Bom para a saúde, bom para a economia
Paula Johns
Estamos no meio de uma pandemia de saúde pública e iniciando as discussões sobre a reforma tributária, uma oportunidade para tratamos do tema saúde e economia com um olhar mais global sobre ambos os termos, onde a dicotomia não existe. A Organização Mundial da Saúde define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Portanto, cuidar e promover a saúde não pode ou deve significar um gasto e sim um investimento.
Existe uma certa ilusão sobre a ideia de mercado livre quando defendemos medidas regulatórias, emergindo um pressuposto de que a regulação da livre iniciativa seria um entrave ao crescimento da economia e ao desenvolvimento. Até mesmo nos países mais liberais do mundo não existe um mercado verdadeiramente livre. Tanto o mercado como a economia funcionam inseridos numa série de regras, que por sua vez foram criadas em contextos sociais regidos por relações de poder que refletem as assimetrias econômicas e iniquidades da sociedade. Na maioria dos casos, poder econômico se traduz em poder político e no fator determinante das regras de funcionamento do mercado e da sociedade.
A necessidade de se fazer uma reforma tributária no Brasil é um tema em que há uma concordância entre todos os matizes ideológicos e, portanto, é importante que seja amplamente debatido do ponto de vista da eficiência econômica e da redução das iniquidades tributárias existentes no Brasil. Alcançar mais financiamento para a saúde é também prioritário.
Como representantes de uma organização que atua no campo da saúde pública, ouvimos que determinadas atividades econômicas poderiam até não ser boas para saúde, mas boas para economia. Esse argumento foi repetido por décadas em relação ao tabaco. Na medida em que as evidências sobre os malefícios do cigarro se acumulavam, aumentava a quantidade de argumentos relativos ao número de empregos gerados e ao desastre econômico que aconteceria caso adotássemos medidas regulatórias de controle do tabagismo. Em especial a tributação majorada com objetivo de redução de consumo de cigarros.
A história se repete em relação ao álcool e à categoria de alimentos ultraprocessados. Onde existe o reconhecimento de que determinados produtos são nocivos à saúde, prospera a argumentação de que o caminho para alcançar a redução de consumo não é a tributação e que o melhor a fazer seria educar crianças e adultos sobre os malefícios e estes, num cenário de suposta plena informação, fariam as melhores escolhas. Lamentavelmente não é assim que funciona na vida real.
Hoje, é sabido e comprovado que as medidas regulatórias de controle do tabagismo vêm sendo responsáveis pela redução expressiva de consumo de cigarros onde são adotadas, sendo o Brasil um desses países. Dentre as quatro principais políticas, restrição de publicidade, ambientes livres de fumo, advertências nos rótulos e tributação, a mais efetiva para redução de consumo é tributação, de acordo com o Banco Mundial e outros estudos.
Levantamento de uma Força-Tarefa de especialistas internacionais sobre políticas fiscais de saúde, feito em 2018, chegou à conclusão que estas têm um papel fundamental nos debates sobre desenvolvimento, saúde e arrecadação em nível nacional. Impostos altos sobre consumo de tabaco, álcool e bebidas adoçadas são ferramentas essenciais para que os países consigam atingir a Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, garantir a saúde, acabar com a pobreza e promover empregos. Conforme destacado na Agenda de Ação de Adis Abeba, a partir do caso do tabaco, impostos sobre esta categoria de produtos aumentam a arrecadação, que por sua vez pode ser investida na saúde.
Este relatório conclui que as mortes prematuras associadas ao consumo de tabaco, álcool e bebidas adoçadas, que chegam à cifra de 10 milhões anuais, poderiam ser prevenidas. De acordo com o documento, se todos os países aumentarem seus impostos para elevar os preços de tabaco, álcool e bebidas açucaradas em 50%, mais de 50 milhões de mortes prematuras podem ser evitadas em todo o mundo nos próximos 50 anos, arrecadando mais de US$ 20 trilhões em receitas adicionais.
A resistência dos governos para elevar tributos que podem salvar vidas, como indica o título do relatório, vem impacto na saúde, levantam dúvidas sobre a eficácia da medida, superestimam os dados de emprego, comércio ilícito e que afetarão desproporcionalmente os pobres. No entanto, as evidências demonstram que esses argumentos não justificam a inação, além de serem falsos ou exagerados. dos fabricantes e de seus aliados que se beneficiam economicamente da venda desses produtos. Como é mais difícil refutar os argumentos relativos aoMuito pelo contrário, elevar impostos de produtos que geram enormes danos e custos à saúde e ao planeta e perda de produtividade é uma forma de minimizar o custo das externalidades que hoje não compõem o preço final destes produtos.
Nesse sentido, as recomendações do relatório clamam aos países e à comunidade internacional para agir e adotar essa ferramenta subutilizada para reduzir o que devemos consumir menos para melhorar a nossa saúde e para aumentar a arrecadação, rumo a um mundo mais saudável e sustentável para todos.
Portanto, é mais do que oportuno trazer esse tema para os debates em torno da reforma tributária no Brasil.
Paula Johns é diretora geral da ACT Promoção da Saúde