‘Eu sou só um prefeitinho, perto do presidente da República’

Isabel Opice

João Abreu

“Eu sou só um prefeitinho, perto do Presidente da República”. Assim se manifestou o prefeito Guilherme Pasin, de Bento Gonçalves-RS, para denotar a situação vivida diante da crise da Covid-19. O prefeito busca, por todos os meios possíveis, explicar a gravidade da situação para a população de seu município, e convencê-los a ficar em casa e proteger-se. No entanto, ele pouco pode fazer diante das mensagens na direção oposta, que chegam diretamente do Palácio do Planalto.

Passados dois meses do início das medidas de restrição na maior parte do país, vivemos ainda uma fase de incertezas. Há pouco conhecimento sobre em que estágio estamos da pandemia e o quanto ela deve durar. Estudos de eficácia e segurança de vacinas e medicamentos não tiveram resultados conclusivos, por enquanto. Em meio a esse cenário desconhecido e sem o protagonismo do governo federal, gestores públicos municipais são os atores que trabalham arduamente pela contenção da crise, sendo constantemente pressionados a tomar decisões que envolvem um alto nível de conhecimento e responsabilidade. Enxergando a dimensão desse desafio, a plataforma CoronaCidades.org está acompanhando de perto vários municípios e estados brasileiros para apoiá-los na resposta à crise. Esse período nos permitiu extrair aprendizados e impressões comuns entre gestores responsáveis por estabelecer regras de convívio para suas sociedades.

Pelo arranjo federativo brasileiro, os municípios reúnem diversas competências institucionais de interesse local que regem a vida cotidiana de cidadãs e cidadãos – como organização de serviços, funcionamento de estabelecimentos, dentre outros. Em nosso sistema político, prefeitos e prefeitas são atores com grande relação de proximidade com a população, sendo também mais suscetíveis à influência dos cidadãos e das organizações de classe. São uníssonos entre os líderes municipais relatos de pressão de diferentes grupos e classes, sendo muitos os que priorizam o interesse individual em detrimento do coletivo, que estão sofrendo para determinar as novas dinâmicas sociais. Além de notórias as queixas quanto à omissão do governo central em estabelecer uma direção a nível nacional.

A maior parte dessa pressão, demonstrada na repercussão da imprensa nas últimas semanas, vem de setores da economia como comércio e a agropecuária. As atividades econômicas, duramente afetadas pelas restrições à circulação, buscam o relaxamento dessas medidas para recuperarem o fôlego. Em ano eleitoral, torna-se ainda mais delicada a equação de conciliar os anseios para tomar decisões por parte das prefeituras. Para além dos limites municipais, existe a preocupação com o entorno regional. É evidente que mesmo os prefeitos mais prevenidos têm dificuldade de adotar e justificar medidas restritivas quando os municípios vizinhos caminham na direção contrária. Além disso, a circulação de pessoas que trabalham em cidades vizinhas e retornam diariamente para suas casas fragiliza o controle sanitário, dificultado pela grande quantidade de estradas de acesso a um mesmo município.

Se a maior preocupação no início da epidemia centrou-se nos grandes centros urbanos, por onde a doença chegou ao Brasil, hoje em dia é crescente em relação aos municípios de interior. Um panorama geral evidencia o quanto a realidade é preocupante. Enquanto o nível de distanciamento social considerado ideal é de 70%, segundo o Centro de Contingência do coronavírus em São Paulo, dados recentes do dia 19 de maio do Índice de Isolamento Social da InLoco -empresa parceira do CoronaCidades- mostram que não atingimos sequer 50% em quase todos os estados, enquanto a média nacional para o dia foi de 42,3%. O desafio da comunicação com a população é ainda maior nas cidades menores, onde a cultura de convívio social e circulação difere substancialmente das metrópoles. Para esses locais, há dois agravantes que merecem atenção: a dificuldade de informar os moradores de áreas mais isoladas, como zonas rurais, e de despertar a consciência da população mais jovem.

Por fim, mais recentemente, outro forte incômodo está relacionado ao uso dos testes que começaram a chegar, dada a ansiedade em identificar os infectados ou aqueles que já contraíram a doença. É uma tarefa árdua, e comum a todos, explicar os protocolos e estratégias de testagem como política pública. Em um dos municípios apoiados pela plataforma, por exemplo, a prefeitura vinha enfrentando pressão de classes, como frentistas, para que fossem amplamente testados por entenderem que estão bastante expostos ao vírus. Demandas como essas consomem recursos das secretarias de saúde e geram pouca informação útil para embasar a política pública local, que deve olhar para o coletivo acima de tudo. As estratégias de testagem devem ser pensadas para responder perguntas que apoiem a gestão pública, como a incidência da doença em determinados bairros ou a exposição a grupos populacionais. Em termos de classes, recomenda-se os testes para profissionais de saúde e de segurança pública.

O caminho mais rápido para superarmos a pandemia é agindo de forma coordenada,  considerando os interesses coletivos e construindo uma visão comum para os cidadãos, classes, municípios, regiões, estados e para o país. Já está claro que essa visão não virá do caos que se instaurou no governo federal -pelo contrário, terá que ser forte o bastante para diminuir os impactos negativos das colocações e decisões impoderadas vindas da presidência. Nesse contexto, o uso do diminutivo na frase do prefeito Guilherme torna-se fortemente equivocado. Prefeitos e prefeitas do Brasil estão entre os grandes protagonistas no enfrentamento da crise, exercendo diariamente liderança de forma próxima ao cidadão e direcionando os interesses difusos para ações que beneficiem a todos. Nós, do Coronacidades, estamos à disposição para ouvi-los e apoiá-los.

 

Isabel Opice e João Abreu são co-fundadores da Impulso, uma das organizações realizadoras da plataforma CoronaCidades