDES Garagem é uma parceria entre Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e aceleradoras de mercado. Com um olhar específico para govtechs, saúde e potencial de investimento, o BNDES Garagem é um dos principais programas em nível nacional para empresas nascentes.
Para o desenvolvimento contínuo das tecnologias no SUS, são necessários: maior esforço do setor público para expandir projetos; desburocratizar normas; uma efetiva e clara regulamentação; e mudança de mentalidade. As healthtechs são o agora, já que os benefícios de suas aplicações devem expandir o atendimento em saúde e melhorar a qualidade do SUS. O futuro é uma saúde pública ainda mais conectada e online, com o paciente no centro do atendimento.
Ivisen Lourenço é Head de Open Innovation da InovaHC