Cidades assumem a liderança em questões de saúde

José Luis Castro

 

Na medida em que o mundo iniciar a saída do pior da pandemia da Covid-19, nos próximos meses e anos, teremos a oportunidade de construir sistemas de saúde melhores, mais fortes e mais justos. Nesse contexto, explorar o potencial das cidades será fundamental.

Com mais da metade da população mundial vivendo em ambientes urbanos, as cidades estão em uma posição privilegiada para fazer avançar a luta contra as principais causas de morte, doenças e lesões. Durante a crise, prefeitos e líderes locais se mostraram capazes de realizar movimentos rápidos para desenvolver e implementar políticas localizadas, como a promoção de transporte ativo seguro –como andar de bicicleta e a pé– e a melhor utilização dos espaços públicos. Além disso, vimos que os “lockdowns” de cidades ao redor do mundo reduziram substancialmente os níveis de poluição do ar. Combinados, esses fatores deram estímulo a um novo ímpeto e até otimismo entre os líderes das cidades e o público em geral, visando  melhorias de longo prazo.

A Partnership for Healthy Cities (Parceria para Cidades Saudáveis) ​​introduziu vantagens em algumas cidades. Desde 2017, essa iniciativa, apoiada pela Bloomberg Philanthropies em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Vital Strategies, formou uma rede de 70 cidades pelo mundo. São localidades que estão implementando políticas de intervenções de alto impacto para reduzir a incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e lesões.

As DCNTs, como câncer, diabetes e doenças cardíacas e pulmonares, são as principais causas de morte –sete em cada 10 mortes em todo o mundo–. E são, em grande medida, evitáveis. No entanto, a prevenção e o controle das DCNTs recebem pouca atenção dos formuladores de políticas e financiadores: DCNTs recebem menos de 2% do auxílio global ao desenvolvimento para a saúde. 

A Vital Strategies está se juntando a dezenas de cidades ao redor do mundo empenhadas na construção de um futuro no qual os ambientes urbanos viabilizem habitantes com vidas mais longas e saudáveis. Trabalhando juntos na iniciativa Partnership for Healthy Cities, mostra que é possível um progresso rápido contra as DCNTs e lesões, concentrando-se em estratégias comprovadas e econômicas, como remover bebidas com açúcar e alimentação de baixa qualidade das escolas, tornar locais públicos livres de fumo e construir ciclovias protegidas. As cidades parceiras no Brasil estão ajudando a mudar o ambiente urbano por meio de uma variedade de esforços para a prevenção de DCNTs e de segurança no trânsito. 

As taxas de câncer de pulmão estão caindo no Brasil, graças a leis nacionais mais abrangentes de controle do tabaco, que incluem a proibição de publicidade, promoção e patrocínio do tabaco (PPPT), mas as taxas de tabagismo continuam altas em algumas populações, incluindo os mais jovens. É por isso que a cidade do Rio de Janeiro tem trabalhado com a Partnership desde 2017 para implementar localmente a proibição nacional de PPPT, com foco nas restrições de pontos de venda –incluindo uma disposição legal de 2020 que proíbe a venda de produtos de tabaco perto de doces ou quaisquer produtos que possam despertar o interesse em crianças–. Os inspetores de saúde recebem treinamento sobre como monitorar o cumprimento dessa disposição em locais de varejo, como as lojas de conveniência. Um novo aplicativo digital oferece roteiros aos inspetores e, por meio de uma série de seminários virtuais, eles aprendem exatamente o que é permitido e o que não é.

A mobilidade segura e ativa é um dos focos dos projetos da Partnership em São Paulo e Fortaleza, começando com os esforços para aumentar o ciclismo e incentivar o uso de bicicletas compartilhadas, com a implementação de sinalização e infraestrutura nas ciclovias. A cidade de São Paulo acaba de criar seu primeiro guia para projetar estradas e outras infraestruturas urbanas que incorporem as melhores práticas globais de segurança e sustentabilidade.

Todas as três cidades reagiram vigorosamente à covid com o apoio da Partnership. Fortaleza, por exemplo, desenvolveu um piloto de acompanhamento de contatos e monitorou um total de 4.402 casos de covid-19 em servidores públicos. Uma concessão de vacina da Partnership permitirá que a cidade melhore e acelere o sistema de computador encarregado de registrar, agendar, planejar e realizar vacinações contra a covid-19 — ao mesmo tempo que disponibiliza uma ferramenta de visualização para que os dados principais possam ser compartilhados com os habitantes e até internacionalmente.

Por mais animadores que sejam esses avanços, a pandemia de covid-19 expôs uma realidade  horrível: os subinvestimentos do mundo na saúde e na segurança de seus cidadãos nos colocaram em risco profundo. O fardo esmagador das DCNTs também foi potencializado pela covid-19. Os dados mostram que as pessoas que sofrem dessas DCNTs correm um risco maior de complicações graves com a covid-19 e têm maior probabilidade de serem hospitalizadas, com maior risco de morte. 

A ligação entre as DCNTs e a covid-19 foi identificada no início da pandemia:  já em abril de 2020 os dados mostraram que, entre as pessoas que morriam de covid-19 nos hospitais italianos, 67% viviam com hipertensão e 31% com diabetes. Na Espanha, 43% das pessoas que desenvolveram a covid-19 sofriam de doenças cardiovasculares. No México, das mortes por covid-19 na população indígena, o diabetes foi a comorbidade mais frequente (30%). 

Acreditamos que intervenções desse tipo conduzidas pela Partnership serão mais importantes do que nunca durante essa lenta transição de saída da covid-19. Construiremos novos sistemas de saúde melhores, mais justos e mais fortes. 

Para este fim, a Bloomberg Philanthropies anunciou recentemente subsídios a 18 cidades da Partnership em países de renda média-baixa, incluindo Fortaleza e Rio de Janeiro, para apoiar seu plano de distribuição de vacinas com ênfase no alcance de populações de alto risco.

Como a pandemia demonstrou, a tração local precisará do impulso dado pela promoção do papel dos prefeitos como líderes de saúde pública, com mandatos que fortaleçam as doenças infecciosas e a resposta a surtos, além do combate às DCNTs e lesões. Os departamentos de saúde das cidades precisam de recursos não apenas para que possam fazer seu trabalho adequadamente, mas para garantir que estejam trabalhando em conjunto com outros organismos, supervisionando a educação, o policiamento, o planejamento e o transporte. 

Nossas cidades têm o potencial de ser, no futuro, lugares livres de mortes evitáveis, ​​causadas por doenças ou ferimentos. A pandemia de covid-19 trouxe a todos essa noção. Está na hora de rejeitarmos terminantemente as mortes evitáveis, ​​que ano após ano afligem nosso mundo. Esse futuro é um direito e uma necessidade.

 

José Luis Castro é Presidente e CEO da Vital Strategies, uma organização global de saúde que acredita que todas as pessoas devem ser protegidas por um forte sistema de saúde pública. A organização agora atinge 73 países e já impactou a vida de mais de 2 bilhões de pessoas.