Um Novo Normal com a COVID-19: Os Próximos Passos que Nós Precisaremos Dar
Por Tom Frieden*
Com uma boa estratégia e uma forte execução, poderemos voltar a um mundo mais seguro, mais unido e com melhores serviços de saúde.
Lembro-me de brincar de esconde-esconde quando eu era criança, agachado debaixo dos ternos e em cima dos sapatos do meu pai no canto de um armário abafado. Eu ficava encantado por não ser encontrado, mas me agachar nesse espaço confinado ficou sem graça rápido. Que alívio ouvir o grito de rendição do oponente, indicando que era seguro sair.
Para muitas pessoas ao redor do país e do mundo, os apartamentos ou casas onde estamos nos abrigando começaram a parecer aquele armário apertado. Começamos a imaginar um alerta de liberdade, quando poderemos nos desenrolar e nos esticar de volta ao mundo confortável que deixamos para trás.
Mas enquanto não desenvolvermos uma vacina contra a COVID-19, não poderemos voltar a ser como éramos antes. Enquanto a maioria das pessoas não tiver imunidade, retomar nossas atividades normais trará de volta o rugido das infecções. Quando finalmente voltarmos para fora, terá que ser um retorno gradual, orientado por um plano concreto, baseado em ciência sólida. Precisamos agir agora mesmo para colocar esses planos em prática e garantir que, quando esse dia chegar, ele chegue o mais rápido e seguro possível.
Com notável rapidez, as pessoas passaram a entender como o distanciamento físico pode “achatar a curva”, freando a propagação explosiva do vírus e evitando que nossos sistemas de saúde fiquem sobrecarregados. Mas a segunda parte da equação foi perdida em muitos. As medidas que tomamos até agora não nos protegerão do vírus; elas só nos dão mais tempo para nos prepararmos para a próxima fase da nossa resposta. É de crucial importância que utilizemos bem este tempo.
Três medidas que precisamos tomar agora
A primeira fase de uma resposta pandêmica é a contenção. Nessa fase, testes e rastreamento de contatos podem encontrar pessoas com infecções e impedi-las de espalhar o vírus, com o objetivo de evitar um grande aumento dos casos.
Para áreas com transmissão generalizada, a resposta pandêmica se desloca para uma fase de mitigação – onde estamos agora em grande parte dos Estados Unidos e do Brasil. Nesta fase, empreendemos medidas de distanciamento físico para limitar o número de pessoas infectadas e reduzir a pressão sobre o sistema de saúde. Há sinais iniciais de que as medidas que tomamos estão funcionando, retardando a propagação do vírus. Mas uma segunda razão para nos isolarmos, crucialmente importante e agora bem compreendida, é ter tempo para nos prepararmos para a próxima fase da resposta pandêmica, que chamamos de supressão. Quando começarmos a sair de nossas casas, haverá menos casos, mas precisaremos responder a eles rapidamente. Quanto mais inteligentes e rápidos nos prepararmos para a supressão da COVID-19, mais cedo poderemos sair novamente e mais seguros estaremos quando o fizermos.
Há três ações que precisamos tomar agora mesmo, e precisamos cumprir referências específicas e mensuráveis em cada uma delas antes de retomarmos as nossas atividades normais.
Primeiramente, precisamos de sistemas de inteligência estratégica sofisticados para rastrear o vírus e nossa resposta a ele. Temos que ter certeza de que o número de novos casos está diminuindo, os profissionais de saúde estão mais seguros e os casos que ainda ocorrem são cada vez mais passíveis de serem rastreados de volta à sua fonte. As comunidades precisarão de recursos e protocolos consistentes para rastrear sintomas, casos e mortes de forma precisa, oportuna e abrangente, o que estamos longe de conseguir.
Em segundo lugar, devemos fortalecer nossos hospitais e todo o sistema de saúde. Nossos hospitais precisam ser redesenhados fisicamente para selecionar com segurança um grande número de pacientes e pessoal para prestar cuidados críticos para pelo menos o dobro do número de pessoas para as quais eles têm capacidade atualmente. Também temos que garantir que eles tenham equipamentos de proteção pessoal suficientes e implementar políticas para minimizar os riscos para nossos médicos, enfermeiros e todas as equipes de saúde. Singapura mostra que isso é possível: já teve mais de mil casos, mas, pelo menos até o momento, não teve uma única infecção de profissionais de saúde.
Em terceiro lugar, devemos revolucionar nosso sistema de saúde pública. Para reprimir qualquer grupo de casos, precisamos identificar prontamente cada novo caso e rastrear quase todos os seus contatos, isolar os doentes e colocar em quarentena as pessoas que foram expostas. A Coreia do Sul é exemplar, sendo pioneira em instalações de testes drive-through, entre outras inovações, o que lhes permitiu testar uma parcela maior de sua população mais rapidamente do que praticamente qualquer outro país. A Coreia do Sul registrou seu primeiro caso no mesmo dia que os Estados Unidos, e depois enfrentou um surto explosivo em uma comunidade religiosa. Hoje, sua taxa de mortalidade per capita é um sétimo dos Estados Unidos.
Sou especialista em tuberculose por treinamento, e fazemos muito rastreamento de contatos, que é o dia-a-dia da saúde pública. Mas para a COVID-19, vamos precisar de um exército de pessoas para fazer isso. Na época em que Wuhan controlou a epidemia, essa única cidade tinha 1.800 equipes, cada uma com 5 pessoas, traçando dezenas de milhares de contatos por dia. O equivalente seriam 300 mil pessoas nos Estados Unidos ou 200 mil pessoas no Brasil, bem treinadas, equipadas, supervisionadas e com uma ampla gama de programas sociais para apoiar os casos e contatos e conter as cadeias de transmissão.
Também precisaremos estabelecer novas instalações voluntárias para pacientes que não estão doentes o suficiente para ser atendidos em um hospital, mas que não podem ser atendidos com segurança em casa. E nossos líderes de saúde pública devem demonstrar que, quando recomendam mudanças no distanciamento físico, as pessoas respondem, de fato, mudando seu comportamento. O quão bem e quão rapidamente alcançaremos todos esses objetivos determinará o quão cedo e com que segurança poderemos sair. E devemos persegui-los com disciplina, cumprindo critérios específicos como os que eu e meus colegas do Resolve to Save Lives resumimos aqui. Somente quando todas as peças acima estiverem no lugar, poderemos começar a reduzir o distanciamento físico.
E sempre que isso acontecer, precisamos abrir a torneira gradualmente em vez de abrir as comportas de uma só vez e correr o risco de uma explosão de novos casos. As reuniões devem ser limitadas a 10 pessoas no início, e os restaurantes terão que adotar medidas de distanciamento físico para receber os clientes. Escolas e empresas podem precisar escalonar sua reabertura, com novas salvaguardas, como checagem de temperatura e higienizador de mãos em cada entrada. Com base nos dados de difusão da doença, as pessoas que viajarem de áreas de alta prevalência terão que ficar em quarentena. Pessoas medicamente vulneráveis (aquelas pertencentes aos “grupos de risco”) precisarão ser protegidas por mais tempo ainda.
Com o passar dos meses, sem aumento significativo dos casos, poderemos afrouxar ainda mais certas medidas. Vamos monitorar novos casos de forma vigilante, prontos para apertar a torneira, voltando ao distanciamento físico se os casos aumentarem. Os políticos devem estabelecer orientações claras para a sociedade acompanhar essa evolução, aprimorando a recomendação que sugerimos, para que seus cidadãos entendam e abracem um processo que levará meses.
É tentador perguntar quando as coisas voltarão ao normal, mas o fato é que elas não voltarão – não ao antigo normal, de qualquer forma. Mas podemos alcançar um novo tipo de normalidade, mesmo que este admirável mundo novo seja essencialmente diferente.
Precisaremos lavar as mãos com mais frequência, tossir com mais cuidado, cumprimentar e interagir uns com os outros de forma diferente. Podemos adotar novas formas de nos encontrarmos com colegas e nos misturarmos com amigos. Viajar vai exigir mais reflexão. Ao invés da famosa “quarantina” – os quarenta dias que os comerciantes venezianos mantinham os navios ancorados antes de permitir que atracassem – podemos ter que nos acostumar a carregar comprovantes de imunidade ou a passar catorze dias isolados antes de entrar em um novo país.
Os governos que mostrarem que podem adotar essas medidas conterão os surtos sem mandar seu povo de volta para suas casas. Lugares que não conseguirem fazer isso verão suas economias pararem e se encontrarão isolados do resto do mundo.
Há, contudo, um lado positivo de tudo isso. À medida que remodelamos nossos hospitais para atender à COVID-19, vamos torná-los mais seguros também para pacientes com outras doenças. As infecções hospitalares são atualmente uma das principais causas de morte nos Estados Unidos, e novas políticas e melhores projetos podem reduzir esses números. Investimentos que aprimorem nosso sistema de saúde pública nos protegerão de muitas infecções e de outras ameaças à nossa saúde.
E por uma questão de necessidade, vamos ver mais claramente que estamos todos no mesmo barco. Quando se trata de doenças infecciosas, a comunidade global é tão forte quanto o nosso elo mais fraco: até que cada país tenha a capacidade de conter esta epidemia, nenhum de nós estará seguro. Temos que nos unir para combater isso como uma guerra mundial que é, não como Estados uns contra os outros, mas como pessoas contra micróbios. Nesta luta, não haverá tréguas e não haverá intervalos.
Mas com a estratégia certa e execução forte, poderemos sair novamente, em um mundo mais seguro e unido, mesmo que não estejamos tão livres do risco de infecção como estávamos antes.
*Tom Frieden é o Presidente e CEO da Resolve to Save Lives, uma iniciativa da Vital Strategies, que trabalha com países para evitar 100 milhões de mortes e tornar o mundo mais seguro contra epidemias. Frieden foi diretor do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos e secretário de saúde da cidade de Nova York, no mesmo país. Também é membro sênior do Global Council of Foreign Relations norte-americano.