Profissionais de Enfermagem: a força de trabalho que sustenta a saúde no país
Lidiane Toledo, Helena Maria Scherlowski Leal David, Alice Mariz e Mario Dal Poz
A enfermagem corresponde a 70% da força de trabalho em saúde (FTS) no Brasil e é composta, em sua maioria, por profissionais técnicos e auxiliares (75%). Entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, o Brasil contava com 1,3 enfermeiros e 3,3 técnicos e auxiliares de enfermagem por mil habitantes, respectivamente. A enfermagem é reconhecida mundialmente como pilar importante para que os estados-nação possam alcançar o acesso e a cobertura universal de saúde. Em 2020, a crise sanitária e humanitária da Covid-19, colocou em destaque a importância da enfermagem na resposta à pandemia. Enfermeiros, técnicos e auxiliares têm estado na linha de frente da resposta à crise, seja ocupando cargos de gestão, pesquisa, vigilância epidemiológica, seja na assistência aos casos de Covid-19 leves, moderados, graves e mais recentemente liderando as campanhas de vacinação. A atuação na linha de frente da pandemia tem trazido consequências de morbimortalidade para os profissionais de enfermagem. Até o dia 21 de maio de 2021, foram informados mais de 55 mil casos confirmados de Covid-19 e mais de 700 mortes entre esses profissionais no Brasil.
Apesar de sua notória importância e da enfermagem ser a categoria da saúde mais afetada pela pandemia no Brasil, na prática, são poucas as iniciativas que se traduzem em mudanças e valorização efetiva da profissão. Por décadas, a categoria tem sofrido com condições de trabalho inadequadas, baixa remuneração, vínculos contratuais frágeis, múltiplos vínculos empregatícios, sobrecarga e alta rotatividade, o que por vezes culminam no êxodo da profissão.
O Relatório o Estado da Enfermagem no Mundo, publicado durante a pandemia da Covid-19, apontou que há lacunas significativas de dados primários e secundários sobre a demografia e o mercado de trabalho em enfermagem em todo o mundo, o que dificulta que sejam realizadas análises epidemiológicas que informem políticas públicas e decisões de investimento público/privado na área. No Brasil, esta realidade não é diferente. Quando a pandemia se iniciou no Brasil, a maioria das evidências científicas sobre a demografia e o mercado de trabalho da enfermagem estavam desatualizadas e/ou restritas a contextos locais (estados e/ou municípios).
Em relação a dados secundários, apesar de o Brasil contar com uma ampla gama de bases de registros administrativos sobre demografia, mercado de trabalho, previdência social, educação, referentes à população em geral, tais bases são poucos exploradas no que tange os profissionais de enfermagem, além de, muitas vezes, apresentarem preenchimento inconsistente e frequentemente estarem desatualizadas. Em relação a estudos com coleta de dados primários na área de enfermagem, ampla maioria destes tem sido descritivos, com amostras de conveniência, locais, sendo necessário a realização de estudos de base populacional que possam realizar estimativas representativas dos profissionais de enfermagem não somente a nível nacional mas também em outros estratos geográficos como estados, municípios rurais, faixa de fronteira etc.
Avaliar as dinâmicas do mercado de trabalho (estoque de profissionais ativos, as áreas de atuação, condições de trabalho, vínculo empregatício), formação (superior e técnica), especialização (latu e stricto sensu), remuneração e distribuição geográfica, são essenciais para o desenvolvimento, planejamento e gestão das políticas de saúde e da enfermagem. O aprimoramento das informações científicas acerca da demografia e mercado de trabalho da enfermagem é urgente para que possamos conhecer de forma mais abrangente esta classe trabalhadora, que é maioria no SUS e no setor privado, além de apoiar gestores públicos e privados na tomada de decisão baseada em evidências e fomentar as pautas que são caras aos trabalhadores da enfermagem.
Como resultado de dois seminários realizados em 2020 pelo República.org, Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi organizada uma agenda de prioridades de pesquisa sobre políticas e gestão na área de enfermagem no Brasil. No âmbito desta agenda, está em curso a organização de um amplo estudo sobre a Demografia e o Mercado de Trabalho da Enfermagem Brasileira, que tem por objetivo avaliar indicadores relacionados à questões sobre características sociodemográficas, formação e trabalho das profissões de enfermagem. A pesquisa pretende responder questionamentos como: Como tem sido os fluxos de mercado de trabalho? Quais são as características de emprego? Quais são as condições de trabalho? Qual é a densidade e o estoque ativo da força de trabalho da enfermagem no Brasil? Quais são as características no estoque inativo (proporção de desistências/cancelamento, aposentadoria, mortalidade)? A força de trabalho de enfermagem é adequada às necessidades dos sistemas de saúde do Brasil? A sua capacidade é aproveitada? Quantos enfermeiros ocupam cargos de gestão? Quantos estão em posição de liderança na mesa de negociação das estratégias em saúde?
A pesquisa pretende ser um espaço acadêmico coletivo e colaborativo, coordenado pela Faculdade de Enfermagem e o Instituto de Medicina Social da UERJ. O projeto conta com apoio da OMS, OPAS, e do Instituto República, e no momento está em fase de construção de parceria estratégica para sua execução com o COFEN e alguns Conselhos Regionais de Enfermagem (CORENs). Já manifestaram apoio ao projeto, a ABEn Nacional, e diversas Escolas e Faculdades de Enfermagem, além de Institutos de apoio à pesquisa. A ideia é desenvolver um estudo-piloto em três Estados da Região Sudeste – RJ, SP e MG, com a participação das Faculdades de Enfermagem da USP-SP e Ribeirão Preto e da UFMG, as quais vêm colaborando desde as discussões iniciais.
Lidiane Toledo, Doutora em epidemiologia.
Helena Maria Scherlowski Leal David, Professora Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Alice Mariz, Doutoranda em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Mario Dal Poz, Professor Titular do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.