Crise e comportamento: onde nossa comunicação está falhando?

 

Helyn Thami

Arthur Aguillar

Gabriela Lotta

 

 

Não existe qualquer exagero em dizer que a crise imposta pelo novo coronavírus nos desafia em muitas frentes: políticas públicas, governança, senso de coletividade, resiliência, para mencionar apenas alguns que vêm imediatamente à cabeça. Contudo, um olhar mais cuidadoso nos mostra o imenso desafio que é transversal a todos os demais: a comunicação.

 

Uma nova infecção viral, para a qual não existe ainda tratamento eficaz e tampouco vacina, nos deixa como única alternativa a redução da transmissão. Esta, por sua vez, nos obriga a repensar o funcionamento da sociedade, as práticas cotidianas, a ordem e as normas sociais. A crise nos impõe, portanto, uma mudança profunda de comportamentos individuais. Mas esta tarefa não é nada trivial, considerando que mudanças dessa natureza exigem períodos longos de tempo, via de regra.

 

Logo, a comunicação se presta, nesse contexto, a duas grandes funções: garantir que todos tenham dimensão da gravidade da crise e, em face disso, que comportamentos se alterem de modo a manter a situação tão manejável quanto possível. Quando observamos a queda do índice de isolamento social na maior parte das capitais brasileiras, ou o uso incorreto de máscaras pela população, se escancaram os ruídos de comunicação, ou melhor, o mau planejamento das campanhas de comunicação – estamos falhando e temos que reverter esse jogo em tempo recorde se não quisermos contabilizar ainda mais mortes.

 

Para repensar a comunicação, é preciso lembrar: esse campo de conhecimento traz consigo sua ciência e sua teoria. Convencimento, influência e persuasão não podem se pautar naquilo que cada um de nós, individualmente, acha ser relevante. Tentar convencer aos outros somente com as armas que nos convenceriam é não só inútil, mas contraproducente. Vejam, por exemplo, a questão sobre uso de dados e estatísticas sobre o avanço da doença, grandemente veiculados na mídia e pelas redes oficiais. Mesmo nos indivíduos de maior grau de instrução e especialmente sensíveis a evidências numéricas e indicadores, a influência direta sobre o comportamento nunca é determinada de forma exclusivamente racional. Nossa mente responde muito mais às emoções do que aos números. Logo, dados, sozinhos, não produzem qualquer efeito.

 

Ademais, é preciso lembrar que o Brasil é país diverso e desigual, marcado por muitas clivagens – gênero, raça, classe. Imaginar que existe um único formato de comunicação que seja eficiente para todos os públicos é, portanto, equivocado. Uma pesquisa realizada no Reino Unido revelou, por exemplo, que a população jovem, sobretudo os homens jovens, respeitavam menos as diretivas governamentais sobre distanciamento e isolamento sociais e lavagem das mãos. Homens, em geral, também apresentaram maior dificuldade de lembrar dos conteúdos dos materiais informativos. Não se pode esquecer, ainda, dos cidadãos portadores de necessidades especiais ou aqueles que não leem ou compreendem bem conteúdo escrito. Customizar a comunicação é imperativo, uma vez que o comunicado não é o dito, mas o entendido.

 

Além disso, é preciso lembrar que a efetividade da comunicação depende, em grande medida, da sua estrutura. A redução da carga cognitiva necessária para introjetar uma mensagem é imprescindível para que ela ative o receptor. Sendo assim, a mensagem deve ser curta e direta, iniciando pela informação que se deseja fixar, usando amplamente imagens, infográficos e linguagem simples. “Crescimento exponencial”, “R0” e “curva de contágio” não parecem termos familiares para a esmagadora maioria da população brasileira. E, de fato, não o são.

 

Além disso, outra pesquisa também realizada no Reino Unido demonstrou que as campanhas de comunicação que evocam normas sociais são mais eficientes. Peças de conscientização individual do tipo “Seu vizinho está ficando em casa, e você?” pontuaram melhor na escala de efetividade quando comparadas a outras peças. Esse achado corrobora a influência do aprendizado social nas nossas escolhas pessoais, elemento que não pode ser negligenciado.

 

Existem, ainda, outros pontos de atenção na hora de comunicar. Por exemplo, é eficiente oferecer a noção de recompensa ou ganho imediato de uma ação para motivar o receptor: enfatizar que a saúde e segurança estarão resguardadas quando se adota o isolamento social é um caminho.

 

Outra sugestão é oferecer feedback positivo a quem está na direção correta: retomo aqui o velho experimento da lavagem das mãos nas unidades de terapia intensiva em um hospital americano. Enquanto as campanhas do tipo “funcionários, lavem as mãos!” fracassaram miseravelmente, a instalação de um placar que contabilizava, em tempo real, as vezes em que os profissionais lavavam as mãos ao entrar ou sair de um leito e exibia mensagens de incentivo e reconhecimento elevou o índice de adequação ao procedimento para mais de 90%. Isso denota não só a importância e o poder do feedback positivo, mas também da preservação do nosso senso de instrumentalidade (poder escolher) e autonomia. Campanhas de cunho autoritário e ordenatório são uma receita para o fracasso. Cabe motivar boas escolhas, não as ordenar ou condenar as ruins.

 

Também é interessante que a comunicação de risco não se concentre somente no indivíduo que recebe a mensagem, uma vez que já foi demonstrada nossa tendência a minimizar nosso próprio risco. Lembrar da proteção da família, amigos e vizinhos é importante. Por fim, cabe lembrar das informações positivas, pois a comunicação negativa agressiva frequentemente leva à negação e ao reforço ainda mais veemente de crenças prévias.

 

Tudo isso dá a dimensão do quão complexo é o ato de comunicar e motivar a mudança de comportamento de forma efetiva. Isso pode parecer, à primeira vista, um labirinto cuja saída consumiria muito tempo e muitos outros recursos (que não temos no momento). Mas não necessariamente. Hoje, as redes sociais e a internet permitem testar e iterar estratégias de comunicação com muita rapidez, com amostras substanciais da população a um custo baixo. É possível randomizar os testes, resultando em evidência de alta relevância para a tomada de decisão.

 

Como qualquer coisa que envolve a natureza humana, a comunicação precisa se refinar para dar conta da complexidade que encara. Não há respostas prontas. Testar as ideias e aprimorá-las até que se alcance o objetivo é uma opção interessante para fugir dos achismos pessoais. Também é central para acomodar melhor as necessidades e incorporar as limitações de todos e cada um no consumo da informação. Isso não prescinde do refinamento teórico e conceitual da comunicação enquanto campo de saber, muito pelo contrário. Apenas é uma forma de customizar esse saber para todos os públicos, ação absolutamente necessária para o efetivo enfrentamento da pandemia.

 

Helyn Thami e Arthur Aguillar são pesquisadores do IEPS

 

Gabriela Lotta é Professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas;  coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB – FGV/EAESP) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM)