A hora e a vez da parceria: onde a academia, o terceiro setor e os problemas da vida real se encontram
Helyn Thami, Natália Sabat, Ana Lucia Sartori, Darley Maria Oliveira e Neiva Pereira Paim
A crise sanitária e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus escancarou feridas antigas e, possivelmente, criou algumas novas. Dentro do primeiro grupo, podemos citar o grau de desconexão entre a atuação de diversos setores da sociedade no apoio ao enfrentamento dos problemas da vida real.
Por exemplo, é problemático ter muitos cérebros a pesquisar sem que os resultados da pesquisas sejam transformados em legados para aqueles que, através do pagamento de seus impostos, financiam boa parte da pesquisa acadêmica no Brasil. Outro exemplo é atuação pontual do terceiro setor na solução de problemáticas muito complexas e que exigem uma visão menos assistencialista e mais de construção de um legado de capacidades para a boa execução de políticas públicas.
Experiência recente, contudo, foi capaz de mostrar que uma Academia engajada e o terceiro setor podem trabalhar juntos, com êxito, para solucionar problemas que acometem a população e interferem na resposta do setor público aos desafios atuais.
O palco dessa experiência foi a cidade de Sinop, no Mato Grosso, com seus cerca de 150 mil habitantes. O campus da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT Sinop), localizado na cidade, tomou a iniciativa, por meio de projetos de extensão, de conceber e operacionalizar os serviços de monitoramento remoto dos casos de Covid-19, bem como pela organização de uma central telefônica para dúvidas, situada no Instituto de Ciências da Saúde do campus, que funcionava por demanda espontânea dos cidadãos. Os alunos e professores dos cursos de enfermagem e medicina ficaram responsáveis pelo contato direto com a população (atendendo munícipes de Sinop e de outras cidades próximas, de menor porte), contando com a coordenação e supervisão das professoras Ana Lucia Sartori, Darley Maria Oliveira e Neiva Pereira Paim. O planejamento e implementação das operações teve o apoio da plataforma CoronaCidades, que oferece apoio técnico gratuito aos municípios no enfrentamento da crise e é resultado da parceria de três organizações do terceiro setor: o IEPS, a Impulso e o Instituto Arapyaú. Os projetos, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, realizou mais de 6.000 atendimentos de monitoramento e atendeu aproximadamente 650 pessoas com dúvidas ou sintomas (não somente relacionados à Covid-19) para orientações ou referenciamento aos serviços de saúde públicos ou privados. Recentemente, a iniciativa foi reconhecida com uma Moção de Aplauso pelo Conselho de Saúde local.
O valor desse serviço ultrapassa sua contribuição na resposta à crise, por algumas razões. Primeiro, porque alunos e professores tiveram a chance de estreitar suas relações com a comunidade onde se inserem e com a sociedade em geral. Essa é uma crítica frequentemente feita por alguns setores quando o assunto é integração entre instituições de ensino e tudo aquilo que as cerca – pessoas, problemas, territórios. A universidade não deve ser uma “bolha”.
Em segundo lugar, é possível afirmar que os alunos tiveram uma oportunidade prática de aprendizagem sem igual em tópicos bastante complexos da atuação em Saúde, que são a teleorientação e a telemedicina. É importante ressaltar, nesse caso, que existem dificuldades – impostas pela atuação não-presencial –, o que torna esses tópicos pouco óbvios. Ao mesmo tempo, contudo, a telemedicina é uma ferramenta que deve se expandir no dia a dia dos profissionais de saúde e se tornar cada vez mais relevante para o mercado de trabalho, como uma consequência da própria pandemia. Certamente, essa experiência tornou o corpo discente mais preparados para o exercício da profissão no cenário da vida como ela é (ou como ela está se tornando).
A maioria dos problemas sociais que enfrentamos neste século são complexos e não aceitam respostas simplistas ou reducionistas. Logo, as soluções podem e devem ser pensadas e implementadas por conjuntos de atores sociais, através de visões programáticas e valores comuns. Se rios divididos ainda podem se encontrar no mar, as águas são mais fortes quando correm juntas por todo o seu curso.
Helyn Thami é pesquisadora do IEPS
Natália Sabat é gestora de projetos na Impulso
Ana Lucia Sartori é enfermeira e professora adjunta do curso de Enfermagem da UFMT Sinop
Darley Maria Oliveira é enfermeira e professora adjunta do curso de Medicina da UFMT Sinop
Neiva Pereira Paim é médica e coordenadora do curso de Medicina da UFMT Sinop