Usando dados para salvar vidas: uma agenda para os próximos prefeitos

Isabel Opice e João Abreu

Existe uma situação que é tão perigosa quanto contrair o coronavírus recém-descoberto na China: nascer. Em alguns municípios no Brasil.

Em mais de mil municípios no Brasil, a mortalidade infantil está acima de 2%. Cerca de 2% dos infectados com o vírus até o momento faleceram. Somente no ano passado, isso significou mais de 5 mil mortes. Ou 10 vezes o total de mortos pelo coronavirus até aqui. Estatisticamente, é como se todos os bebês que nascem nestes municípios nascessem com o vírus. A chance de óbito é a mesma. 

Como podemos ajustar nosso sistema de saúde, para deixá-lo mais preparado para cuidar das famílias durante e após a gestação? A experiência da Impulso em parceria com Secretarias Municipais de Saúde sugere uma resposta: precisamos usar mais, e usar melhor, dados e evidências para chegar à população que mais precisa deste apoio. Vejamos um exemplo.

Um dos resultados mais conhecidos em saúde pública é: quanto mais consultas as gestantes realizam – o chamado atendimento pré-natal -, menor a mortalidade infantil. O Ministério da Saúde recomenda um número mínimo de seis consultas pré-natal. Uma informação crucial para a Prefeitura coletar, portanto, é quantas consultas as grávidas dos municípios realizaram. 

Em uma típica Secretaria Municipal de médio porte, estes dados existem. E são, muitas vezes, capturados por meio de sistema de prontuário eletrônico, toda vez que é realizada uma consulta de pré-natal. No entanto, raramente essa informação é usada ativamente para identificar gestantes que estão abaixo do número recomendado de consultas e desenvolver ações direcionadas a elas.

Identificamos que a mesma informação – quantas consultas pré-natal a mulher realizou – é requisitada novamente da gestante, imediatamente após o parto – dificilmente o momento ideal para obter um dado confiável e preciso para informar políticas públicas. E muitas vezes, a informações é utilizada apenas para reportar ao governo federal o número de consultas realizadas no município, uma ação obrigatória para o repasse de recursos. Nós temos os dados, às vezes até em dobro, embora nem sempre o mesmo seja confiável; mas não estamos utilizando-os para melhorar a qualidade da política pública.

Aí reside o maior desafio: equipar as Prefeituras brasileiras com a capacidade técnica e analítica para utilizar os dados que elas já possuem como instrumento de aprimoramento de suas políticas públicas. As responsabilidades dos municípios são extremamente complexas e desafiadoras. Neste cenário, é crucial utilizar as informações que são geradas na prestação dos serviços públicos para melhorar a entrega desses mesmos serviços. 

As experiências com as Secretarias de Saúde mostraram ser possível converter dados existentes em informações extremamente úteis para que a gestão municipal aja de forma estratégia e focalizada. Em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em que as gestantes não realizam o número adequado de consultas, por exemplo, podemos pensar em ações para estreitar os vínculos entre a gestante e a UBS, como criar rodas de conversas e oferecer enxoval. Em casos de UBS onde o número de gestantes adolescentes é significativo, as ações devem focar na conscientização das jovens da região.

Os dados que os municípios, muitas vezes, já possuem permitem realizar um acompanhamento próximo das gestantes permitindo ação imediata, para gestações ainda em andamento. Também permitem analisar a performance das diferentes UBS que fazem parte da rede de saúde. Em geral, essas análises revelam que algumas das UBS já estão fazendo um excelente trabalho – e geram a oportunidade de entender como estas boas práticas locais podem ser difundidas para toda a rede de saúde municipal.

O Brasil já avançou muito na redução da sua mortalidade infantil, mas nossos índices seguem inaceitáveis. Os atores políticos que estão mais perto da população, e mais podem fazer para mudar este cenário, são nossas prefeitas e prefeitos. 

Nosso vírus é muito mais antigo, bem compreendido, e difundido do que o coronavírus. E já temos algumas ideias de como combatê-lo. Candidatas e candidatos em outubro, tomem nota: temos muitas, muitas mortes a prevenir.

 

Isabel Opice e João Abreu são economistas, cofundadores do Impulso e Mestres em Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Harvard