Tempo de espera nas filas do SUS e as eleições: o que os gestores municipais eleitos precisam fazer?

By: Mohamed Hassan
Saúde em Público

Helyn Thami, Maria Letícia Machado e Marcelo Cabral

 

As longas esperas por consultas, tratamentos e procedimentos são o principal fator de insatisfação com o sistema de saúde no Brasil, apontado por pesquisas de opinião. Essa questão, assim como outros desafios da gestão pública, constitui um problema complexo, que não aceita soluções milagrosas — as ditas ‘balas de prata’ —, mas necessita ganhar mais atenção dos gestores municipais. Para além das críticas da opinião pública, a falta de acesso a um serviço adequado em tempo oportuno tem consequências diretas em indicadores de saúde da população, como as hospitalizações e mortalidade evitáveis.

Desse modo, em meio a um processo eleitoral conturbado, em que a saúde ganhou um destaque sem igual na história brasileira, é preciso que candidatos e candidatas se apropriem desse desafio. Mais do que isso, devem se comprometer a endereçá-lo, não só porque é o certo a fazer, mas porque a expectativa dos eleitores em relação aos serviços públicos de saúde será cada vez mais alta daqui em diante.

Mas o que precisa fazer o gestor público para tratar, de modo eficiente, a questão dos altos tempos de espera? O primeiro passo é entender que existem duas abordagens temporais para a solução efetiva desse problema: uma mais emergencial, imediata, e outra de médio/longo prazo. No primeiro momento, é preciso reduzir o estoque de filas que já existe. Isso pode ser feito por meio de auditoria dessas filas (seguindo a ordem do final para o início), a fim de verificar se a necessidade ainda existe ou se as demandas podem ser resolvidas em um nível menor de complexidade. Ainda de modo emergencial, o município pode aumentar, de forma aguda, a oferta de alguns procedimentos, seja realizando mutirões e turnos estendidos, seja contratualizando esse serviço com o setor privado. Ou seja, ajustar a quantidade de demanda e de oferta na entrada dos serviços básicos.

Em seguida, é preciso pensar na longevidade e sustentabilidade da Regulação de Acesso, implementando medidas de mais longo prazo que reestruturem as formas de oferta. As primeiras a destacar seriam os mecanismos de teleconsultoria entre médicos especialistas e médicos atuantes nos serviços de primeiro contato e as ações de redução do absenteísmo. Este importa pois as faltas às consultas e exames são um fator determinante no desperdício de recursos já escassos, e aquele porque é capaz de sanar dúvidas sobre a conduta clínica a adotar, eliminando completamente a necessidade de encaminhar ou otimizando notavelmente o espaço da primeira consulta especializada.

Ademais, é preciso que se garanta a implementação de centrais ou complexos reguladores — que contem com pessoal treinado e espaço físico adequado —, de modo a efetivar um filtro de equidade no acesso aos serviços de saúde, e eliminando alocações clientelistas de recursos públicos. Aumentar a eficiência dos filtros de maneira a promover a equidade prescinde da elaboração e adoção de protocolos clínicos e guias de encaminhamento bem claros, e pautados pela melhor evidência disponível. Não menos importante, a implementação de Núcleos Internos de Regulação (os chamados NIRs) também deve ser priorizada, de modo a garantir coordenação e monitoramento efetivos da disponibilidade de leitos no município, sendo capaz de responder aos ajustes temporais.

Uma vez que se definam os processos de Regulação no município, é preciso implementar métricas e indicadores para ele, afinal a única forma de começar a melhorar um processo é medi-lo. Nestes processos, há dois grupos de indicadores possíveis: um que olha para dentro da própria Regulação, como é o caso do tempo de espera para cada especialidade/leito/procedimento e o outro que olha para o sistema como um todo, como os desvios de volume de encaminhamentos em cada serviço, evidenciando centros de custos que poderiam ser evitados. É muito importante que os administradores públicos tenham em mente que a Regulação não deve ser vista como apenas uma porta que forma filas, mas como uma ferramenta de gestão que interliga pontos de um sistema. Tomando esse último ponto como verdade, a Regulação pode fornecer informações que qualificam todo o sistema, e não somente seus próprios processos.

Conforme dito antes, não há resposta simples. Mas há, sim, caminhos possíveis, não só para a implementação dessas medidas, mas para a superação de possíveis desafios de ordem política ou administrativa que podem se revelar para os gestores (como, por exemplo, a resistência de grupos profissionais). Um sistema de Regulação efetivo garante não só a racionalidade e a equidade na aplicação de recursos públicos, mas ajuda as lideranças a entenderem onde realmente é necessário expandir capacidade. Precisamos abandonar a lógica de criação de serviços especializados que não respondem a qualquer racionalidade sistêmica. Se o sistema de saúde fosse um análogo ao sistema nervoso humano, a Regulação pode ser tida como seu cérebro e, tal qual um neurocirurgião enfrenta seus casos, os gestores públicos devem estar munidos de ferramentas, técnica e coragem para enfrentar esse desafio de forma adequada.

Essas ações de qualificação da Regulação municipal fazem parte da Agenda Saúde na Cidade, construída a partir de uma coalizão de organizações e que objetiva construir um consenso programático para a área da Saúde. A Agenda foi construída em diálogo com especialistas, profissionais da ponta, usuários e pesquisadores. A Saúde na Cidade é a Agenda para gestores que querem fazer acontecer, num contexto em que a Saúde está sob os holofotes. Uma agenda técnica que não é tecnocrática, com foco em implementação e que leva em conta as dificuldades vividas nos municípios. Para saber mais, acesse saudenacidade.org.

Helyn Thami e Maria Letícia Machado são pesquisadoras do IEPS

Marcelo Cabral é gerente-executivo do Programa Cidades do Instituto Arapyaú