Procrastinação, nudges e um prêmio Nobel: combatendo doenças não transmissíveis
Paula Pedro, Anupama Dathan e Caroline Tangoren
O Brasil é um país que enfrenta um desafio triplo no que diz respeito à saúde pública: controlar doenças infecciosas, lidar com altas taxas de crimes e homicídios e combater o aumento de doenças não transmissíveis (DNTs). Como o nome indica, as DNTs não são transmitidas de pessoa para pessoa e incluem doenças cardíacas e pulmonares, diabetes e câncer. Dados mostram que, em 2017, mais de 76% das mortes no Brasil foram relacionadas às DNTs.
Um aspecto importante nessa equação é a prevenção de tais doenças, já que as DNTs podem estar relacionadas à má alimentação, falta de exercício, tabagismo e outros comportamentos prejudiciais. A maioria das pessoas gostaria de ser mais saudável, porém muitas vezes não há tempo para a prática de exercícios, nem sempre consumimos os alimentos mais saudáveis e adiamos consultas médicas.
Como sabemos o que funciona para atenuar esses problemas? No mês passado, o Prêmio Nobel de Economia foi concedido à Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer por sua abordagem experimental que “transformou a economia do desenvolvimento”. Essa abordagem consiste na implementação de estudos aleatorizados, do inglês, randomized controlled trials (RCTs) para estabelecer o impacto de um programa ou política. Estudos aleatorizados são comumente usados em experimentos médicos para estabelecer a eficácia de tratamentos, e também já haviam sido utilizados na avaliação programas sociais, mas Banerjee, Duflo e Kremer popularizaram o seu uso sistemático em políticas públicas.
A proposta de Banerjee, Duflo e Kremer vai além da geração de pesquisas de qualidade: para eles, um conjunto de RCTs é muito mais valioso do que a soma de suas partes. Quando analisados coletivamente, os RCTs nos dão uma visão detalhada de como os seres humanos tomam decisões sobre questões mais diversas que podem ir do comportamento sexual dos adolescentes ao papel das transferências de renda.
Banerjee e Duflo, junto com Sendhil Mullainathan, fundaram um centro de pesquisa, o Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab (J-PAL), para promover o uso dessa abordagem na formulação de políticas que visam melhorar a qualidade de vida das pessoas ao redor do mundo. Pesquisadores afiliados ao J-PAL vêm aplicando o ferramental dos RCTs à temática das DNTs e alguns resultados são promissores.
Em um estudo na Índia, Rebecca Dizon-Ross, professora na Universidade de Chicago e afiliada ao J-PAL, junto com Ariel Zucker e Shilpa Aggarwal, demonstraram que pessoas com risco de diabetes podem aumentar a quantidade de passos caminhados diariamente quando recebem incentivos para fazê-lo. Elas também encontram que esse tipo de programa pode levar à uma redução de fatores de risco à saúde, incluindo glicose, hipertensão e massa corporal. No estudo, os efeitos persistiram mesmo após o término do programa, sugerindo que a intervenção ajudou a formar hábitos duradouros.
Usar resultados de outras áreas de estudo para identificar políticas custo-efetivas é também uma possibilidade. Afinal, pessoas costumam ser semelhantes quando se trata de comportamentos como esquecimento, procrastinação e desejo aprovação.
Na Argentina, por exemplo, a presença de outros indivíduos em banheiros públicos causou o um aumento de 20% no número de pessoas que lavavam as mão depois de usar o banheiro; sugerindo que a influência de pares pode ser importante na tomada de decisão. Na mesma linha, o próprio Michael Kremer encontra que, nos Estados Unidos, universitários que moram com alunos que consomem álcool em excesso podem ter seu desempenho acadêmico impactado negativamente. Será que este mesmo mecanismo não poderia nos ajudar a desenhar programas focados na prevenção de DNTs?
Se deixarmos o espaço da saúde, vemos ainda uma série de exemplos que podem ser úteis. Na Colômbia, pequenos incentivos e objetivos de curto prazo ajudaram funcionários de uma empresa de microcrédito a procrastinar menos. No Brasil, pesquisadores encontram que quando pais de alunos do ensino básico recebem mensagens de texto sobre a performance de seus filhos, isto pode ajudar a melhorar significativamente o rendimento escolar. Ambos mecanismos poderiam ser utilizados no estímulo de hábitos saudáveis.
Certamente não se trata apenas de estimular mudanças no comportamento; também precisamos de mais pesquisas médicas para verificar o impacto da má alimentação, consumo de álcool e outros comportamentos sobre as DNTs. Trata-se de quebra-cabeça dinâmico. Se existem medicamentos ou outras intervenções médicas que podem ajudar a combater as DNTs, os RCTs desempenham um papel crítico na identificação de como o indivíduo interage com essas soluções em seu dia-a-dia.
Paula Pedro é diretora executiva do J-PAL para a América Latina e o Caribe, com sede em Santiago, Chile. Anupama Dathan é Gerente do Setor de Saúde do J-PAL Global e Caroline Tangoren é Analista de Políticas Públicas do J-PAL Global.