Resposta à crise nos pequenos municípios: onde estamos?
Caroline Cavallari e Helyn Thami
Pequenos municípios lutam para reorganizar serviço de saúde diante da Covid-19
Reorganizar o atendimento em saúde, diante da nova demanda relacionada ao coronavírus, e implementar ferramentas de telessaúde surgem como desafios para pequenos municípios brasileiros nos esforços para tentar responder ao avanço da Covid-19.
É o que mostra uma análise das respostas acumuladas no Checklist de preparação para a Covid-19, ferramenta gratuita desenvolvida pela plataforma CoronaCidades para ajudar a orientar os municípios brasileiros na superação da pandemia.
Entre aquelas cidades que participam do Selo Unicef –concedido a municípios que assumem o compromisso de priorizar políticas públicas pela infância e adolescência–, há também dificuldades em manter o acompanhamento de adolescentes em risco de abandono escolar e os serviços de proteção às famílias realizados por meio do SUS e dos Centros de Assistência Social.
Checklist mostra realidade de pequenos municípios na resposta ao coronavírus
Desde o início da pandemia no Brasil, a plataforma CoronaCidades oferece um Checklist para que gestores públicos possam sinalizar quais ações já foram realizadas ou estão em implementação, em seus municípios, na resposta ao coronavírus.
O Checklist tem o objetivo de ordenar e resumir, em tópicos simples, o que precisa estar no radar de quem toma as decisões diante da crise. Ao preencher o instrumento, os participantes informaram o nível de preparo de seus municípios para lidar com a pandemia em quatro esferas: Governança da crise; Comunicação e Distanciamento; Vigilância; e Assistência.
Dentro de cada esfera, uma lista de medidas é apresentada aos respondentes, para que eles sinalizem uma das três opções de resposta: não realizado, em andamento ou realizado. Entre abril e maio de 2020, 311 municípios de todas as regiões do Brasil responderam ao Checklist de preparação para a Covid-19.
A maioria dos respondentes, o equivalente a 90%, são de cidades com até 100 mil habitantes. O maior número de respostas veio de cidades localizadas nos estados da Paraíba, Ceará, Bahia, Pernambuco e Maranhão, todos na região Nordeste.
Distribuição dos Municípios Respondentes da Ferramenta Checklist por Estado
As respostas ajudam a compreender quais são os principais desafios enfrentados pelos municípios de menor porte na resposta ao coronavírus, em um momento em que a curva de contágio demonstra tendência de estabilização em muitas capitais do país e o vírus parece avançar, cada vez mais, pelo interior do Brasil.
Dificuldades com organização da atenção básica e implementação de telessaúde
Manter a atenção básica nas unidades de atendimento, mesmo diante da nova demanda por serviços relacionada ao coronavírus, é um desafio para os sistemas de saúde em todo o país.
Dos 311 municípios que responderam ao Checklist da plataforma CoronaCidades, 19,61% afirmaram que a secretaria de saúde ainda não havia remanejado e redimensionado sua força de trabalho para garantir portas de acesso diversas para casos de diferentes complexidades. Para 21,54%, essa reorganização da força de trabalho e dos serviços de atendimento diante do novo cenário ainda estava em andamento.
As perguntas do Checklist relacionadas à assistência direta à população requerem uma série de processos anteriores que condicionam a implementação, como por exemplo, a organização das portas de entrada e o redimensionamento de RH, que precisam de um diagnóstico mais profundo da rede e tomam bastante tempo de planejamento e conciliação entre atores variados. Isso impõe dificuldades –ou evidencia ainda mais as dificuldades que já existiam, sobretudo nos municípios menores–, como planejamento e mapeamento de processos na provisão de serviços de saúde.
Nesse esforço para conciliar a atenção básica e os atendimentos relacionados à Covid-19, a implementação de ferramentas de telessaúde, com o uso de celular ou internet para realização de triagem e monitoramento de pacientes do SUS, é uma importante alternativa para os municípios.
No entanto, entre aqueles que responderam ao Checklist da plataforma CoronaCidades, 19,61% assinalaram que a gestão de saúde da cidade ainda não estava apta a solicitar e operar ferramentas de telerregulação e telemedicina; 41,16% estavam com esse processo em andamento, e apenas 39,23% já estavam operando com essas ferramentas.
Existem diferentes ferramentas de telessaúde, como por exemplo a disponibilidade de internet, que o país ainda precisa superar. Além disso, há também níveis distintos de resistência por parte de alguns atores e uma ideia de que essas ferramentas são necessariamente muito complexas para serem implementadas.
Fato é que as respostas do Checklist também evidenciam outro desafio, refletido por características do nosso federalismo: municípios de pequeno porte enfrentam dificuldades para a organização de suas políticas públicas mesmo em um ambiente de normalidade. Responsáveis pela maior parte dos serviços oferecidos diretamente à população, em especial no âmbito social (saúde, educação e assistência social), os municípios são os entes com menor arrecadação e disponibilidade financeira.
Essa fragilidade orçamentária acarreta vulnerabilidades técnicas e administrativas que são agora evidenciadas pela pandemia. A coordenação entre os diferentes níveis de governo (União, Estados e Municípios) e a articulação das ações entre municípios torna-se ainda mais relevante no enfrentamento da Covid-19, assim como a disponibilização de ferramentas e boas práticas que orientem os gestores ganham ainda mais importância neste momento.
Acompanhamento de crianças e adolescentes é prejudicado durante a pandemia
235 municípios que responderam ao Checklist da plataforma CoronaCidades participam do Selo UNICEF, o que significa que assumiram o compromisso de manter a agenda de políticas públicas pela infância e adolescência como prioridade.
Mas, diante da crise do coronavírus, o acompanhamento de crianças e jovens com risco de abandono escolar se tornou um desafio. 51,06% dos municípios reduziram ou suspenderam o acompanhamento de adolescentes em risco de abandono escolar.
Entre os municípios que participam do Selo UNICEF, 80,43% também reduziram ou suspenderam seus serviços de proteção às famílias, realizados por meio do SUS e dos Centros de Assistência Social. Além disso, 61,28% das cidades afirmaram que atendimentos para enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes estão ocorrendo em horário reduzido ou só por meio de plantões.
Um dos principais desafios evidenciados em momentos de crise como a atual pandemia é a necessidade de uma rápida mobilização dos recursos públicos e tomadas de decisão. Em tais momentos, os esforços se voltam para a resolução da crise, e muitos outros serviços e demandas já existentes sofrem com essa priorização. Uma das formas de evitar a invisibilização das demandas programáticas é o mapeamento de áreas e funções que podem se beneficiar de mão de obra voluntária ou oriunda de outras áreas de conhecimento, por exemplo, de modo a reduzir a sobrecarga nos pontos onde ela é mais crítica.
Os desafios são muitos e um diagnóstico inicial é crucial para o planejamento da gestão no cenário atual, na saúde e fora dela. Além do Checklist, a plataforma CoronaCidades também disponibiliza outros materiais de apoio para superação da crise nos estados e municípios. Saiba mais visitando coronacidades.org.
Caroline Cavallari é coordenadora de Conteúdo e Atendimento na plataforma CoronaCidades.
Helyn Thami é pesquisadora do IEPS.