Toda a atenção deve se voltar para os profissionais de saúde agora
Amanda McClelland e Pedro de Paula
Para nos salvarmos, precisamos proteger as pessoas que arriscam tudo e sacrificam sua própria segurança para salvar todos os outros.
Passarão meses, se não anos, até que tenhamos a real perspectiva da história completa da COVID-19. Só então teremos como contar todas as vidas perdidas e compreender até que ponto a pandemia afetou nossas sociedades, nossas economias e nossas vidas. Mas já está claro que os heróis da história serão os profissionais da saúde de todo o mundo. Neste momento da pandemia, a maior e mais imediata preocupação e onde o foco de todos os governos e instituições deve estar é na segurança dos enfermeiros, médicos e outros profissionais da saúde que estão arriscando suas vidas – e a vida de suas famílias – em circunstâncias extremamente difíceis.
O mundo ultrapassou recentemente os 10 milhões de casos confirmados de COVID-19 e, a cada dia, milhares de novas mortes são registradas. Como na maioria das pandemias, os profissionais da saúde na linha de frente têm sido expostos aos maiores riscos. Vimos um prenúncio deste perigo quando a pandemia reivindicou sua vítima inicial mais importante em Wuhan, na China, o Dr. Li Wenliang, que tinha sido o primeiro a alertar-nos sobre o vírus. Nos meses seguintes, a COVID-19 infectou centenas de milhares de profissionais de saúde em todo o mundo. Nos Estados Unidos, entre as pessoas infectadas cuja profissão é conhecida, uma em cada cinco é um profissional da saúde.
E no Brasil, que em breve poderá ter o maior número de mortes do mundo, entre mais de 60.000 mortes já atribuíveis ao vírus, estão mais de 200 enfermeiras. No início de junho, o país era responsável por 30% das mortes de enfermeiros no mundo inteiro.
Os profissionais da saúde estão sendo chamados a lidar com uma doença contagiosa sem precedentes para a qual ainda não existe uma vacina ou tratamento comprovado e ainda não estão devidamente equipados para esta tarefa. Isto tem sido um desafio tanto em países de baixa renda quanto em países de alta renda, que têm enfrentado escassez de equipamentos de proteção pessoal, como máscaras, trajes apropriados e luvas. Vários veículos de imprensa documentaram como os enfermeiros no Brasil recorreram à reutilização de suas máscaras, já que não há quantidades adequadas às suas necessidades. O grande volume de pacientes com COVID-19 torna extremamente difícil para os profissionais de saúde protegerem a si próprios e às pessoas de quem cuidam. Precisamos fazer mais se esperamos que eles permaneçam na linha de frente e nos protejam.
Quais medidas devemos adotar?
Nos hospitais e nas unidades de saúde, podemos proteger os profissionais de saúde pelo uso do que é chamado de “hierarquia de controles“, uma série de políticas e práticas que previnem a contaminação – a lavagem das mãos por pelo menos 20 segundos e usar sempre uma máscara N95 ao tratar as pessoas.
Mas isso significa que os governos devem ajudar as unidades de saúde a conseguir recursos para implementar esses controles, especialmente quantidades suficientes de equipamentos de proteção individual, para que as equipes não tenham que racionar o uso. Os governos devem disponibilizar todos os recursos para fornecer imediatamente suporte adequado a surtos para departamentos de emergência, enfermarias, laboratórios e pessoal auxiliar. Todas as partes do sistema de saúde ficarão vulneráveis, desde a cirurgia até o cuidado materno. O governo e as unidades de saúde devem compensar o trabalho adicional sendo feito, incluindo o pagamento de pessoal adicional, horas extras, intervalos e licença médica. Como reportou a Folha, erros acontecem quando os profissionais estão exaustos.
Os profissionais de saúde devem ser capazes de priorizar sua própria saúde física e mental, seguir protocolos de prevenção e controle de infecções, por mais ocupada ou crítica que seja a situação e administrar cada paciente um a um. Eles também devem ser capazes de descansar e se exercitar e sentir que sua família está segura.
Quando a história deste novo coronavírus for escrita, que seja uma história em que aprendemos com nossos erros, tanto com a propagação do vírus como com epidemias passadas, e também seja uma história em que fizemos tudo o que pudemos para valorizar a vida daqueles que se arriscaram e sacrificaram sua própria saúde para cuidar de nós. Que a história mostre que nós destinamos recursos para onde eles eram necessários e quando eles eram necessários. E precisamos investir em nossos sistemas de saúde, em nossa força de trabalho de saúde pública e na preparação para epidemias porque, inevitavelmente, esta não será a última luta contra patógenos perigosos que nossos heróis da linha de frente terão que combater.
Amanda McClelland é vice-presidente sênior do Prevent Epidemics e Resolve to Save Lives, uma iniciativa da Vital Strategies.
Pedro de Paula é Diretor-Executivo da Vital Strategies Brasil. Pedro é advogado formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Mestre em Direito Econômico e Economia Política pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde atualmente é Doutorando. Também leciona na faculdade de Direito na Fundação Getúlio Vargas (FGV).