O que a saúde tem a ver com a crise climática?
Daniel Kass
Hannah Arcuschin Machado
Durante as duas primeiras semanas de novembro, o mundo acompanhou com grandes expectativas a COP 26, o encontro mundial do clima. A reunião de lideranças de 196 países teve como objetivo estabelecer compromissos para limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação à temperatura pré-industrial. O Brasil assumiu novos e relevantes compromissos para alcançar essa meta, como reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa (incluindo a redução de 30% de gás metano), e zerar o desmatamento até 2030. Contudo, ainda não é o suficiente: precisamos de metas ainda mais ambiciosas e que sejam tratadas e implantadas com a urgência que o tema exige. Para isso, é preciso reconhecer os impactos da crise climática na saúde.
A mudança climática é uma preocupação urgente de saúde global e precisamos responder à altura. Doenças respiratórias, cardiovasculares e transtornos mentais são consequências das mudanças climáticas na saúde, por estarem atreladas à poluição do ar, às ondas de calor e a outros eventos climáticos extremos.
O primeiro passo para tratar a mudança climática como uma crise de saúde pública é mudar a forma como olhamos para o verdadeiro custo do carbono. Se incluirmos na conta o impacto negativo das emissões de carbono na saúde e no bem-estar, algumas estimativas iriam mais do que triplicar.
Embora a preocupação em torno da saúde pública tenha sido maior nesta COP do que em edições anteriores da cúpula, houve uma ênfase exagerada em debater a contribuição do setor de saúde para as emissões, ao invés de uma contabilização verdadeira dos custos que a inação climática causa na saúde. Se, por um lado, sensibiliza profissionais de saúde, é preciso destacar, por outro, que a influência real da saúde pública deve se concentrar em mostrar aos formuladores de políticas públicas e à opinião pública os impactos do aquecimento global na saúde. Esse é o foco que faz a Vital Strategies ser promotora da rede “Inspire Clean Air”, composta por médicos de todo o mundo contra a poluição do ar, e, nacionalmente, ser parceira do Instituto Saúde e Sustentabilidade na iniciativa “Médicos pelo Ar Limpo”.
Iniciativas dessa natureza são fundamentais para impulsionar e cobrar avanços, uma vez que os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris são insuficientes para proteger a nossa saúde. Garantir a integração entre saúde, clima e proteção da população maximiza os benefícios econômicos e constrói apoio popular para políticas que são urgentemente necessárias. No Brasil, 61 mil pessoas morreram em 2019, em decorrência de infarto, AVC, doenças respiratórias, diabetes relacionadas à poluição do ar. Isso é equivalente à morte de 7 pessoas por hora no País. Tendo em vista que as principais fontes de emissão de poluentes nocivos à saúde são as mesmas dos gases de efeito estufa, há muitas sinergias nas medidas a serem adotadas.
O levantamento que acaba de ser publicado pela Vital Strategies sobre as oportunidades perdidas de endereçar desafios relacionados à poluição do ar, ao clima e à saúde mostra que não podemos mais perder tempo. O documento se soma a outras iniciativas da organização, que também atua em parceria com governos subnacionais na Indonésia, na Índia e no Brasil, apoiando a formulação de políticas públicas e melhorando a qualidade do ar em cidades.
O próprio plano climático oficial do Brasil falha ao não mencionar as vastas disparidades sociais e geográficas quando aborda a vulnerabilidade às mudanças climáticas. Tampouco faz qualquer tentativa de prestar contas sobre as consequências das mudanças climáticas para a saúde ou os benefícios alcançados pela redução da poluição do ar como parte das estratégias do País de redução de emissões. Ao negligenciar essas questões, é menos provável que o Brasil aja rapidamente para salvar as dezenas de milhares de vidas dadas como perdidas para a poluição do ar e à perturbação climática.
A saúde tem que ser um elemento central da política climática e deve fazer parte da estrutura de responsabilidade para a ação sobre o clima. Os organismos de saúde pública devem alinhar-se com a agenda climática e trabalhar juntos para prevenir o desastre climático. É importante lembrar que as consequências para a saúde associadas à mudança climática e os potenciais custos econômicos podem ser muitas vezes maiores do que o que vivenciamos com a COVID-19. Não é algo que apenas um setor possa resolver. Para reconstruir melhor, temos que fazer muito mais – e precisamos fazer com urgência. A saúde coletiva é muito importante para ser deixada para depois.
Daniel Kass é Vice-presidente Sênior de Saúde Ambiental da Vital Strategies
Hannah Arcuschin Machado é Gerente Sênior de Programas da Vital Strategies