Monitoramento de políticas públicas e ciclos de aprendizado: os desafios e possibilidades para os novos gestores eleitos
Helyn Thami, Arthur Aguillar e Maria Letícia Machado
Em anos recentes, o monitoramento de políticas públicas, sobretudo na Saúde, ganhou ênfase em termos de discurso e de práticas. A pandemia, por consequência, acabou por endossar ainda mais a necessidade de acompanhar sistematicamente os dados para subsidiar a tomada de decisão. Painéis de indicadores foram elaborados e publicizados, levantaram-se críticas sobre a subnotificação de casos. Falamos de dados e falamos da qualidade deles.
Essa ênfase na relevância de uma estratégia de monitoramento efetiva se configura como um potencial legado da crise do novo coronavírus. Será difícil enxergarmos a análise sistemática de dados da saúde da mesma maneira como o fazíamos anteriormente, e isso tende a ser positivo para a sustentabilidade e melhoria do sistema.
Contudo, destaca-se que colocar de pé uma estratégia de monitoramento em nível municipal é uma tarefa pouco óbvia. Primeiro, é preciso reconhecer que o monitoramento não se restringe (ou não deveria) ao mero exercício de leitura de dados. Os dados precisam informar a tomada de decisão, de modo que, caso contrário, perdem sua serventia. É preciso, também, ir além e garantir que o sistema aprenda e melhore com base na análise desses dados e no acompanhamento dos resultados das decisões tomadas. Ademais, não se pode perder de vista que o monitoramento também permite a responsabilização dos provedores de serviço, o que contribui para a qualificação do sistema, de igual modo.
Como é possível ao gestor municipal implementar, de modo efetivo, uma estratégia de monitoramento que torne o sistema mais transparente e possibilite a aprendizagem de todos que fazem parte dele? Em primeiro lugar, é necessário compreender que a efetividade da implementação dependerá, inicialmente, de etapas de qualificação das informações disponíveis. Sabemos dos enormes desafios de qualidade e fragmentação de dados no âmbito do SUS, sobretudo no que tange à integração de bases de dados e à identificação única dos usuários, para citar alguns. Sem esses componentes, se torna inviável o acompanhamento do itinerário do usuário no sistema de saúde, o que implica em informações frágeis para a tomada de decisão ou, ainda, em um tempo muito grande para tratar as informações antes de poder aplicá-las na prática.
Sendo assim, é imprescindível que os futuros secretários de saúde invistam na construção/implantação de um sistema de informação com identificador único por usuário e na delimitação de um conjunto mínimo de dados a ser acompanhado e monitorado rotineiramente, em um modelo de painel de indicadores. Esse painel deve ser parcimonioso e cada indicador deve responder a perguntas de gestão específicas — indicadores não são fins em si mesmos. Não menos importante, os dados devem ser inteligíveis para os diversos atores interessados. Um nível incompatível de complexidade da informação compromete o entendimento do problema e, de igual modo, a resposta a ele.
Em um segundo momento, é preciso pensar em um ciclo de análise e devolutiva sobre desempenho para as equipes da ponta. Ora, se são esses os times que carregam boa parte do ônus e responsabilidade da coleta de dados, é ético, justo e adequado que esses mesmos times possam encontrar sentido na qualificação de seu trabalho através de devolutivas com periodicidade definida. Isso pode ser feito, por exemplo, no modelo de seminários de gestão ou fóruns e oficinas. Destaca-se aqui a importância da frequência e periodicidade de análise dos dados: em situações emergenciais como a atual, é preciso que a gestão esteja preparada para processar e analisar dados em alta frequência. O desenvolvimento dessas habilidades é imperioso para as equipes de gestão efetivamente comprometidas com a melhoria do sistema de saúde.
Por fim, é preciso que o município desenhe e implemente um plano de monitoramento para as condições de maior interesse sanitário, em consonância com o planejamento estratégico do mandato, sendo esse um desdobramento do diagnóstico da situação de saúde (e de necessidades em saúde) do município. Em um sistema com recursos finitos e coexistência de desafios, priorizar é uma atividade importante, inclusive quando da definição dos objetos a serem acompanhados.
A tarefa é complexa, mas os futuros gestores municipais podem se beneficiar de ferramentas tais como a Agenda Saúde na Cidade, que traz o passo a passo de implementação e os desafios políticos e administrativos envolvidos na execução de cada uma dessas medidas fundamentais. Tirar planos do papel é uma tarefa que exige uma visão técnica apurada, sem perder de vista o contexto do mundo real em que as políticas públicas acontecem.
Há um amplo consenso entre especialistas em gestão que as organizações, incluindo os sistemas de saúde, melhoram conforme avança a sua capacidade de aprender com seus erros e acertos. Ter informação de qualidade disponível e usá-las para engajar equipes na construção de soluções, com posterior acompanhamento de seus efeitos, é essencial para que moldemos o sistema de saúde que queremos. Esse é um sonho possível e, oportunamente, as novas gestões municipais se configuram como uma importante janela de oportunidade nesse sentido.
Helyn Thami, Arthur Aguillar e Maria Letícia Machado são pesquisadores do IEPS