É preciso imunizar a todos o quanto antes
Miguel Lago e Arthur Aguillar
Desde março do ano passado, prefeitos e governadores assumiram a responsabilidade de formular respostas para a pandemia. Sem apoio do Ministério da Saúde, coube aos governos locais evitarem uma hecatombe ainda maior. Apesar da descoordenação natural, prefeitos, governadores e sociedade civil têm experimentado novas interfaces de cooperação. Nossas atenções e esperanças deveriam estar também dirigidas a elas. Do governo federal, precisamos de apenas duas coisas: que garantam a chegada das vacinas nos municípios, e que não atrapalhem os esforços de cooperação.
Nos últimos dias, assistimos a mais uma iniciativa. Os prefeitos brasileiros, através da Frente Nacional dos Prefeitos, lançaram no último dia 19 um vídeo buscando chamar a atenção para a crise da Covid-19 no Brasil. O vídeo é um pedido de ajuda de prefeitos que vem de lugares diferentes do país (de Pelotas a Belém) e do espectro político (do PSOL ao DEM passando pelo PSDB e pelo PDT), e que estão exercendo a liderança num momento tão grave da crise sanitária em que o governo federal está abandonando sua responsabilidade. A mensagem que estes prefeitos trazem é clara: sem vacinas chegando mais rápido e um reforço mais intenso das medidas de isolamento social, continuaremos a cada minuto vivendo uma catástrofe imensa e seremos um risco para a saúde pública em todo o mundo.
No vídeo, os prefeitos argumentam que conter a Covid no Brasil é uma questão de interesse interno (pelo custo humanitário de tantas mortes, pelo sobrecarregamento hospitalar e pelo custo financeiro advindo do combate à crise e das medidas de isolamento social) e externo, uma vez que a acelerada proliferação desta segunda onda aumenta a probabilidade de surgirem novas mutações do vírus, potencialmente resistentes às vacinas que desenvolvemos. Sem mais vacinas, não há solução.
O debate a respeito da vacinação gira em torno de uma série de desafios. Temos até agora poucas doses administradas em relação ao que precisamos: até o último dia 4, 19,4 milhões de brasileiros haviam tomado apenas a primeira dose, e 5,3 milhões haviam recebido ambas as doses. O declínio relevante nas taxas de cobertura das vacinas da poliomielite e da tríplice viral sugere um engajamento menor da população. Nunca antes tivemos um processo de vacinação, em que a cabeça do desenho tripartite do SUS, o governo federal estivesse acéfala.
Se todas essas questões preocupam, a experiência histórica do Brasil com a vacinação, e a capilaridade do sistema de saúde nos dão boas razões para acreditar que se os governos locais tiverem as doses necessárias nas mãos, conseguiremos chegar muito rápido a uma imunização satisfatória da população. Na experiência histórica, temos inúmeros casos de vacinação rápida e eficiente de grande parte da população brasileira, como nos casos do H1N1, onde 59 milhões de pessoas foram vacinadas em 2019, e da Meningite Leucócita nos anos 70, onde mais de 90% da população brasileira foi vacinada em menos de uma semana.. Já a experiência atual dos municípios brasileiros nos mostra uma rápida aplicação das doses disponíveis. Mesmo o receio, compreensível, de que a população resiste à vacinação da Covid-19, não parece estar se confirmando: no dia 21 de março, o Datafolha lançou uma nova pesquisa de opinião, mostrando que entre Janeiro e Março a proporção da população brasileira que pretende se vacinar contra à Covid-19 subiu de 79% para 84%. Estes números nos mostram que, muito provavelmente, aquela mesma pessoa que põe em dúvida a eficácia e segurança das vacinas estará na fila para imunizar-se na Unidade Básica de Saúde mais próxima do seu domicílio, quando for a hora.
Como as copas do mundo e os escândalos de corrupção, as catástrofes da saúde pública sensibilizam a sociedade: a eficácia, disponibilidade e os testes de vacinas tornaram-se temas recorrentes na mesa de jantar dos brasileiros e brasileiras. O turbilhão de informações talvez nos desfoque da única coisa que importa agora. Mais do que a compra desta ou daquela vacina, a prioridade nacional deve ser apenas uma: garantir, o quanto antes, a chegada nos municípios do número de doses necessário para a vacinação de toda a população brasileira.
Recentemente o Presidente do Senado afirmou que o Brasil já encomendou um quantitativo de doses suficiente para imunizar toda a população. A notícia é boa, mas não resolve o problema: em meio ao pico histórico da Covid no Brasil, cada dia conta. Não precisamos de vacinas contratadas, precisamos de vacinas entregues e disponíveis para os municípios.
Para que tornemos isso uma realidade, cada um deve exercer seu papel. Governadores precisam responsabilizar-se por medidas mais restritivas de isolamento social, ao menos enquanto estamos nesta segunda onda. Se existe um custo político associado à imposição dessas medidas, é hora dos governadores, cada vez mais articulados, assumirem este custo conjuntamente, anunciando um conjunto de medidas tomadas por todos os estados. Mas isso não é suficiente. Para frear a crise precisamos de mais vacinas: qualquer estratégia que negligencie este fato será como enxugar gelo. Precisamos deixar um pouco de lado a atuação do Governo Federal, pois dificilmente algo de efetivo virá de lá. É necessário cobrar do Governo Federal a entrega rápida do número de doses necessário para a imunização da população. Uma coisa sabemos: se a vacina chega, governadores e prefeitos não fugirão de sua responsabilidade de vacinar a todos o quanto antes.
Miguel Lago é diretor-executivo do IEPS
Arthur Aguillar é coordenador de políticas públicas do IEPS